Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos oitenta anos de fundação do jornal O Povo.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos oitenta anos de fundação do jornal O Povo.
Aparteantes
Heráclito Fortes, José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2008 - Página 5099
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, O POVO, ESTADO DO CEARA (CE), SAUDAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, IMPRENSA, BRASIL, BUSCA, EXERCICIO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DEMOCRACIA, ELOGIO, COLABORAÇÃO, JORNALISTA.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, querida amiga e companheira Senadora Patrícia Sabóia, que muito nos honra pela convivência aqui no Senado Federal; quero cumprimentar o jornalista Demócrito Dummar, Presidente do jornal O Povo; Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, há pouco, estávamos aqui com dois ilustres cearenses que, em razão de atividades, tiveram que se ausentar: o Ministro Ubiratan e o Ministro César Asfor; cumprimento também meus conterrâneos cearenses aqui presentes e, em especial, os jornalistas integrantes do jornal O Povo.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ilustres convidados e homenageados nesta tarde, somos uma Nação singular, em que o autoritarismo, a autocracia, a repressão e a ditadura nunca deixaram de se alternar com os períodos de democracia, de liberdade e de livre expressão do pensamento.

            Essa singularidade talvez explique o fato de que, no Brasil, tivemos jornalismo e jornalistas antes de termos imprensa. Hipólito José da Costa e seu Correio Braziliense, ou Armazém Literário, impresso em Londres, é fruto dessa aberração, produto do obscurantismo que, durante mais de três séculos de domínio colonial, proibiu no Brasil a existência de prelos e livros. Não foi sem razão, portanto, que o primeiro prelo adquirido em Londres para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra de Portugal tenha chegado ao País em 1808, na bagagem da Família Real, embarcado por ordem do Conde da Barca, aqui servindo para a instalação da Imprensa Régia no dia 13 de maio. O decreto do Príncipe Regente consignava que na repartição a seu real serviço “se possam imprimir todas e quaisquer obras”, o que fazia supor a liberdade de expressão que aqui nunca existira. Nas Instruções, de onze dias depois, porém, criando a Junta Diretora da Imprensa Régia, dava-se a esta a “incumbência de examinar papéis e livros que se mandassem publicar e de fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o Governo e os bons costumes”.

            Os jornalistas, os artistas, os intelectuais e os escritores cedo tiveram que se habituar com essas expressões que se tornaram reincidentes, reiterativas e sempre lembradas nos momentos vividos sob as trevas da reação, do obscurantismo e da repressão que sempre permearam nossa evolução histórica.

            Por isso mesmo, a história da imprensa no Brasil é uma saga de desafios de toda ordem, de obstáculos de toda natureza e de riscos de todas as origens.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Com o maior prazer, Senador Heráclito.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Em primeiro lugar, eu quero pedir desculpas por estar interrompendo V. Exª. Ocorre que eu tenho que receber agora o Embaixador da Espanha, que vai nos fazer uma visita na Comissão, mas não sairia completo deste plenário se a generosidade da Senadora Patrícia não me permitisse este aparte, e V. Exª entende muito bem por quê. Embora Senador pelo Acre, na realidade, V. Exª é cearense. Eu sou piauiense; vivo da confusão geográfica promovida pela Iracema e depois confirmada, no Império, pela Zona do Contestado, que nos separa um pouco do Ceará. Foi uma troca que fizemos para ter direito ao mar e que ninguém contesta. Está lá como testemunha da história. Quero dizer que, nessa caminhada de fusão de sentimentos entre cearenses e piauienses, fui muito beneficiado pelo Diário do Povo, ou melhor, pelo jornal O Povo no começo da minha vida. O Diário do Povo é um jornal do Piauí inspirado no original O Povo. Quando comecei a minha vida pública, estávamos no regime da ditadura, Senadora Patrícia. Os jornais de caráter nacional eram censurados. No Piauí, tínhamos uma subditadura em que também se censuravam os jornais estaduais, o que era algo terrível. Só saía notícia boa do poder dominante; as ruins, infelizmente, saíam para quem estava fora do poder. Surgiu então uma oportunidade salvadora e salvaguarda para quem fazia oposição naquela época. O jornal O Povo instalou uma sucursal em Teresina. Fernando César Mesquita está aqui e sabe bem o que isso representava naquele momento. Conseguimos mostrar o que a oposição pensava por intermédio de um representante da sucursal. Durante algum tempo, por incrível que pareça, em Teresina, o jornal O Povo chegava a ser mais vendido do que os jornais locais. Isso foi um começo; a sucursal lá demorou algum tempo. Mais uma vez, não só o jornal O Povo, mas o jornalismo cearense me perseguem. Vim para Brasília e aqui reinava absolutamente o que chamávamos de “ciclo da jangada”, que eram os jornalistas cearenses - está aqui o Fernando César, vi o Marcone, os irmãos Hollanda, vários - que saíram do Ceará com uma experiência fantástica na redação do jornal O Povo e deram verdadeiro show de jornalismo em Brasília. Mandavam em tudo, eram presidentes dos comitês, enfim, exerceram realmente o que chamamos de “ciclo da jangada”. Mas, para que eles chegassem aqui, foi preciso que tivessem uma escola, que tivessem aprendido a fazer bom jornalismo, que tivessem tido o desenvolvimento da profissão. Daí por que esta homenagem aos 80 anos do jornal O Povo transcende a simples formalidade e a mera comemoração. Ela tem um sentido, pelo menos para nós nordestinos e particularmente para mim, piauiense, muito grande, porque foi aquela força que começou a quebrar os grilhões da ditadura na imprensa do meu Estado. Eu me lembro muito bem, Fernando César. O Sebastião Nery, naquela época, fazia uma série de reportagens sobre sucessão e fazia previsões. A previsão do Piauí foi destruidora para o sistema dominante, e só tivemos oportunidade de ler porque o jornal O Povo publicou. São essas e outras passagens e outros episódios, meu caro Demócrito, que me fazem estar aqui embotando o pronunciamento do meu colega Senador Geraldo Mesquita. Faço isso menos como Parlamentar e mais como cidadão num momento como este em que novamente, sem nenhuma razão de ser, a imprensa começa a ser contestada, os jornalistas começam a viver um período de ameaça e, por estranho que pareça, em plena democracia. Espero que os 160 anos desse fabuloso jornal transcorram da mesma maneira que hoje, com motivo para comemorar. Muito obrigado. (Palmas.)

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Muito bem, Senador Heráclito! Seu depoimento enriquece sobremodo o meu modesto pronunciamento.

            Dando continuidade, eu vinha dizendo que a imprensa brasileira, que nasceu oficial, para se tornar livre teve que saciar a fome do poder com a vida dos seus mártires, a prisão de seus profissionais e as dificuldades do cerceamento econômico dos seus proprietários, sempre que persistiram em se manter livres da influência do poder e dos poderosos.

            Além disso, teve de enfrentar as freqüentes tentativas de se destinar recursos públicos para sustentar jornais, rádios e televisões oficiais, sob os mais absurdos pretextos e os mais falaciosos argumentos como se o rótulo de “público” pudesse disfarçar a verdadeira face oficial que por trás dessas tentativas se esconde.

            Por todas essas razões, Srª Presidente, é sempre com um sentimento de efusão que devemos comemorar momentos como estes, em que o Senado faz uma pausa em seus imensos desafios, para celebrar a existência de jornais como O Povo, do Ceará, na celebração de seus 80 aos de existência.

            Cada jornal independente e livre, cuja longevidade aqui exaltada como uma vitória da obstinação, da persistência, da coragem e da bravura de seus fundadores, dos seus redatores, dos seus profissionais e, sobretudo, dos seus leitores e anunciantes, significa um passo a mais que damos, na escalada em defesa da livre manifestação do pensamento, sempre ameaçada, tantas vezes amordaçada, mas também tantas vezes vitoriosa na luta pela democracia, pela legalidade e pela liberdade.

            Na esteira dessa longa e brilhante trajetória, num mar cheio de escolhos, sobreviver oitenta anos, mais que uma façanha, é o coroamento de uma epopéia. O Ceará, que tantas e tão relevantes contribuições deu e dá ao Brasil, não só no campo material, com sua potencialidade e suas riquezas, mas também e sobretudo na vida intelectual do País, merece os jornais que tem. E, com muito mais razão, merece a existência tão longa e tão rica de seu mais importante órgão de imprensa.

            Para mim, mais que um tributo, foi uma oportunidade ímpar e resultado de um impulso pessoal comovente subscrever o requerimento de nossa Colega Patrícia Saboya e seus demais Colegas de Bancada, os Senadores Tasso Jereissati e Inácio Arruda. Declino aqui, senhoras e senhores, a razão desse meu gesto de reconhecimento e carinho, pois uma parte importante da história de O Povo, contou com a participação como colaboradora e como ombudsman emérita, de uma personalidade da vida cearense que é muito cara à infinidade de amigos e alunos que granjeou como professora da Universidade Federal do Ceará, filósofa, escritora, jornalista, polígrafa e personalidade dotada de invejável cultura e de uma erudição que a todos encanta e já tão rara nos dias de hoje. Refiro-me à professora e jornalista Adísia Sá, cujos laços de parentesco são orgulho meu e de minha família.

            Com essa observação de caráter pessoal e afetivo, volto à rota de meu pronunciamento para dizer que um povo ilustrado necessita de livros, jornais e revistas, e também dos mais modernos recursos da mídia eletrônica. Uma democracia deles necessita com muito mais razão. O advento dos novos meios de comunicação, contudo, não podem dispensar, como jamais dispensarão, os jornais que fazem a crônica e a história de um povo e da nação a que pertencem e em razão da qual existem. Alguns jornais brasileiros, como de resto nos países de mais longa história e existência livre, mais que meios de informação, são verdadeiras instituições que desafiam o tempo, superam os obstáculos que periodicamente têm que enfrentar e se transformam em arautos do interesse nacional, em consciência coletiva de nosso povo e em sentinelas de nossas franquias e liberdades de cuja supressão são sempre as primeiras vítimas.

            Temos que entoar loas a órgãos de imprensa como O Povo, sim, hoje octogenário, à Folha de S.Paulo, em seus 88 anos de existência; a O Globo, nos seus 83 anos, e a O Estado de S. Paulo, atualmente decano da imprensa.

            O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - V. Exª me permite aparteá-lo?

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Com o maior prazer, Senador Sarney.

            O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Vou aproveitar a boa transgressão do Senador Heráclito Fortes, com o consentimento de V. Exª e da Presidente, para também associar-me às celebrações que são feitas no Ceará e em todo o nosso País pelos 80 anos do jornal O Povo, que sempre foi uma referência do bom jornalismo no Brasil e marcante, sobretudo no Nordeste, na defesa das grandes causas da região. Quero recordar também, neste instante, não só a pessoa do seu fundador como também a continuidade que foi dada por intermédio dos seus descendentes. Quero louvar Paulo Sarasate, que tanto se dedicava àquele jornal e esteve presente em suas folhas permanentemente; Albaniza Sarasate e, agora, pelo seu neto, Demócrito Rocha, que continua essa obra tão valiosa para o Ceará, como é o jornal O Povo. Portanto, eu queria só associar-me a essas alegrias e a essas celebrações.

            O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - O prazer é de todos nós, Senador José Sarney.

            Eu vinha exaltando aqui os jornais que ultrapassaram a barreira dos 80 anos e falava, por último, do nosso decano da imprensa, com seus 129 anos, sobrevivente de todos os atentados e de todas as ditaduras sob as quais viveu o Brasil, que é o jornal O Estado de S. Paulo.

            Não quero pecar por omissão e, por isso, deixo de aludir aos demais órgãos que são orgulho da imprensa regional, como é o caso de O Povo. Mas não podemos deixar de rememorar os que nessa luta caíram vítimas das ditaduras, do cerco econômico e da concorrência desleal, como foram o bravo e inesquecível Correio da Manhã, o Diário de Notícias, o Diário Carioca e os inúmeros jornais da antiga cadeia dos Diários Associados, de que o Correio Braziliense é um dos sobreviventes.

            O extraordinário repositório documental, que é a publicação comemorativa dos 80 anos de O Povo - trago um exemplar aqui comigo porque, em seguida, quero pedir ao Demócrito Dummar que o autografe para a biblioteca que temos lá no nosso Estado -, é bem o retrato, não de uma história, mas de uma epopéia de lutas, desafios e vitórias que contam a saga, a têmpera e as adversidades que fizeram do sonho de seu fundador, Demócrito Rocha, uma realidade sem cuja colaboração a história do Ceará seria mais pobre, embora não menos brilhante. Saúdo aquele pioneiro na pessoa do Dr. Demócrito Dummar, seu neto, presente nesta cerimônia, e que hoje preside o complexo O Povo. Ao reverenciar os que o fundaram, os que o sustentaram e os que alimentam esse sonho, faço votos de que continuem a engrandecer, como até agora, a imprensa do nosso País.

            Muito obrigado e meus parabéns sinceros ao jornal O Povo. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2008 - Página 5099