Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem póstuma ao Sr. Valentim dos Santos Diniz.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma ao Sr. Valentim dos Santos Diniz.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2008 - Página 6093
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EMPRESARIO, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, ATUAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FUNDADOR, GRUPO ECONOMICO, SUPERMERCADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, EX MINISTRO DE ESTADO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HOMENAGEM, EMPRESARIO, ANTERIORIDADE, DATA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ELOGIO, PARCERIA, ABILIO DINIZ, FILHO, QUALIDADE, ATUAÇÃO, GRUPO ECONOMICO, VALORIZAÇÃO, FAMILIA.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, GRUPO ECONOMICO, CRIAÇÃO, COTA, PARTICIPAÇÃO, RESULTADO, EMPRESA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente Mão Santa.

            Eu quero, hoje, dizer algumas palavras e requerer, nos termos dos arts. 218, inciso VII, e 221 do Regimento Interno do Senado Federal, inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento, neste domingo, 16 de março, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, do empresário Valentim dos Santos Diniz, aos 94 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, bem como a apresentação de condolências à sua esposa, Floripes, com quem estava casado há 72 anos, e aos filhos Abílio, Alcides, Arnaldo, Vera, Lúcia e Lucilia, além de netos e bisnetos.

            Valentim dos Santos Diniz, empresário português, nasceu na pequena aldeia de Beira Alta, em Portugal, em 18 de agosto de 1913.

            No ano de 1929, desembarcou no Porto de Santos, no Brasil. A primeira visão que teve do País, da janela do navio em que viajava, e que lhe causou grande impressão, foi do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Na verdade, um amigo lhe disse: “Olha o Pão de Açúcar!” Ele ficou tão impressionado com a beleza do Pão de Açúcar e do Rio de Janeiro, obviamente, com aquela maravilhosa manifestação da natureza, que aquela imagem do Brasil ficou na sua consciência. Isso fez com que, mais tarde, a sua primeira loja e, depois, o Grupo Pão de Açúcar, a maior cadeia de lojas de grupo brasileiro, no Brasil, viesse a ter esse nome.

            Tanto que, em 1948, após ganhar na loteria, fundou juntamente com a sua mulher, Floripes, sua primeira doceria chamada Pão de Açúcar. 

            Com o passar do tempo, a pequena doceria situada na Av. Brigadeiro Luís Antonio, que conheci - ainda lá está em São Paulo -, deu lugar ao segundo maior grupo varejista do Brasil, que ainda no ano passado estava em primeiro lugar, a Companhia Brasileira de Distribuição, hoje presidida pelo seu filho primogênito, Abílio Diniz.

            A religiosidade sempre foi um fato marcante na vida de “Seu Santos”, como era chamado pelos funcionários. Em todas as mais de 550 lojas em cada um dos andares da sede do Grupo Pão de Açúcar, sempre há duas pequenas imagens: uma de Nossa Senhora de Fátima, de quem seu Valentim era devoto, e outra de Santa Rita, a quem seu filho mais velho, Abílio, presta devoção.

            A história do Grupo Pão de Açúcar é um espelho da trajetória do varejo e dos anseios de modernização da sociedade brasileira. “Seu Santos” soube acompanhar as mudanças da economias e os hábitos de consumo dos brasileiros ao longo de sua trajetória. Um dos traços fortes da família Diniz é a inovação. Tanto que, em muitos momentos, o grupo foi pioneiro na implementação de novas tecnologias, como o lançamento de uma das primeiras “ponto com” do País, dos supermercados ou lojas de auto-serviço e, posteriormente, dos hipermercados.

            Valentim dos Santos Diniz presidiu a empresa até 1995, posição então ocupada pelo filho Abílio Diniz e, desde 2003, ocupava o cargo de Presidente honorário do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar. Segundo informou a assessoria de imprensa da empresa, até o ano passado, o empresário visitava as lojas, conversava com clientes e funcionários e também era visto na sede do grupo em São Paulo.

            Por ocasião dos 90 anos de Valentim dos Santos Diniz, Luiz Carlos Bresser Pereira, Professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, meu amigo pessoal e também de Abílio dos Santos Diniz, escreveu um artigo no Valor Econômico, em 19 de setembro de 2003, que é muito relevante.

            Aqui presto uma homenagem tanto ao Sr. Valentim quanto ao Professor Bresser Pereira lendo-o, para que seja registrado na íntegra:

            Diz Bresser Pereira:

“Escrever sobre os amigos é sempre difícil, mas quando um deles completa 90 anos de uma vida cheia de realizações, é o momento de fazê-lo. Conheço Valentim dos Santos Diniz, desde o início dos anos de 1960, quando ele e seu filho Abílio Diniz começavam a grande aventura empresarial que seria o Pão de Açúcar. Ele me chamava para participar dessa tarefa, depositando em mim uma confiança que me surpreendeu. Nestes 40 anos, o empresário e o amigo continuou a me surpreender pela amizade e o espírito forte e determinado, embora cada vez o conhecesse melhor.

É impossível falar em Valentim dos Santos Diniz sem pensar no menino que com 16 anos imigra para o Brasil nos anos de 1930. Sem lembrar como fez entregas para as mercearias do Jardim Paulista, e foi sempre o melhor; como fez a sua primeira padaria, e foi sempre o melhor; como fundou a sua Doceira Pão de Açúcar, em 1948 e foi novamente o melhor; como criou o seu primeiro supermercado, em 1959, e novamente atendeu melhor do que ninguém seus clientes; e, afinal, como usou de uma enorme energia para, do nada, construir, com seu filho Abílio, a maior empresa de supermercados do Brasil, e a primeira rede de supermercados em Portugal.

Mas tudo isso é bem sabido. Talvez menos conhecida seja a forma pela qual isso ocorreu. Como pai e filho colaboraram intimamente. Como o pai sempre apoiava Abílio em suas decisões mais ousadas. Como participava das negociações. Como tomava a iniciativa em certos casos, como foi o da decisão, em 1970, de expandir em Portugal. Como formava uma dupla perfeita com o filho na construção de uma empresa forte e coesa.

E como fazia tudo isso a partir de uma atitude em que a humildade e o orgulho combinavam com perfeição. Humildade em aprender, em relacionar-se com os clientes, com os amigos. Uma humildade sempre firme e plena de elegância interna. Orgulho de saber que estava realizando uma grande obra. Que, junto com sua mulher, Floripes, construía uma grande família.

A empresa existia para o desenvolvimento do país, para benefício de seus clientes, funcionários e administradores, mas existia também e principalmente para a família. E foi daí que adveio a crise. Crise familiar, crise da empresa, dolorosa, inevitável. Valentim sofreu com a crise, surpreendeu-se, viu-se em alguns momentos assoberbado por ela, mas jamais perdeu a serenidade e o senso de equilíbrio. Afinal a crise foi se resolvendo, os laços familiares que ele construíra se revelaram mais fortes, a família se reuniu, a empresa se renovou, abriu-se, profissionalizou-se.

Em boa parte desse processo, desde 1963, quando o Pão de Açúcar abria sua segunda loja, eu estive presente. Às vezes como testemunha, às vezes como participante, mas sempre como um admirador e amigo.”

             Disso sou testemunha, porque, à época, convivendo com Bresser Pereira, muitas vezes, eu o visitei na sede da empresa, bem como em sua casa, onde conheci, e bem, Abílio Diniz.

“Deste português que se apaixonou pelo Brasil, deste brasileiro que nunca deixou de ser um líder da colônia portuguesa entre nós. De um homem sempre preocupado com a economia e política, embora centrado em sua vida familiar e empresarial. De um homem caloroso mas reservado, cheios de amigos, mas solitário.

Com seus 90 anos, Valentim continua forte e ativo. Não exerce mais autoridade executiva sobre a empresa, mas está presente a tudo, visita permanentemente as lojas, conhece os administradores e muitos dos funcionários. Sabe que construiu uma grande empresa, sabe que conta com muitos amigos, e sente-se sem vaidade mas com orgulho satisfeito por tudo que fez.”

            Valentim dos Santos Diniz, que construiu um grupo empresarial que hoje reúne 575 lojas das marcas Pão de Açúcar, Extra, Compre Bem, Sendas e Açaí, emprega 63.700 pessoas, foi, sem dúvida, um dos maiores empresários da história do Brasil.

            De maneira semelhante ao que aconteceu com o meu bisavô, Francesco Matarazzo, ele conclui a sua vida com um alto grau de estima e respeito de todos os que trabalham nas empresas do grupo.

            Certo dia escrevi, Senador Mão Santa, que, se tivesse a oportunidade de dialogar com o meu bisavô, Francesco Matarazzo - ele faleceu em 1937, eu nasci em 1941, então não tivemos a oportunidade de nos encontrar -, se tivesse havido esse encontro, eu teria sugerido a ele que criasse um sistema de remuneração de todos os seus empregados que significasse uma composição dos salários mais a participação nos resultados das empresas. É como se todos os trabalhadores tivessem um quota de participação como acionistas do trabalho e que pudessem ter acesso, também, em termos de voz e de diálogo sobre os destinos da empresa, e, sobretudo, uma participação consciente nos resultados das empresas.

            Tal como na família do Dr. Valentim dos Santos Diniz, em que houve momentos de dificuldade entre os sucessores, entre os filhos e filhas, no caso da família de meu bisavô e, depois, de seus sucessores, houve também essas divergências. Avalio que, para uma empresa tão bem-sucedida como era a Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, quando do falecimento do meu bisavô, teria sido adequado e propício que pudesse haver algo como a partilha entre os filhos e filhas, mas também uma partilha entre todos aqueles que compunham o quadro de trabalhadores e colaboradores da empresa. É a sugestão que formulo para o principal sucessor de Valentim dos Santos Diniz, Abílio Diniz.

            Quero ainda lembrar que, em 1989, quando justamente estávamos no segundo turno das eleições e na disputa entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, ocorreu algo que preocupou toda a Nação. Eu era, então, Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, quando meu irmão Paulo me telefonou, informando: “Olha, Eduardo, aqui na Bolsa de Valores está-se dizendo que Abílio dos Santos Diniz teria sido hoje seqüestrado, mas ainda não se sabe se a informação é verdadeira”. Então, telefonei para Luiz Carlos Bresser Pereira, meu amigo e colega professor na Fundação Getúlio Vargas, que era assessor do Grupo Pão de Açúcar, e perguntei-lhe se era verdadeira a informação. Infelizmente, era. Eu então disse que, como Presidente da Câmara Municipal, estava inteiramente solidário à família e a que houvesse logo a sua libertação.

            Quero aqui lembrar que D. Paulo Evaristo Arns teve um papel fundamental quando se dispôs, junto à família e às autoridades responsáveis pela segurança, a ir ao local onde se verificou que Abílio Diniz estava com os seus seqüestradores. Dom Paulo Evaristo Arns teve a coragem de ir ao local e entrar onde os seqüestradores dominavam Abílio dos Santos Diniz, e todos acabaram saindo. Inclusive, no ônibus em que seguiram os seqüestradores, Dom Paulo Evaristo Arns com eles seguiu. Eles foram detidos e depois responderam pelo ato que haviam cometido.

            Trata-se de uma pessoa que chegou ao Brasil, Senador Pedro Simon, vindo de Portugal com uma determinação, porque ele havia dito ao seu pai: “Eu quero ir ao Brasil e vou fazer ali algo.” Imaginem que ele não sabia que acabaria construindo a maior rede de supermercados e hipermercados do Brasil. O Pão de Açúcar ora está em primeiro lugar, ora em segundo - mas com mais de 570 lojas e mais de 63 mil empregados. Certamente, isso representa algo na história do Brasil, significa um dos empresários que melhor conseguiu criar oportunidades de trabalho para milhares de pessoas.

            Nesse sentido, ele guarda relação com uma pessoa que aqui eu estava lembrando também: meu próprio bisavô, o Conde Francesco Matarazzo. Quando faleceu, mais de trinta mil empregados estavam nas suas empresas, que eram o maior conglomerado empresarial. Lá de sua residência, na Avenida Paulista junto com a rua Pamplona, seguiram a pé cerca de cem mil pessoas, segundo informações da imprensa e as fotografias - e eu mesmo vi o filme do trajeto -, incluindo os trabalhadores, os funcionários e os seus familiares. Todos que admiravam Francesco Matarazzo o acompanharam até o cemitério da Consolação.

            Por isso eu disse e sugeri que, se tivesse tido oportunidade de dialogar com ele, eu teria dito: quem sabe se poderia criar uma sistemática pela qual não apenas os filhos e filhas, mas todos os que trabalhavam no conjunto das empresas, pudessem compartilhar, tendo cotas de participação.

            A Constituição brasileira, hoje, estimula e prevê a participação dos trabalhadores nos resultados das empresas. Há muitas que praticam isso. Não sei exatamente como é no Grupo Pão de Açúcar. Ainda hoje, jornalistas de O Globo e da Rede Globo me informaram que a Rede Globo, já há alguns anos, tem esse sistema de participação nos resultados. E eu formulo a sugestão de que haja um sistema pelo qual possam os trabalhadores ser remunerados por salário e por cota de participação nos resultados e que essa cota de participação signifique, inclusive, o direito à informação e à voz nos destinos da empresa, junto com seus principais acionistas.

            Portanto, o meu respeito e a minha homenagem ao empresário Valentim dos Santos Diniz.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2008 - Página 6093