Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário sobre a Lei de Biossegurança, cuja constitucionalidade de seu artigo 5 está sendo apreciada pelo STF.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. SAUDE.:
  • Comentário sobre a Lei de Biossegurança, cuja constitucionalidade de seu artigo 5 está sendo apreciada pelo STF.
Aparteantes
Delcídio do Amaral, Flávio Arns, Marcelo Crivella, Mão Santa, Osmar Dias, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/2008 - Página 4567
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), APRECIAÇÃO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, LEGISLAÇÃO, SEGURANÇA, BIOTECNOLOGIA, LEITURA, ARTIGO, DIVERGENCIA, OPINIÃO, PESQUISA CIENTIFICA, RELIGIÃO, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, PARTE, EMBRIÃO, PRODUTO TERAPEUTICO.
  • COMENTARIO, AUTORIA, TASSO JEREISSATI, SENADOR, EMENDA, ARTIGO, LEGISLAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, DEFINIÇÃO, REQUISITOS, MANIPULAÇÃO, PARTE, EMBRIÃO, RESPEITO, PERIODO, CONGELAMENTO, IMPOSSIBILIDADE, CONCEPÇÃO, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PAES, SUJEIÇÃO, COMITE, ETICA, PROIBIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), OBSERVAÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, MATERIA.
  • COMENTARIO, POLEMICA, ASSUNTO, AMBITO INTERNACIONAL, COMPARAÇÃO, PARECER, PAIS ESTRANGEIRO, AUSENCIA, UNANIMIDADE, OPINIÃO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, DEFESA, CRIAÇÃO, COMISSÃO, PARTICIPAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CIENTISTA, PODERES CONSTITUCIONAIS, TENTATIVA, ENTENDIMENTO, UTILIZAÇÃO, EMBRIÃO, REVERSÃO, DOENÇA INCURAVEL, POSSIBILIDADE, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, DOENTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, agradeço ao Senador Antonio Carlos Júnior a permuta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago um comentário ao Plenário do Senado Federal em uma hora em que o Ministro Celso Mello externou que seria a decisão mais difícil da história do Supremo Tribunal Federal e que diz respeito ao debate sobre a constitucionalidade ou não da Lei nº 11.105, do dia 24 de março de 2005, a chamada Lei de Biossegurança, que foi devidamente votada no plenário do Senado Federal.

Àquela época, houve um grande debate nesta Casa, com o envolvimento e a presença da comunidade científica, peregrinando por todos os corredores e gabinetes, em intensas e freqüentes reuniões. O Senador Tasso Jereissati foi o autor da emenda que definiu o art. 5º da Lei de Biossegurança, que, não tenho dúvida, é a lei que norteia hoje o amparo aos argumentos científicos, jurídicos e de mérito sobre a constitucionalidade da matéria.

Vivemos um debate em que estava envolvido apenas um interesse científico localizado em nome da ciência, um debate localizado pelas religiões, em nome do princípio religioso, um debate enfocado pela sociedade nas suas mais diversas matizes culturais, jurídicas, ideológicas, de princípios de toda a natureza. Não tínhamos um ponto de equilíbrio entre os limites da ciência e da religião, a compreensão jurídica sobre uma matéria dessa relevância para a humanidade.

O que dispõe o art. 5º, que é o grande dispositivo que abre a possibilidade de essa matéria ser compreendida hoje no Supremo Tribunal Federal?

De autoria do Senador Tasso Jereissati, ele assim estabelece:

É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I - sejam embriões inviáveis.

Olhe bem, Senador Romeu Tuma: “Sejam embriões inviáveis”.

E estabelece ainda:

            II - Sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta lei, ou que, já congelados na data da publicação desta lei, depois de completarem três anos, contados a partir da data do congelamento.

§1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores:

§2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em Pesquisa.

§3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere esse artigo e sua prática implica o crime tipificado [...]

Então, tomamos uma decisão que é das mais sérias da história republicana: encontrar um limite de compreensão e de aceitação sobre uma legislação tão difícil e que o Brasil tinha de decidir em relação ao uso das células-tronco embrionárias para fins científicos.

O que temos ao lado disso? Debate sobre fé, religiosidade, as dificuldades jurídicas para compreender se a Constituição assegura ou não autorização a esse tipo de norma legal; o debate da pressão da ciência sobre a sociedade; o debate dos segmentos sociais vítimas dos mais distintos acidentes que levaram a doenças degenerativas, a traumas que deixaram as pessoas incapacitadas e que têm uma gota de esperança na vida, que a ciência possa lhes permitir um acesso à reintegração na sociedade.

E temos as contradições no meio disso tudo. Eu não falo com qualquer inocência num debate como esse. Pelo menos - e tenho convicção porque sou pesquisador da área médica, da área científica -, 80% dos cientistas envolvidos em pesquisas básicas neste País prestam um serviço muito mais ao lucro dos laboratórios do que à ciência pura propriamente dita. Eu não tenho nenhuma dúvida de que a sociedade, vítima das doenças degenerativas incapacitantes, tem o direito de ter uma gota de esperança no horizonte da nossa ciência pura e pedir ajuda a ela, e o Estado brasileiro tem de dar resposta.

O que tínhamos? O Senador Tasso Jereissati reconheceu. Tínhamos um descarte. Todo mês ou toda semana há embriões sendo jogados no lixo, descartados. Então, que se abra uma exceção para que esses embriões que estão indo para o lixo possam ser usados a favor da ciência, porque não há serventia, não há uso para esses embriões.

Foi essa a chance que a lei teve de ser aprovada no Senado Federal. Muitos dizem: “Não é fácil, sou um apaixonado pela vida, sou apaixonado pelo direito de uma pessoa lutar pela sua saúde, e vou defender”. Mas não é tão simples assim.

Tenho aqui a memória da legislação internacional em que também se pautou o trabalho do Senador Tasso Jereissati. Quando iniciamos a análise do trabalho, verificamos que as pesquisas começaram em 1940; hoje já há incubadora de óvulos que vão ser colocados em amadurecimento para implantação, aplicação em citoplasma humano de espermatozóides para geração de embrião.

O que a lei diz no Canadá? Que está proibida a clonagem, está proibida a venda de sêmen, está proibida a barriga de aluguel. Isso no Canadá, Estado com marco civilizatório avançado. Nos Estados Unidos, nove estados têm legislação sobre a matéria, todos banindo a clonagem reprodutiva e abrindo algumas exceções, como Califórnia e Nova Jersey, que a permitem em algumas condições. A França, que é um Estado avançado, até 2004 estabeleceu como regra para o estudo das células-tronco a decisão de uma comissão nacional de bioética que regulasse a matéria. Nem em lei a França queria que fosse tratada essa matéria, porque é um assunto difícil. Em 2004, aprovou em lei e estabeleceu que deveria haver, podendo ser utilizados pelo prazo de cinco anos, os embriões excedentes. Mas lá também, um País avançado civilizatoriamente, não se diz que é fácil fabricar embrião para ter consumo embrionário para servir supostamente à ciência.

Então, é um debate difícil em todo canto. O Reino Unido travou sérias restrições e estabeleceu que, desde que aprovada pela agência nacional que regulamenta a matéria, não aceitando a criação de embriões para fins de pesquisa. Apenas a Holanda, a Finlândia, a Suécia e a Coréia do Sul estão aceitando a produção de embriões e seu uso com restrições sobre células-tronco.

A Espanha está de porta fechada para esse debate; a Itália é muito restritiva. Então, é um debate que não é fácil. Aqueles que querem trazer o simplismo para esse debate, achar que é apenas um passo a favor da vida, estão enganados.

O Senador Tasso Jereissati teve o cuidado de ouvir a comunidade científica, as suas necessidades, de ouvir técnicos, setores da religião e disse: “Pois bem, o impasse é esse: temos um embrião que está indo para o lixo; está sendo jogado fora porque não tem mais o que fazer por ele. Então, que nos permitam o direito desses embriões servirem à ciência, o que daria para atender em mais de cinco anos, pelo menos”. E seria o suficiente, porque o estudo com células-tronco embrionárias, células-tronco de adultos está avançando e sendo possível para uso.

São milhões e milhões de seres humanos neste Planeta que querem uma resposta, uma saída para esse impasse. Só lamento que o debate que está sendo travado hoje no Supremo Tribunal Federal seja muito mais um debate de mérito do que de constitucionalidade. Portanto, ele não deveria ser decidido no Supremo. Deveríamos ter uma comissão nacional com autoridade que representasse as igrejas - católica, evangélica, todas elas -, as academias de ciências, o poder jurídico, o Poder Legislativo. Seria uma comissão nacional de bioética, não um Comitê de Bioética como é hoje, vindo desde 1996, mas que pudesse ser representativo de todo o horizonte e todo o pensamento plural da sociedade e achasse uma determinante.

Acho que o trabalho do Senador Tasso Jereissati abriu a chance de uma única oportunidade no difícil espaço de bioética, de religiosidade e juridicidade, para que encontrássemos uma saída. Devemos valorizar esse momento. Espero que o Supremo assim o faça.

Concedo a palavra ao Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Tião Viana, agradeço a generosidade de V. Exª por me atribuir o mérito dessa emenda. Na verdade, somente um caráter como o de V. Exª faria isso dessa maneira, porque essa emenda é nossa, nós a construímos juntos. Para ser justo, a minha emenda inicial tinha defeitos que necessitavam ser corrigidos, pois ela precisava dar todas as garantias necessárias para que os princípios éticos fundamentais que regem a sua vida, a minha vida, fossem respeitados. E, graças ao trabalho de V. Exª, não só como pesquisador, mas também como homem ligado à Igreja e religioso que é, conseguimos colocar na minha emenda o aperfeiçoamento necessário para que todos esses princípios fossem respeitados. É importante lembrar que fizemos aqui - e isso está sendo um pouco esquecido hoje - um imenso debate congregando todas as correntes da sociedade, religiosas e científicas, uma discussão gigantesca para que chegássemos a essa redação da emenda. Repito aqui: com uma participação, eu não diria indispensável, mas fundamental, essencial de V. Exª na construção dessa emenda. Eu assisti, agora, pela televisão, o julgamento do Supremo, Senador Tião Viana, e eu me lembrava do trabalho, das discussões que realizávamos juntos lá no seu gabinete. E foi até com certo orgulho, no bom sentido - lembrando-me muito desse trabalho - que vi todos aqueles juristas usando os argumentos básicos que nós colocamos aqui, sem sermos, V. Exª e eu, juristas...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Senador Tião Viana, eu apenas gostaria de saber de quantos minutos V. Exª precisa, porque já concedi duas prorrogações.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Apenas para os apartes, Sr. Presidente. Se V. Exª puder conceder mais cinco minutos?

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Mais cinco minutos, então. É que o assunto é tão emocionante.

Desculpe, Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Vimos juristas levando para a discussão exatamente os conceitos básicos que usamos aqui para construir a nossa emenda. Portanto, eu gostaria de, mais uma vez, agradecer a generosidade de V. Exª e dizer que V. Exª está de parabéns porque, sem a sua contribuição essencial, essa emenda não teria chegado com a grandeza e consistência que apresenta à discussão.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª, que foi o estabilizador de uma disputa intensa da sociedade, encontrando a equação legal para permitir o art. 5º da nossa Lei Nacional de Biossegurança.

            Eu procurei, Senadores, a CNBB e propus a instalação da Comissão Nacional de Bioética para que ela representasse as igrejas, para que representasse o pensamento jurídico, o pensamento legislativo, o pensamento científico brasileiro, o pensamento dos usuários dos sistemas e também dos doentes nessa situação. Ela acenou com sensibilidade e apoio. Procurei a Presidência da República, que também acenou com sensibilidade e apoio. Mas até hoje ela não se constituiu. E nós estamos tendo uma decisão difícil.

Eu pessoalmente acho que os nossos juízes da Suprema Corte não entendem um debate de mérito dessa natureza. Mas vão decidir pelo mérito, não vão decidir pela constitucionalidade.

            E acho que, se não fosse essa saída que o Senador Tasso Jereissati, ouvindo os segmentos, encontrou - e eu pude ajudar -, nós não estaríamos com chance de achar uma solução tampão, eu diria, porque, em cinco anos, não devemos ter mais embriões descartáveis. E o grave, Senador Tuma, é que, nesse debate...Pois não.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Eu só queria dar uma sugestão, se V.Exª permitisse: que as notas taquigráficas fossem encaminhadas ao Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com imenso prazer e muita honra.

Ouço os apartes do Senador Marcelo Crivella, do Senador Mão Santa e do Senador Flávio Arns, que também teve a enorme responsabilidade de expressar suas convicções que, como as minhas e as do Senador Tasso Jereissati, em termos de religiosidade, são grandes. De fé, as minhas não são tão grandes quanto as dele talvez, embora eu tente pegá-lo nessa caminhada de fé.

            Senador Marcelo Crivella.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Tião Viana, a construção que nós fizemos no Senado Federal foi tão importante que, na Câmara dos Deputados, a Bancada evangélica votou contrária. Quando a lei saiu daqui e voltou para a Câmara, teve o voto e o apoio de todos eles, unanimemente. Eu acho que, pela entrevista que eu vi do Ministro Carlos Ayres, ele vai deter-se aos aspectos jurídicos dessa questão, embora, segundo os jornais de hoje, ele tenha mergulhado durante o recesso na filosofia, nas religiões - no mérito. Mas hoje o que disse é que, para seu voto, iria deter-se apenas nos aspectos jurídicos. Como V. Exª tocou no aspecto religioso, acho que a construção que nós fizemos aqui não foge do âmago de todo o princípio religioso, que é o amor. Aliás, Deus se define com isso. Quer dizer, nós não podemos achar que Deus, sendo amor, estaria contra o ato humanitário de se aproveitar embriões que serão jogados no lixo para pesquisa que possam tornar produtiva, por exemplo, a vida daquele que hoje é cadeirante ou tetraplégico. Então, V. Exª tenha a consciência tranqüila de que esta Casa, nessa matéria, cumpriu um papel extraordinário para a sociedade brasileira e espero que o Supremo Tribunal Federal não mude. Parabéns a V. Exª!

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Ex.

Ouço o Senador Mão Santa e, em seguida, o Senador Flávio Arns.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Tião Viana, V. Exª, neste momento, é muito importante porque é professor universitário de doenças infectocontagiosas respeitado em Brasília e no País. E eu também, modéstia à parte, posso dizer que fui Professor de Biologia, de Fisiologia. O mundo da ciência sempre foi assim e, como cirurgião, sabemos como sofreram aqueles cirurgiões que buscavam pesquisar o corpo humano. Se abrissem uma caixa de tórax, eram vítimas de excomunhão. O mundo ficava só esperando. E aqueles que acreditaram no estudo e no trabalho é que mudaram o mundo e fizeram vir o Renascimento. E este é um momento desses, mas um dos momentos mais felizes de responsabilidade deste Senado. Lembro aqui o Senador Juvêncio da Fonseca, um dos responsáveis por esta lei. Foi o Relator. Conversou muito comigo e lhe sugeri que buscasse os melhores pesquisadores e cientistas do País, porque isso não era assunto para leigo. E ele os trouxe. Participei da audiência pública. Então, essa é uma lei da ciência, do saber. E, se nós não evoluirmos, os outros países vão evoluir. Nós vamos ficar no atraso, no recesso e talvez no futuro não tenhamos recursos para pagar a ciência de outros países.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª.

Senador Flávio Arns, Senador Delcídio Amaral, Senador Valadares, Senador Osmar Dias e Senador Valter Pereira.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. DEM - SP) - Eu só pediria que fossem rápidos nos apartes, por favor.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - Senador Tião Viana, eu só quero destacar, para efeitos do debate, que, quando da aprovação do Projeto de Lei aqui no Senado, eu, assim com a Senadora Heloísa Helena, votamos contra o projeto de lei - foram os únicos dois votos contrários - com um conjunto de argumentos que eu considero ainda válidos hoje em dia, particularmente no sentido de que nós não estamos falando de religião. Nós estamos falando da lei, da nossa lei, que diz que a vida começa na concepção e que dignidade e vida são asseguradas a partir da concepção. Então, foram nesse sentido os argumentos. Diz-se que os embriões são inviáveis. Ninguém tem condição de dizer se um embrião é inviável ou não. Dizer que, depois de três anos, joga-se no lixo o embrião, é a mesma coisa que dizer que a vida humana está sendo jogada no lixo depois de três anos. Também o médico deveria estar sendo processado, caso fizesse isso. Os médicos têm autorização para produzirem três ou quatro embriões e acabam produzindo 15, 17, 18 embriões em um ato de irresponsabilidade. Não existe nenhuma pesquisa no mundo - nenhuma pesquisa no mundo! - que indique algum tipo de sucesso com células-tronco embrionárias. Mas existe muito sucesso para cerca de setenta doenças com a utilização de células-tronco adultas. Inclusive os pesquisadores, em muitos países do mundo, dizem que as células-tronco adultas têm muito mais possibilidade de sucesso, muito mais possibilidade de se transformarem em qualquer tecido do corpo para a cura de doenças neurodegenerativas, ou paraplegia, ou tetraplegia, Alzheimer, ou qualquer doença nessa natureza. Então, eu considero um debate em que a verdade nem sempre está sendo exposta de maneira convincente e adequada. Eu trabalho muito na área social, inclusive de pessoas com deficiência. E, infelizmente, vejo que há pessoas achando que, com a autorização da pesquisa de células-tronco embrionária, vai-se ter a solução - e as próprias palavras do Ministro da Saúde são nesse sentido - para os problemas. O que também não é verdade, porque, na Inglaterra, existem bancos de células-tronco embrionárias há muitos anos e não se chegou a qualquer conclusão; ao contrário do que ocorre em relação a células-tronco adultas. Sabemos que a discussão é grande, é polêmica, como V. Exª colocou, foi polêmica naquela época e continua sendo polêmica hoje em dia, mas ateus, que não professam qualquer religião, dizem, claramente, que essa discussão não deveria ser religiosa; deveria ser no sentido de se valorizar ou não a vida. E a vida começa na concepção. Então, toda essa discussão ética tem de ser levada em conta na expressão de toda a verdade que cerca um assunto tão complexo e que mexe com a sensibilidade, sem dúvida alguma, de tantas pessoas que esperam solução para seus problemas. Quero parabenizar V. Exª, sempre muito claro nos argumentos, assim como o Senador Tasso Jereissati, mas é um assunto que merece uma reflexão muito maior, com os argumentos todos sendo apresentados para a sociedade. Obrigado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço muito a V. Exª, que sempre trata com muito respeito matérias que tenham relação com seu mandato, mas não vou tapar o sol com a peneira, como se diz, Senador Flávio Arns. V. Exª é sabedor de que, na terapêutica reprodutiva embrionária que se usa hoje, de quatro ou cinco embriões, apenas um ou dois são viáveis; os outros vão para a descarga do banheiro depois. Isso ocorre todo dia nas clínicas de formação de embrião neste País.

Sabemos que não havia lei, que não havia norma legal dizendo o que fazer com os embriões congelados, até que votamos uma proposta legislativa da qual eu fui relator, depois do Senador Requião e do Senador Lúcio Alcântara o terem sido. Eu restringi para dois embriões por fecundação, no máximo, dizendo que não era justo jogar embrião no lixo. Sempre tapamos o sol com a peneira nisso aí. Pode visitar uma clínica de embriões para ver o que eles fazem com embriões velhos. Eles vão dizer a V. Exª que os estão jogando no lixo. Foi somente a partir desse ponto que nós tratamos, num divisor de águas, dizendo que em vez do descarte deveria ter o seu uso a favor da ciência. E a comunidade científica disse que, dessa forma, aceitaria porque atende a uma transição, pois daqui a alguns anos, não haveria embriões a serem descartados, porque hoje não se pode mais armazenar embriões. Não temos mais como armazenar sem o uso para a reprodução assistida.

Esse debate foi o que nos separou. Foi pouca coisa. Mas eu tenho os olhos para a verdade, que é essa, e V. Exª tem outra informação, distorcida, na minha opinião, de que não se joga embrião fora. Estão jogando toda semana, nas clínicas de reprodução, porque dizem que, de quatro ou cinco, número considerado ideal pelos que trabalham com fertilização, apenas dois se tornam viáveis.

Quando há um acidente, aparecem quíntuplos. Lembram-se do caso das sete crianças cuja gestação a mãe levou a termo? Eles sabem que, quando implantam sete, dois ficam viáveis. Isso está no dia-a-dia. E eu não vou tapar o sol com a peneira.

Por isso, defendemos esse argumento de ordem legal, preservando o direito dos embriões, que já estavam congelados e a lei não dizia o que fazer com eles, para que, ao invés de serem descartados, pudessem ser usados. Foi somente aí o nosso ponto de separação.

No mais, não nego que há princípios religiosos, científicos, jurídicos, filosóficos e éticos envolvidos nessa questão. O Dr. Cláudio Fonteles está debatendo por princípios religiosos, sendo que um deles, fundamental, é a defesa intransigente da vida. Nisso concordo com ele. E sei que esse é o pensamento de V. Exª.

Concedo um aparte aos Senadores Antonio Carlos Valadares, Delcídio Amaral e Osmar Dias.

Concedo a palavra ao Senador Delcídio Amaral, pois o Senador Antonio Carlos Valadares está ocupado.

O Sr. Delcídio Amaral (Bloco/PT - MS) - Senador Tião Viana, primeiro, mais uma vez, quero parabenizá-lo pelo discurso e pelo posicionamento. Eu estava conversando com o Senador Valter Pereira e dizendo que se trata de um dos discursos mais importantes desta tarde, inegavelmente, pois trata de um tema de extrema relevância para o País, um tema delicado. Quero, mais do que nunca, registrar o trabalho que V. Exª desempenhou, assim como o trabalho do Senador Tasso Jereissati. Ressalto a maneira como esse processo foi conduzido no Senado. Trata-se de um assunto delicadíssimo, que foi abordado com extremo cuidado, paciência, tolerância e espírito público, além de um espírito pessoal, um espírito de preocupação com a vida. Concordo plenamente com V. Exª que aquilo que está sendo questionado é uma discussão de caráter religioso e não uma discussão que analisa, acima de tudo, a vida, com as ressalvas e as ponderações que V. Exª repetiu por algumas vezes. Portanto, para mim, foi um tremendo avanço a Lei de Biossegurança, uma das leis mais importantes votadas pelo Senado Federal, e V. Exª teve um papel fundamental. Espero que venhamos a manter todo aquele trabalho desenvolvido, acima de tudo, para a garantia de pessoas que precisam da tecnologia e dessa lei para continuar vivendo e trabalhando pelo bem do Brasil. Parabéns a V. Exª, Senador Tião Viana, que está sempre brilhando no plenário deste Senado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT- AC) - Muito obrigado a V. Exª, que é um companheiro e um grande debatedor dos temas de interesse do País.

Concedo um aparte ao Senador Osmar Dias, ao Senador Antonio Carlos Valadares, ao Senador Valter Pereira e ao Senador Eduardo Suplicy, com anuência do Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Bloco/PTB - SP) - Eu pediria que, depois, V. Exª não concedesse mais apartes.

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - Senador Tião Viana, quero também cumprimentá-lo não apenas pelo pronunciamento desta tarde, mas pelo papel que desempenhou, que relembro agora. Esse projeto chegou da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2005 e ficou parado no Senado até agosto de 2005. Eu, como Presidente da Comissão de Educação, avoquei o projeto - ele não passaria por lá - para relatá-lo naquela Comissão. Não podemos nos esquecer, Senador Tião Viana, da Senadora Lúcia Vânia. O tempo passa e podemos cometer esquecimentos. V. Exª concorda comigo que ela teve também uma participação valiosa para que construíssemos meu relatório. O relatório que apresentei inicialmente admitia a pesquisa com células embrionárias, mas sem fixar aqueles critérios - congeladas antes do quinto dia de vida e com três anos de congelamento -, porque aquelas células embrionárias - mudamos, inclusive, a terminologia - não poderiam ser, segundo a ciência, consideradas ainda embrião. Nós explicamos isso em nosso relatório, que, depois, se tornou um substitutivo do Plenário, englobando três Comissões. Então, tive o auxílio de V. Exª, que é um especialista, do Senador Tasso Jereissati e da Senadora Lúcia Vânia, que me propuseram uma mudança substancial no relatório que eu tinha apresentado inicialmente. E eu quero agradecer a V. Exª, porque ele ficou correto da forma que V. Exª propôs. A forma que eu estava propondo era realmente radical. E eu quero também, só para encerrar, dizer que houve, naquele momento, contatos e conversas entre o Senador Tasso Jereissati, a Senadora Lúcia Vânia...

            O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP. Fazendo soar a campainha.) - Senador, V. Exª me dá licença? Eu queria fazer um apelo.

            O Senador Antonio Carlos está reclamando, porque ele está esperando há muito tempo. Então, eu pediria urgência, porque eu não vou deixá-lo cancelar sua inscrição por revolta contra o uso do tempo mais do que o regimental.

Desculpe-me interrompê-lo, é apenas para fazer um apelo: que ele tenha só mais um minuto de paciência, pois em seguida darei o aparte a ele.

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - O meu aparte é bem curtinho, já vou encerrar. Quero dizer que o Senador Tasso Jereissati, a Senadora Lúcia Vânia e o Senador Tião Viana conversaram com membros das diversas religiões. Estiveram conversando com vários representantes de igrejas, e essa solução não foi encontrada só no Senado, mas conversando com a sociedade brasileira. Por isso, eu espero...

(Interrupção do som.)

O Sr. Osmar Dias (PDT - PR) - ...salvar vidas, Senador Tião Viana. E essa lei é uma lei que pode salvar muitas vidas.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, que traz à memória da Casa algo que já tinha passado. Faz tempo que nós tratamos dessa matéria e foi a emenda do Senador Tasso Jereissati que mediou toda essa evolução, que passou, sim, pela Comissão de V. Exª, que teve esse trabalho exaustivo. É um ato de justiça esse reconhecimento.

            Peço desculpas ao Senador Antonio Carlos Júnior.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PTB - SP) - Senador Tião, se V. Exª puder cancelar...

Agradeço e peço desculpas também.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Já cancelo e peço desculpas pelo excesso do tempo e dos apartes da Casa.

Muito obrigado, Sr. Presidente. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/2008 - Página 4567