Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Água e o lançamento da Campanha "SOS H2O". Considerações sobre a Região Amazônica.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Água e o lançamento da Campanha "SOS H2O". Considerações sobre a Região Amazônica.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2008 - Página 6135
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, AGUA, SAUDAÇÃO, AUTORIDADE FEDERAL, AUTORIDADE PUBLICA, PARTICIPAÇÃO, SESSÃO ESPECIAL, REGISTRO, RELEVANCIA, ASSUNTO, ELOGIO, OSMAR DIAS, SENADOR, INICIATIVA, REQUERIMENTO, REALIZAÇÃO, SESSÃO.
  • COMENTARIO, INICIO, VIDA PUBLICA, ORADOR.
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, URGENCIA, CONTENÇÃO, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, POSSIBILIDADE, AGRAVAÇÃO, DESEQUILIBRIO, CLIMA, REGIÃO, RELEVANCIA, PRESERVAÇÃO, FLORESTA, PREVENÇÃO, CRISE, AMBITO INTERNACIONAL, INTERVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REFORÇO, CONTINGENTE MILITAR, FRONTEIRA, GARANTIA, PROTEÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • DEFESA, AUMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, PESQUISA, CIENCIA E TECNOLOGIA, REGIÃO AMAZONICA.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejo que a iniciativa do Senador Osmar Dias de propor a comemoração do Dia Mundial da Água e o lançamento da campanha SOS H2O vem muito a propósito, numa hora em que se discute o Nordeste, em que se discute a transposição do Rio São Francisco, em que se discute a Amazônia e mais do que nunca se tem que discutir a Amazônia como tema de interesse planetário.

            Saúdo todos os integrantes da Mesa na pessoa dos meus colegas de Congresso e de Câmara dos Deputados, nosso combativo Deputado Luciano Zica e o Presidente da Agência Nacional de Águas, essa figura de extrema cordialidade, de extrema fraternidade, com quem convivi muito amiudadamente na Câmara, como adversários, mas com uma enorme dose de fraternidade, de ternura, Deputado José Machado.

            Conto um episódio, Presidente Osmar Dias, que é bem ilustrativo do que se passa quando se discute a questão climática. Eu estudava no Rio de Janeiro. Morei no Rio de Janeiro, formei lá as minhas emoções. Meu pai foi eleito Deputado Federal quando a Câmara ainda estava por lá. Fui menino para o Rio. Eu ia sempre ao Amazonas, mas não era o bastante para rebuscar minhas raízes, porque eu ia para os mesmos lugares, freqüentava os mesmos amigos. Até que, em 1978, resolvi voltar para minha terra definitivamente, empurrado pela vocação política, para disputar uma cadeira de Deputado Federal.

            E fui ao Município do Careiro, hoje chamado Careiro da Várzea, com o Deputado Estadual, uma figura muito combativa no período autoritário, que fez dobradinha comigo, Deputado Francisco Queiroz, figura imortal pela sua seriedade, pela sua integridade. Lá ouvi um habitante do Paraná do Cambixe, nesse município, dizendo para mim: “Você precisa voltar aqui no período da “séca”. Eu, que estava chegando do Rio de Janeiro, pensava: “É sotaque. Ele quis dizer “seca”, como eu entenderia no Rio de Janeiro, mas falou “séca” por mero jogo de sotaque.” E voltei para casa achando que ele tinha falado “seca”. Fui perceber depois, Presidente Osmar Dias, que ele queria dizer “séca” mesmo, na sabedoria do caboclo que não precisa de ler para ser sábio.

            Então, cheia a gente sabe, é muita água, não precisa traduzir para ninguém. Seca é quando não tem água nenhuma - Nordeste, aqueles períodos de solo esturricado, aquela figura tradicional que a gente lembra logo de Graciliano Ramos, o boi morrendo, enfim. “Séca” é quando, tendo muita água, tem menos água, é a vazante do rio. Vim compreender isso, até porque fiquei tão intrigado que comecei a perguntar, e percebi isso.

            Pois muito bem. As últimas cenas de vazante não são de vazante, são de “seca”, e não mais de “séca”, portanto: solo esturricado, com aquele ar de desolação que tanto aflige os nordestinos. Isso é claro efeito dos desequilíbrios climáticos. Portanto, a água é uma preciosidade. 

            Estamos discutindo aqui uma commodity que haverá de ser essencial para o País, talvez o petróleo mesmo da segunda metade ainda deste século XXI.

            Vejo a minha região, abordando três pontos que julgo essenciais. Em primeiro lugar, para colocarmos no lugar essa coisa dos desmatamentos, os desmatamentos são nocivos e têm que parar, mas eles são responsáveis por apenas 3% das emissões globais de CO2, os desmatamentos na minha Região. É claro que, se eles continuarem, a gente vai provar aqui, agora, que isso desequilibra a questão climática.

            Agora, isso aí poderia até dar defesa a alguns que acham que podem continuar desmatando. Mas aí vem o item 2: a Amazônia, de pé. E, no meu Estado, graças ao Pólo Industrial de Manaus, ela ainda está de pé em 98% da sua cobertura florestal. Ela sofreu muito, durante o regime autoritário, no sul do Pará, e teve o mesmo efeito nocivo, por exemplo, em Rondônia, quando a Sudam financiava estupidamente, sem retorno, a pata do boi, prejudicando os ecossistemas e não propiciando nenhuma melhoria de qualidade de vida para as populações que lá estavam. No Acre, vimos a substituição do estabelecimento do seringal paternalista - de certa forma mais uma história de servo da gleba do que propriamente de escravidão - por algo que não melhorava a situação dos trabalhadores, que era a pata do boi, isso tudo financiado com o dinheiro do contribuinte brasileiro, sem que avançasse em nada a qualidade de vida dos acreanos, com devastações e situações muito graves. 

            Mas, muito bem, vem o Item 2: a Amazônia de pé. A Floresta Amazônica de pé absorve o CO2 emitido não só por ela como até por outros países. Então, é essencial que ela fique de pé.

            Item 3. Se os países exageram e se não somos responsáveis em relação à Amazônia, vamos ver que a nossa região ficará extremamente vulnerável, até porque ela é vulnerável. É frágil diante das mudanças climáticas que possam vir por aí.

            Quando se fala na média brasileira, eu diria que a média brasileira ficaria - na hipótese do desastre, em aumento de graus centígrados -, Senador Marconi Perillo, abaixo da média da Amazônia, que seria 5º, 6º centígrados de aumento de temperatura, o que significaria a desertificação, significaria o prejuízo para a humanidade, significaria, enfim, um abalo para a segurança nacional.

            Temos de cuidar muito bem da nossa água. Por isso, prego, meu prezado José Machado, que o Governo compreenda, cada vez com mais intensidade, que as agências são uma expressão do Estado e não expressão de um governo: elas vêm até para se contraporem aos governos, representando o Estado, representando os consumidores, representando a população de um País.

            E mais: diria que temos de cuidar muito bem da nossa água, temos que cuidar bem das nossas riquezas, temos que saber explorá-las, temos que proteger os 25 milhões de amazônidas que habitam a nossa região, mas temos algumas coisas mais para colocar, e eu tenho a impressão de que elas têm de ser postas, porque esta é a grande ocasião para discutirmos a Amazônia como um todo.

            Estamos assistindo à venda indiscriminada de terras na minha região. Estamos vendo uma nova noção de soberania nascer. E, digo mais, se não cuidarmos da Amazônia para valer, ela termina sofrendo uma intervenção militar, sim. Acaba virando protetorado da ONU, supostamente da ONU, mas dirigida por grandes potências internacionais. Então, temos de cuidar com responsabilidade da Amazônia. (Pausa.)

            Vejo que o Presidente Garibaldi Alves Filho haverá de fazer um anúncio de uma figura ilustre que nos visita.

            O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) - Peço desculpas ao Senador Arthur Virgílio...

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Não por isso, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) -... porque estamos recebendo o Presidente do Parlamento sueco, S. Exª o Sr. Per Westerberg, e estamos também registrando aqui a presença no nosso plenário da Embaixadora da Suécia, a Srª Annika Marcovic.

            Aproveitando aqui o espaço que me é concedido no discurso do Senador Arthur Virgílio, quero dizer da honra que temos em receber o Presidente do Parlamento sueco. S. Exª atendeu a um convite meu para estar neste momento presente a esta nossa sessão tão significativa quando estamos comemorando o Dia Mundial da Água.

            Peço desculpas às autoridades presentes, mas se fazia necessário que o Presidente do Parlamento sueco viesse até aqui para ver de perto como se processa uma sessão especial do nosso Parlamento voltada para um tema tão importante.

            Desculpe, Senador Arthur Virgílio.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Obrigado, Sr. Presidente. Deus é grande e graças a Deus foi esta a sessão que ele viu. (Pausa.)

            O SR. PRESIDENTE (Garibaldi Alves Filho. PMDB - RN) - S. Exª, o Senador Arthur Virgílio, pode prosseguir com o seu discurso; e mais uma vez o meu pedido de desculpas.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Não há por quê. Eu saúdo, em nome do meu Partido, o PSDB, a presença de figuras tão ilustres que certamente haverão de ter todo o interesse em presenciar um debate sobre água e sobre a Amazônia neste plenário, até porque este é um assunto de importância planetária que, infelizmente, ganha espaço muito lento na consciência dos brasileiros, o que revela e denota, Deputado José Machado, até um certo provincianismo de parte do nosso País. Era um tema que deveria ter importância muito maior e, no entanto, vai a passos de cágado atrás de temas menores e que galvanizam opiniões com muito mais força.

            Mas, Sr. Presidente, eu dizia que temos o dever de zelar pela soberania nacional sobre a Amazônia em várias frentes: uma delas, óbvia, é administrar bem a região para evitarmos quaisquer desculpas para intervenções sobre uma área que é essencial para o desdobramento exitoso e brilhante do desenvolvimento brasileiro; a segunda, óbvia também, é a presença militar forte na região, com ocupação civil das fronteiras. Prego que o Brasil vire uma potência militar defensiva. O Brasil não tem vocação para ser uma potência militar ofensiva, mas deve estar preparado, sim, como potência militar defensiva para proteger algo que é essencial para o futuro dos seus filhos. E há um terceiro ponto: hoje em dia, não basta a presença civil nas fronteiras, não basta sequer a boa vontade de gerenciar bem a Amazônia e não basta a presença militar expressiva; é preciso que garantamos a soberania nacional sobre a região pela via, Senador Sibá Machado, do conhecimento.

            Então, tem de haver muito investimento em pesquisa, em laboratório, em ciência, em tecnologia. Tem que haver muito investimento no Museu Goeldi do Pará, no INPA do Amazonas, nas universidades da região, porque, sem o conhecimento, nós vamos... Eu vou dar um exemplo aqui bastante prosaico, que tem virado lugar comum nas discussões que faço pela minha região e pelo País. Chega um navio alemão, abre os seus porões, recolhe água do Rio Solimões, leva para os seus laboratórios de primeira linha, estuda as propriedades químicas da água do Rio Solimões. Eu não tenho nada contra isso, não posso evitar e nem quero evitar, mas o fato é que o Brasil não tem laboratório de primeira linha para estudar a fundo as propriedades das águas do rio Solimões.

            Um turista estrangeiro, ou suposto turista estrangeiro, fica três, quatro, cinco dias na selva, internado num hotel de selva e andando pelo mato com um casaco. Nesse casaco grudam fungos; ele leva esse casaco, e não temos como evitar que ele o faça, para um laboratório de primeira linha no seu país - Estados Unidos, ou a Suécia dos nossos ilustres visitantes -, e ele vai estudar as propriedades dos nossos fungos de um jeito que nós não podemos fazer porque não temos laboratórios de primeira linha para estudar a Amazônia nesse nível de detalhamentos.

            O INPA dispõe de R$50 milhões por ano. E o que é mais grave: era tão mais baixo antes que aqueles cientistas tão valorosos estão orgulhosos de receber essa quantia ínfima, ridícula, grotesca, bizarra, até levando em conta que o INPA pode abrir, junto com o Museu Goeldi, a porta para exploração da nossa biodiversidade e para a exploração dessas riquezas com toda a perspectiva da consciência de sustentabilidade em favor do povo brasileiro e em parceria com brasileiros e estrangeiros que, de fato, tenham boa-fé para com a nossa região e o nosso País.

            Então, eu diria que há a questão militar, a questão civil, há questão da gestão, mas há, sem dúvida alguma, a questão do conhecimento.

            Saúdo hoje o nível dos discursos, saúdo a presença de cientistas, de professores e de figuras tão ilustres que dominam o assunto água e que têm muito o que nos dizer, e estão nos dizendo.

            Sr. Presidente, nós temos muito pouca água potável, muito pouca água doce potável no mundo, e o grosso dessa água doce potável está na Amazônia e, na Amazônia, o grosso está no maior Estado da Região, que é o meu Estado. A água potável, o pouco que resta, é de difícil extração, o que encarece o preço de sua extração e, portanto, temos que ter responsabilidade ao utilizar os nossos mananciais. Nós não podemos, de forma alguma, brincar com os nossos recursos pesqueiros. Nós temos que trabalhar o peixe, inclusive aprendendo a usar tecnologia que poupe os nossos mananciais. Temos que pensar, inclusive, em repor os mananciais pesqueiros, porque, se usarmos tecnologia oceânica para pesca nos rios da Amazônia por exemplo, simplesmente liquidaremos o que possa haver de estoque pesqueiro nos rios da região. Portanto, é fundamental pensarmos no peixe em cativeiro, no peixe que se reproduza e que possa virar objeto de exportações crescentes sem matarmos a galinha dos ovos de ouro.

            Aliás, é com essa imagem, Sr. Presidente, que encerro este pronunciamento, saudando, mais uma vez, os meus colegas José Machado e Luciano Zica, dois queridos amigos. É com essa imagem que encerro.

            Nós temos que fazer da Região Amazônica uma fonte permanente de riqueza para o nosso País, em parceria com nacionais e em parceria com estrangeiros, com a sabedoria de sabermos garantir a bandeira nacional sobre a área e, ao mesmo tempo, com todo o cuidado que a responsabilidade manda e obriga de não matarmos a galinha dos ovos de ouro. Isso passa pela água.

            Um estudo muito antigo, meu prezado José Machado, do início da década de 70, feito por professores da Universidade do Amazonas, dizia que, para entendermos a Amazônia, temos que entender basicamente três fatores da vida humana: temos que entender os índios, temos que entender as florestas e temos que entender as águas. O resto vem depois, o resto é absolutamente subseqüente a isso; o resto não é desimportante, mas o resto é secundário em relação a isto: índios, florestas e águas.

            O tempo passou. Vários estudos têm sido feitos, muito tem sido escrito, muito se tem proposto nas teses de doutoramento, de PhD, de mestrado. Elas se sucedem, essas teses todas, mas não vejo que isso tenha caído de moda, não vejo que devamos, em nenhum momento, descurar disso.

            Dou muito valor ao mateiro, que leva o cientista para o local, para identificar a mata. Aliás, uma matéria muito bonita - se não me engano, da revista Época desta semana - fala dos chamados tradutores da floresta, que chamo de mateiros, daqueles que dizem que a árvore tal serve para isso, que a árvore tal serve para aquilo. O PhD não sabe isso, o PhD não sabe andar na floresta, ele é PhD formal - eu o valorizo, eu o quero muito na minha região, afinal de contas lamento que, somente na USP, tenhamos, Senador Suplicy, mais de cinco mil doutores PhD e que, na Região Amazônica legal toda, tenhamos apenas 3.400 cidadãos e cidadãs com esse nível de conhecimento.

            Nós estamos perdendo a batalha do conhecimento ali.

            É tão valioso nós termos o cientista que quer ir ao mato para descobrir o cosmético, para descobrir o remédio, o fármaco que vai solucionar o problema de saúde de milhões de cidadãos pelo mundo inteiro, quanto é valioso aquele que o leva, aquele cidadão iletrado. Ele é iletrado em letras comuns da escola que nós conhecemos, mas é PhD em floresta, é PhD em Amazônia. Ele não pode ser tratado como se não fosse parceiro de primeiro nível, parceiro de primeiro grau.

            A minha contribuição, falando para especialistas em água, não poderia ser dizer lugares comuns sobre água. A minha contribuição teria que ser a de um parlamentar que procura olhar o Brasil como um todo, ou seja, a floresta, mas que não quer deixar nunca de se ligar à sua árvore, e a minha árvore é o conhecimento específico sobre a minha região, sobre a Amazônia, sobre o Amazonas.

            Muito obrigado.

            Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2008 - Página 6135