Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de participação no Sétimo Congresso Internacional da USBIG, nos Estados Unidos. Comentários sobre o artigo do jornalista Ali Kamel, intitulado "Bolsa-eletrodoméstico".

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIAL.:
  • Registro de participação no Sétimo Congresso Internacional da USBIG, nos Estados Unidos. Comentários sobre o artigo do jornalista Ali Kamel, intitulado "Bolsa-eletrodoméstico".
Aparteantes
Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2008 - Página 4564
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PRESENÇA, AUTORIDADE, UNIVERSIDADE ESTRANGEIRA, DEBATE, PROPOSTA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, REGISTRO, RESULTADO, VISITA, PAIS, ORIENTE MEDIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO, TRANSFERENCIA, RENDA, CONTRIBUIÇÃO, DEMOCRACIA, REDUÇÃO, VIOLENCIA.
  • CRITICA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), QUESTIONAMENTO, CONDUTA, FAMILIA, RECEBIMENTO, BOLSA FAMILIA, AQUISIÇÃO, APARELHO ELETRODOMESTICO, REGISTRO, APERFEIÇOAMENTO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, ESCLARECIMENTOS, DIREITOS, POPULAÇÃO CARENTE, SUPRIMENTO, CARENCIA, ESCOLHA, GENEROS DE PRIMEIRA NECESSIDADE.
  • REGISTRO, PESQUISA, ENTIDADE INTERNACIONAL, DEMONSTRAÇÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, IMPORTANCIA, TRANSFERENCIA, BOLSA FAMILIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, AUMENTO, INDICE, JUSTIÇA SOCIAL, EXPECTATIVA, POSSIBILIDADE, APLICAÇÃO, PROJETO, RENDA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, cumprimento o Senador José Sarney pela iniciativa, a qual também abraço, de manifestar apoio ao Dr. David Uip, que tem tanto colaborado, inclusive com a saúde de muitos dos Senadores, dentre os quais, o ex-Senador e Governador Mário Covas. Ele foi um dos responsáveis pelo atendimento, e sempre com muita atenção, conhecimento e eficiência.

Sr. Presidente, gostaria de hoje informar aos meus colegas no Senado e às brasileiras e brasileiros que amanhã sigo para Boston para participar, nos dias 7, 8 e 9, do VII Congresso Internacional da U.S. Basic Income Guarantee Network -USBIG, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Aqui anexo o programa desse encontro. Exatamente no domingo pela manhã,estarei na mesa da qual também participarão Jürgen De Wispelaere, Editor da Basic Income Studies, o professor Phillippe Van Parijs, da Université Catholique du Louvain (Belgium) & Harvard University, numa mesa moderada pelo professor Ingrid Van Niekerk, todos considerados como uns dos maiores conhecedores da proposta da renda básica.

Na ocasião, falarei tanto da evolução da proposição no Brasil, de como estamos evoluindo no programa Bolsa Escola até que um dia toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade e condição civil ou mesmo socioeconômica, venha ter o direito de partilhar da riqueza da Nação, através de uma renda que, na medida do possível, mesmo que começando modestamente, será suficiente para atender às necessidades vitais de cada um. A ninguém será negado. Estarei ali falando de minha visita oficial ao Iraque, onde estive, nos dias 16 e 17 de janeiro último, convidado pelo Presidente da Assembléia Nacional do Iraque ou do Conselho de Representantes do Iraque, Sr. Mahmud Machhadani e pelo Sr. Ibrahim Al Jafari, ex-Primeiro Ministro e Líder da principal coligação de governo para explicar aos ministros de Estado, aos Parlamentares, ao Presidente e Ministro da Alta Corte Suprema a proposta - que muito bem acolhida foi pelos iraquianos - de uma renda básica de cidadania para a democratização e pacificação daquela nação que, há anos, vem vivendo intensa guerra civil, tanta violência, tantas mortes.

Gostaria de aqui informar aos meus colegas que, estando presente na cidade de Boston, recebi o honroso convite do Professor Phillippe Van Parijs para não apenas me hospedar em sua residência; ele também convida os seus diversos amigos, sobretudo membros deste Congresso, para, no domingo à noite, na sua residência, estarem assistindo a documentário que apresentei no Senado Federal a respeito da visita ao Iraque. Informa ele que o debate, a discussão e a apresentação desse vídeo serão precedidos de uma explanação do Prêmio Nobel de Economia Professor Amartya Sen, dos Departamentos de Economia e de Filosofia de Harvard, que se tornou também um amigo. Quero dizer quão honrado estou de participar desse diálogo com alguns dos maiores economistas, em especial, o Professor Amartya Sen.

Eu gostaria de tecer alguns comentários sobre o artigo do editor da Rede Globo de Televisão e do jornal O Globo, Ali Kamel, denominado “Bolsa-eletrodoméstico”. Essa matéria foi lida e comentada em plenário ontem pelo Senador Alvaro Dias, que convido a estar em plenário, se possível, para dialogarmos a respeito. Fiquei preocupado com as observações de Ali Kamel, que está intrigado com o fato de uma família beneficiária do Programa Bolsa Família comprar até eletrodomésticos, como geladeira e televisão, como se uma pessoa de recursos modestos que recebe o Bolsa Família só pudesse comprar, digamos, arroz, farinha, feijão, alface e alguns alimentos que ele considera adequado.

Meu caro Ali Kamel parece que se esquece de uma das observações tão bem feitas pelo jornalista e ex-Deputado Federal quando, certo dia, em O Globo de Campinas, foi visitar os resultados do exemplo pioneiro do Programa de Renda Mínima associado a educação instituído pelo Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira em 1995, no mesmo tempo em que, no Distrito Federal, o Governador Cristovam Buarque instituía também o Programa Bolsa Escola.

Naquela oportunidade, alguns gestores do Programa de Renda Mínima associado à educação em Campinas ficaram preocupados: “Mas como a senhora, que está recebendo esse benefício do Programa de Renda Mínima, está comprando uma dentadura? Não é isso uma distorção? A senhora está preocupada com sua beleza em vez de comprar alimentos para suas crianças e sua família?” A senhora então respondeu: “Mas minha preocupação nesses tempos tem sido minha boca, porque estou sem os dentes e não consigo sequer um emprego. Vou conversar com as pessoas, e elas se assustam porque estou sem dentes. Até para meu sustento, adquirir uma dentadura é minha primeira necessidade.”

Quem sabe, prezado Ali Kamel, qual a primeira necessidade do ser humano senão o próprio ser humano? Então, ficar preocupado que uma pessoa que recebe bolsa-família, que tem a sua modesta remuneração, passe a ter maior segurança, conforme os pesquisadores disseram, e passe a ter maior tranqüilidade para adquirir, a prestação, uma geladeira, um televisor, algo que inclusive vai possibilitar à família guardar os seus alimentos, tê-los na geladeira, obviamente isso é algo de primeira necessidade. Ou ter um televisor no qual poderá assistir os programas editados pelo Ali Kamel, na Globo. Porque muitos programas ali são até importantes para a educação.

É claro, Ali Kamel está preocupado com a educação. Muito bom. É claro que é importantíssima a educação, mas a garantia de uma renda é algo importantíssimo para a própria possibilidade de as pessoas se educarem. Então, quero ter oportunidade de um diálogo olho no olho com Ali Kamel, que escreve um artigo assim num dos principais jornais brasileiros, com a responsabilidade de ser também um dos editores do Jornal Nacional, do Fantástico e da Globo.

            Então, quando ele diz no seu artigo de ontem, lido pelo Senador Alvaro Dias, que:

         Na realidade, o programa transfere, mas não gera renda. O consumo só aumentaria se a propensão de consumir dos beneficiários do Bolsa-Família fosse maior do que a propensão dos que pagam imposto e que tornam o programa possível, o que é improvável.

Ele aqui está errado. O programa Bolsa-Família, todas as pesquisas demonstram... Vou pedir que seja registrada a análise do Centro Internacional de Pobreza, que questiona “Todas as transferências de renda diminuem a desigualdade?” num estudo comparativo entre os programas Chile Solidário, Oportunidades no México e Bolsa-Família, em São Paulo e no Brasil, conclui-se que a desigualdade no México e no Brasil...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Senador Suplicy, só queria um favor de V. Exª: que respire fundo, pois estou preocupado. E me diga quantos minutos V. Exª ainda precisa, pela importância do seu discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Três minutos.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Três minutos é o suficiente?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT- SP) - Acredito que sim.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ)- Senador Suplicy, um apartezinho?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Deixe-me só terminar esta frase.

Aqui se assinala que a desigualdade, no México e no Brasil, caiu 2,7 pontos. Diversas pesquisas realizadas, entre outros, por Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, têm mostrado que o Brasil, que estava, ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000, com o índice de coeficiente Gine de desigualdade acima de 0,60, hoje, está com o coeficiente já próximo de 0,55. E precisamos caminhar nessa direção.

Senador Marcelo Crivella, caminharemos mais depressa nessa direção, se, do Bolsa-Família, caminharmos na direção da renda básica incondicional para todos.

V.. Exª tem uma oportunidade porque poderá, como candidato a Prefeito, até fazer do Rio de Janeiro uma das cidades pioneiras na instituição da renda básica de cidadania.

Quero lhe dar o aparte para lhe dizer que me coloco à disposição, seja do Prefeito César Maia hoje, seja dos diversos candidatos a Prefeito do Rio de Janeiro - seja o Molon, do PT, seja o Deputado Fernando Gabeira, que também possivelmente estará disputando a eleição com V. Exª. Eu quero ajudá-los a instituir exemplarmente uma renda básica de cidadania no Rio de Janeiro, como farei em São Paulo e nas demais cidades, para que todas venham a ser exemplos da instituição dessa renda em cooperação com o Governo do Presidente Lula e com o Ministro Patrus Ananias.

Tem V. Exª o aparte, Senador Crivella.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, o pronunciamento de V. Exª é motivador, é emocionante e é, acima de tudo, brilhante. V. Exª, como economista, sabe que a transferência de renda vai causar demanda; a demanda vai causar o investimento; o investimento vai trazer produção; a produção vai trazer trabalho e o consumo volta a aumentar. É assim que acontece nas sociedades modernas. É bom lembrar que o índice Gini mede a desigualdade dos países; a do Brasil é 0,55. Mais desiguais do que nós só os países da África. Os países da América Latina são menos desiguais que o Brasil. V. Exª tem toda a razão. Gostaria de lembrar, uma vez que está em discussão no Supremo Tribunal Federal as células-tronco, que V. Exª e eu votamos a favor da pesquisa. Não há - digo isso como um homem religioso - amparo na Bíblia para se votar contra a Lei da Biossegurança. Há discussão jurídica, mas não bíblica e religiosa. Lá na Bíblia, na época de Moisés, já se falava em distribuição de renda. O dízimo era isto: todos pagavam 10% do que ganhavam, e era dado aos pobres. Na hora de segar o campo, como dizia a lei de Moisés, era proibido pegar as espigas que caíam no chão; elas ficavam para os pobres e para os passarinhos. De sete em sete anos, perdoavam-se todas as dívidas e, de sete vezes sete, perdoava-se a servidão e devolviam-se os terrenos. Veja V. Exª que nos primórdios da nossa espiritualidade já havia a preocupação que V. Exª hoje manifesta aqui. O consumo é fundamental. Não importa se é o feijão; não importa se é manufaturado. A China está fazendo hoje um grande progresso porque sua população pobre teve acesso aos produtos manufaturados. Parabéns a V. Exª, que mais uma vez nos brinda com um brilhante pronunciamento. E se Prefeito for, quero contar com o apoio de V. Exª no Rio de Janeiro, para procurarmos diminuir a desigualdade naquela cidade.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Marcelo Crivella. Coloco-me, desde já, de pronto, à disposição de todos os candidatos a Prefeito, para pensarmos juntos na cidade de Ali Kamel, a fim de chegarmos à renda básica de cidadania, que já é lei. Parece que ele, embora editor de O Globo, ainda não se deu conta da Lei nº 10.835 e nem das suas vantagens. Ele ainda não analisou quais os processos de transferência de renda que existem nos países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, 21,5 milhões de famílias recebem o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, o EITC. Um trabalhador que recebe US$10 mil por ano recebe R$4 mil a mais, 40%, que obviamente o torna mais produtivo, com maior grau de satisfação.

Se nós brasileiros não nos dermos conta de que já existem programas dessa natureza e precisamos fazer ainda melhor, com desenho melhor, estaremos sendo menos competitivos. Qual o melhor desenho? A renda básica universal. Qual é a prova disso? Se Ali Kamel quiser prestar atenção eu lhe direi: está nos Estados Unidos. Ele precisa levar a Rede Globo ao Alasca para verificar a distribuição igualitária para os 700 mil habitantes do Alasca, desde que ali residindo a um ano ou mais. Tem sido pago nos últimos 25 anos algo como 6% do PIB igualmente para todos, que compram os mais diversos produtos. Cada um escolhe no que gastar. Isso fez do Alasca o mais igualitário dos 50 Estados norte-americanos, levando a sua economia a crescer mais com mais estabilidade.

Deveria também, como responsável pela informação, levar a Rede Globo até a Namíbia, que começou a instituir exemplarmente, para 1.005 habitantes de Otjivero Villa, desde janeiro deste ano, uma renda básica igual para todos, estimulada pela coalizão, pela instituição de uma renda básica universal ali na Namíbia, inclusive pelo bispo Kameta, um dos grandes entusiastas desta proposição. Se ele quiser saber quais os cientistas que consideram isso importante, eu o convidarei para participar do diálogo com o prêmio Nobel de Economia Amartya Sem e o Professor Philippe Van Parijs, que na Universidade de Harvard dão um curso sobre justiça e instituições, em que analisam, Senador Romeu Tuma, quais as instituições que poderão levar a um maior grau de justiça na sociedade.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A abolição da escravidão elevou o grau de justiça na sociedade. Se proporcionarmos a todos os meninos e meninas educação de boa qualidade, de maneira universal - e neste ponto estou de acordo com Ali Kamel -, obviamente estaremos elevando o grau de justiça na sociedade.

Amartya Sem, quando eu estive na sala de aula ouvindo-o, na melhor universidade do mundo, disse: “Neste curso, vamos examinar em que medida a instituição de uma renda básica incondicional, defendida pelo professor Philippe Van Parijs e pelo Senador Eduardo Suplicy, do Brasil, que aqui está, vai elevar o grau de justiça na sociedade”.

E tenho a certeza de que, se fizermos um amplo debate, convido Ali Kamel para fazer isso onde ele quiser. Pode ser em qualquer plenário, em qualquer faculdade ou nas favelas do Rio de Janeiro. Quero com ele, primeiro, o Bolsa-Família, que é, sim, um programa positivo. E está enganado o Líder José Aníbal quando o criticou, no jornal de hoje, dizendo que o Programa Bolsa-Família não tem exigências; tem as mesmas exigências que havia no Bolsa-Escola, acrescentadas às do Bolsa-Alimentação.

Mas um dia nós iremos chegar à incondicionalidade, como acontece hoje com os ricos, que podem receber, como proprietários do capital, juros, lucros e aluguéis sem quaisquer exigências de comprovação de que estejam trabalhando ou que suas crianças estejam nas escolas; entretanto, eles trabalham e colocam suas crianças nas melhores escolas. Então, porque não estender a todos, ricos e pobres, o direito inalienável de participar da riqueza da Nação, recebendo uma renda como direito de ser brasileiro?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2008 - Página 4564