Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da liberação do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas com finalidade terapêutica, quando faz comentários à ação direta de inconstitucionalidade em julgamento no Supremo Tribunal Federal que contesta a autorização dada pela Lei de Biossegurança.

Autor
Augusto Botelho (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Defesa da liberação do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas com finalidade terapêutica, quando faz comentários à ação direta de inconstitucionalidade em julgamento no Supremo Tribunal Federal que contesta a autorização dada pela Lei de Biossegurança.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2008 - Página 5066
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, UTILIZAÇÃO, PARTE, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO, VISTA, MINISTRO, ADIAMENTO, DECISÃO.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PESQUISA CIENTIFICA, GENETICA, ESPECIFICAÇÃO, EMBRIÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, DOENÇA INCURAVEL, REGISTRO, LEGISLAÇÃO, ETICA, PROTEÇÃO, VIDA HUMANA, APREENSÃO, PARALISAÇÃO, PESQUISA, MOTIVO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, EXPECTATIVA, URGENCIA, DECISÃO, JUDICIARIO, COMENTARIO, POSIÇÃO, IGREJA CATOLICA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última semana, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade que contesta a autorização dada pela Lei de Biossegurança, votada e aprovada pelo Congresso Nacional, do uso de embriões congelados em laboratórios para pesquisas científicas. A lei é bem clara: embriões congelados há mais de três anos.

            O relator da ação direta de inconstitucionalidade, Ministro Carlos Ayres Britto, apresentou voto a favor da liberação desses estudos, bem como a Presidente da Corte, a Ministra Ellen Gracie.

            Porém, o julgamento foi suspenso por um pedido de vistas do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Por isso, o caso ficará fora da pauta de votação do STF por até trinta dias, quando voltará para a fila das matérias a serem apreciadas.

            Srªs e Srs. Senadores, como médico e Senador por Roraima, quero deixar registrado que a pesquisa com células-tronco embrionárias representa uma esperança de cura e de vida para vários portadores de doenças neurodegenerativas e incapacitantes.

            No programa Fantástico dos dois últimos finais de semana, foi mostrado um menino, um pequeno gênio da matemática, que é portador de uma dessas doenças para as quais a ciência só vai achar solução depois que desenvolver e passar a conhecer a utilização de células-tronco embrionárias.

            Essa aplicação representa a possibilidade de se encontrar cura para várias doenças como Mal de Parkinson, diabetes e lesões de medula ou nervos. Lesões de medula são aquelas que geralmente ocorrem após acidentes e que deixam as pessoas paralíticas: paralíticas das duas pernas, de um membro só ou de todos os membros. Para essas pessoas, com o conhecimento da ciência atual, não temos nenhuma solução ou proposta de cura ou de tratamento. A esperança delas reside justamente no desenvolvimento do conhecimento das células-tronco embrionárias.

            A célula-tronco embrionária pode se transformar em mais de 216 tipos de tecidos, enquanto as células-tronco adultas podem se transformar apenas em alguns tipos de tecidos. Por isso, as células-tronco embrionárias têm de ser estudadas, têm de ser utilizadas.

            Vários países, como Austrália, Estados Unidos, China, Inglaterra, Japão e Israel, já autorizaram o uso de embriões em pesquisas. Academias de Ciência de 65 outros países também já fizeram o mesmo.

            Lembro que os embriões que os cientistas brasileiros irão usar são embriões que já estão há mais de três anos congelados. Não se pode usar nenhum embrião com menos tempo de congelamento do que esse período. E, para utilizá-lo, há de haver autorização também dos pais biológicos daquele embrião.

            Os embriões que estão guardados nos bancos das clínicas de fertilização não têm mais chances de utilização. Geralmente, quando a pessoa faz uma fertilização e consegue ter um filho ou dois, fica satisfeita. Os outros embriões ficam lá guardados e não terão nenhuma utilidade, a não ser para experiências na tentativa de se encontrar tratamento para muitas doenças.

            Vim hoje à tribuna do Senado para dizer que em nosso País temos mais de cinqüenta pesquisas, que testariam o potencial das células-tronco, paralisadas por conta dessa ação de inconstitucionalidade. Estamos andando para trás, Sr. Presidente, Senador Gim Argello. Dessa forma, estamos andando para trás; estamos perdendo a chance de oferecer cura a brasileiros que sofrem de doenças como, por exemplo, a esclerose. Crianças acometidas da forma mais grave de esclerose não chegam a viver dois anos. Só um pai que tem um filho com esclerose é que sabe da gravidade da doença, ou os parentes que conhecem a criança.

            Se o Supremo Tribunal Federal não decidir a favor da pesquisa com células-tronco embrionárias, a ciência brasileira vai retroceder e não poderemos oferecer cura aos mais necessitados no Brasil. Os que têm recursos poderão viajar, pegar um avião para a Inglaterra, o Japão, Israel, onde há tratamento. Mas, nós, a maioria dos brasileiros, que não temos condições de fazer isso, vamos continuar com as patologias que surgirem nas nossas famílias. Os brasileiros ricos irão buscar essa chance nos outros países; os que não tiverem recursos para pagar ficarão doentes e morrerão se tiverem doenças letais.

            Sr. Presidente Gim Argello, Sr. Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, proibir as pesquisas com células-tronco embrionárias significa continuar dando aos embriões excedentes nas clínicas de fertilização o único destino que está previsto para eles: serem descartados ou serem jogados no lixo.

            Permitir a pesquisa com células-tronco enseja a discussão sobre a vida, sobre dispor da vida. É um ser vivo; ele tem vida. Mas a família tem de autorizar, como autoriza a doação de qualquer órgão. Quando a pessoa tem morte cerebral em uma UTI, a família pode doar os órgãos, o coração, os pulmões, a pele, todos os tecidos daquela pessoa. Esses embriões congelados estão numa situação parecida com a desses pacientes que estão nas UTIs e que não têm chances de viver.

            Então, temos de fazer com que prevaleça a disposição legal no sentido de permitir que sejam feitas pesquisas com células-tronco e, assim, dar esperança para essas pessoas.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, permita-me V. Exª um aparte?

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Com prazer, ouço o aparte do Senador Mão Santa, médico, experiente cirurgião, que fez muito bem às pessoas do seu Estado, o Piauí.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, esse assunto foi debatido muito aqui, e o Senado viveu um de seus grandes dias, fazendo uma lei boa e justa. Esta Casa tem meia dúzia de médicos. Fui professor de Biologia, de Fisiologia, de Genética. Procurado por aqueles que eram os relatores na Comissão de Assuntos Sociais, aqueles que estavam ligados ao assunto na Subcomissão de Saúde, sugeri que convidássemos os melhores cientistas do País. E eles foram convidados e aqui estiveram em audiência pública. Se há uma lei boa e justa, é esta. No entanto, a ignorância é audaciosa. Sócrates, que começou o mundo civilizado, define esta situação hoje - e quis Deus que assumisse agora a Presidência o Senador Garibaldi Alves Filho. Sócrates já dizia: “Só há um grande bem: o saber; só há um grande mal: a ignorância“. E o mundo foi arredio à pesquisa. Na época medieval, esperava-se tudo de Deus. Então, uma juventude rebelde na história do mundo, justamente na época que antecedeu o descobrimento do Brasil, lá pelos anos de 1400, liderada por Leonardo da Vinci, talvez a maior inteligência da história da humanidade, Michelangelo, Rafael, Dante Alighieri, Maquiavel, na política, mudou, mostrando que, no mundo, precisávamos estudar e trabalhar. Aí é que evoluímos. Chamaram essa época de Renascimento. Nós, que somos médicos - eu sou médico-cirurgião -, estudando aqueles que nos antecederam, vemos como sofreram. A Igreja os condenava, os excomungava. Estudar a anatomia do corpo humano era um sacrilégio; era motivo de excomungação. Abrir um tórax?! O tórax era sagrado, não podia. Hoje, vemos que se tira o coração de um e se dá a outro, restituindo-lhe a vida. Sempre houve essas dificuldades. Então, isso é a ciência... Isso é fruto do divino Espírito Santo, baixando na cabeça dos humanos. Se o nosso País não a buscar, os outros vão buscá-la. Depois, não vamos ter nem dinheiro para pagar esses benefícios que a pesquisa e a ciência trazem. Então, aquela lei foi elaborada como devia, fruto da exaustão e da competência dos debates realizados aqui. Por esta Casa passaram os maiores cientistas e chegamos àquela conclusão, dentro da ciência, para, com responsabilidade, servir ao mundo. Então, só temos de aplaudir aqueles que se debruçaram para elaborar a lei e aplaudir este momento de grandeza do Senado da República. Evidentemente que, numa democracia, há essa tripartição do poder. O outro Poder foi chamado a opinar, e a democracia vive da eqüipotência dos poderes, um freando o outro, como nós temos de estar atentos às mazelas do Poder Executivo ou do próprio Judiciário. Então, isso é normal na democracia. Mas nós, que nascemos para servir o povo - democracia é isto -, jamais poderemos frear a pesquisa, a ciência, que vem em benefício da humanidade. V. Exª, então, receba os nossos cumprimentos. Por isso que digo que este Senado é grandioso. Este é o primeiro Senado, Presidente Gim Argello - que tem uma trajetória política, brava e brilhante, sendo Cirineu de um dos maiores homens da política na história deste Brasil, que é o Roriz. Costumo dizer que Deus fez o mundo, mas Juscelino e Roriz fizeram Brasília. Então, ele está ali simbolizando essa força. Na política é assim: Winston Churchill disse que a política é como a guerra, com a diferença de que, na guerra, a gente só morre uma vez; na política, várias vezes. Todo mundo viu que Winston Churchill tombou. Depois ele ressurgiu. Todo mundo viu que Charles De Gaulle tombou. Getúlio Vargas, Perón e assim se sucede. Então, enganam-se aqueles. Roriz saiu daqui dessa cadeira, mas ninguém o tira do coração dos pobres de Brasília, do Piauí e do Brasil todo. Então, quero dizer que este Senado é um dos melhores da história. Ô, Gim Argello, no primeiro Senado da República eram 42 brasileiros e uns portugueses. Vinte e dois eram da área do Direito, os magistrados. Desde então eles fazem leis boas para eles. Olhe o nível salarial deles e o dos outros! O Senado tinha dez militares, Duque de Caxias etc. Tinha sete da Igreja, como o Padre Feijó. E tinha só dois médicos. Hoje somos mais de seis aqui, mostrando que houve essa evolução, essa crença. E V. Exª é um deles, que representa, com grandeza, a classe médica. Entendo que a ciência médica é a mais humana das ciências e que o médico é o grande benfeitor da Humanidade. V. Exª traduz essa grandeza.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (Bloco/PT - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Devo afirmar que sou católico e que a minha religião permite que sejam doados os órgãos de uma pessoa que está na UTI com morte cerebral.

            Até os nossos conhecimentos atuais, esses embriões que estão congelados nas clínicas, que estão no máximo com dez, doze dias de evolução, não têm atividade cerebral, não têm sequer células nervosas; as células não se diferenciaram ainda.

            Creio que a minha religião, numa oportunidade mais à frente, vai permitir, vai mudar a posição que atualmente tem com relação aos embriões.

            Temos de analisar bem e chegar às conclusões, porque essas pesquisas trarão enormes benefícios às pessoas doentes. A vida dessas pessoas é limitada pela própria doença; a sua capacidade de locomoção e de viverem sozinhos é limitada, podendo ocorrer acidentes, como acidentes de trânsito, muitos deles relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas, outro problema grave em nosso País.

            Então, reafirmo que o Supremo não pode tirar a esperança dessas pessoas. Há que se permitir que haja pesquisas com células-tronco embrionárias, de embriões que já estão congelados há mais de três anos e com autorização dos pais. É como se fosse doação de um órgão de um parente nosso que está com morte cerebral.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2008 - Página 5066