Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da realização de uma reforma política, com alterações no atual sistema eleitoral, como forma de fortalecer os partidos e melhorar o desempenho do Congresso Nacional.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da realização de uma reforma política, com alterações no atual sistema eleitoral, como forma de fortalecer os partidos e melhorar o desempenho do Congresso Nacional.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2008 - Página 6626
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • REITERAÇÃO, DEFESA, REFORMA POLITICA, AVALIAÇÃO, SISTEMA PROPORCIONAL, FAVORECIMENTO, PLURIPARTIDARISMO, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, ELOGIO, CODIGO ELEITORAL, GOVERNO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, VISTORIA, LEGISLAÇÃO, BRASIL, MUNDO, NECESSIDADE, CONTROLE, EXCESSO, NUMERO, PARTIDO POLITICO, CLAUSULA, DESEMPENHO FUNCIONAL.
  • ANALISE, SISTEMA, RELAÇÃO, CANDIDATO, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, DEMOCRACIA, ESCOLHA, CANDIDATURA, POSSIBILIDADE, EXIGENCIA, CONVENÇÃO, ATENDIMENTO, NUMERO, PARTICIPAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO.
  • IMPORTANCIA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, BUSCA, MELHORIA, PARTIDO POLITICO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador) - Sr. Presidente, nobre Senador Papaléo Paes, Srªs. Senadoras, Sr. Senador Tião Viana, Vice-Presidente do Senado Federal, Sr. Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, volto a discutir a questão da reforma política, aqui, no Congresso Nacional.

E hoje pretendo falar especificamente sobre a questão relativa aos sistemas eleitoral, partidário e de governo, que são esferas de ação independentes.

A experiência empírica demonstra, Sr. Presidente, não só em nosso caso, mas em outros países que adotam o sistema proporcional, as conseqüências que o professor Maurice Duverger procurou demonstrar em seu livro pioneiro, intitulado Les Partis Politiques (Partidos Políticos). Esse sistema, como é sabido, favorece a proliferação do espectro partidário, enquanto o sistema majoritário privilegia a sua contenção.

O pluralismo, sob o ponto de vista ideológico e doutrinário, é requisito essencial à democracia. É lógico que um dos pressupostos de uma sociedade democrática, além da liberdade, é a existência da pluralidade, inclusive de representação. Mas, sob ambos pontos de vista, não há nem nunca houve em toda a história do pensamento político mais do que duas, três ou quatro concepções diferentes. Sistemas com uma ou duas dezenas de partidos com representação parlamentar têm sido usuais nos últimos 50 anos entre nós. Costumam, muitas vezes, refletir apenas interesses de caráter personalista e não os de natureza doutrinária, programática ou filosófica.

Os sistemas proporcionais, inclusive o adotado no Brasil, por listas abertas, tornaram-se a regra geral a partir do século XX, e os majoritários, exceção a essa tendência quase universal. Eles constituem a forma de assegurar o pluralismo político a que já me reportei e a atender às distintas peculiaridades nacionais e às implicações políticas de questões sociais, étnicas, religiosas, demográficas ou econômicas.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, é fora de dúvida que os sistemas proporcionais necessitam de medidas adicionais que favoreçam a contenção partidária ou pelo menos evitem sua excessiva proliferação. Entre elas, a mais bem sucedida é a cláusula de desempenho ou também chamada, a meu ver equivocadamente, de cláusula de barreira, que já existe em mais de 40 democracias contemporâneas e que teve início na antiga República Federal Alemã, em 1949.

Vou abrir um parêntese muito rápido para lembrar que, após a 2ª Grande Guerra Mundial, a Alemanha, como conseqüência do conflito, foi dividida entre Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, e se ergueu um muro que separava as duas. Daí por que a Alemanha Ocidental, democrática, aberta, resolveu não fazer uma Constituição enquanto não se reunificasse com a Alemanha Oriental. Por esse motivo, a sua Constituição de 1949 chama-se Lei Fundamental, expressão que os romanos usavam para definir uma Constituição.

Então, a Lei Fundamental de 1949 na Alemanha estabeleceu a cláusula de desempenho ou, se quiserem, como alguns preferem, a cláusula de barreira. Esse instrumento vem sendo tentado entre nós em diferentes modalidades, desde 1946, quando a legislação eleitoral estabeleceu o número mínimo de 10 mil votos para que os partidos existentes tivessem direito à representação no Parlamento, nas duas Casas do Congresso Nacional - Câmara dos Deputados e Senado Federal. Como esse umbral era inferior ao quociente eleitoral na maioria dos Estados, o princípio nunca teve aplicação prática. Desde aquele ano até hoje, em mais de cinco oportunidades diferentes, sua aplicação vem sendo sucessivamente tentada e invariavelmente procrastinada. Nessa matéria, apenas repetimos a experiência herdada do Império, quando as mudanças do sistema eleitoral tardavam entre os 30 anos a que aludia Joaquim Nabuco na biografia do pai.

Mais uma vez, Sr. Presidente, um parênteses para lembrar que Joaquim Nabuco, ao fazer a biografia de seu pai, José Tomás Nabuco de Araújo, ofereceu a todos nós um livro chamado O Estadista do Império, que ajuda a entender o Segundo Reinado e, sobretudo, a partir de 1850 até os pródomos da proclamação da República. Nabuco observa que seu pai, estudioso dessas questões do Judiciário, das questões políticas, das questões legislativas, dizia sempre que as reformas que ele preconizava sempre demoravam pelo menos 30 anos.

Mas, como dizia, Joaquim Nabuco observa que 46 anos separam a aprovação do projeto do Deputado Ferreira França, de 1835, e a Lei Saraiva, instituída em 1891. Com isso, eu gostaria de chamar atenção para a demora com que essas mudanças começassem a ocorrer.

De toda maneira, em recente e polêmica decisão, o Supremo Tribunal Federal inviabilizou a aplicação do dispositivo contido no art. 13 da Lei dos Partidos, Lei nº 9.096, de 1995, que, aliás, tive oportunidade de sancionar no exercício da Presidência da República. O Supremo Tribunal Federal inquinou esse artigo de inconstitucional depois da Constituinte de 1987/1988, por haver ignorado o requisito de desempenho eleitoral mínimo, invalidando assim as tentativas anteriores de aplicá-la desde 1978. Quando faço menção a 1978, quero referir-me à Emenda à Constituição nº 11, que já cogitava da existência dessa cláusula de desempenho, que busca evitar a existência de mais de uma dezena de partidos de pequena expressão política e eleitoral, como aconteceu nas legislaturas que se seguiram à redemocratização de 1945, depois do Estado Novo e da restauração democrática, quando 19 legendas tiveram assento na Câmara dos Deputados.

Devo acrescentar que, a partir desse momento, ficou visível a necessidade de se fazer um esforço de contenção com relação ao número de partidos como forma de tornar operativo o processo decisório no Legislativo. Aliás, um dos pressupostos de uma verdadeira reforma política é justamente melhorar a governabilidade em nosso País.

Como é fácil recordar, logo após a Constituição de 1988, houve uma explosão de partidos políticos no Brasil: chegamos a ter perto de oitenta partidos políticos com registro definitivo ou provisório no Tribunal Superior Eleitoral, tornando muito complexo e difícil o processo decisório e forçando que o Congresso não desse resposta hábil e ágil às demandas da sociedade.

A efetivação dessa medida que data de mais de quarenta anos, por estar prevista no Código Eleitoral de 1965, é requisito para formação de maiorias estáveis no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, cuja representação é escolhida pelo sistema proporcional desde 1932 (vide Código Eleitoral de Getúlio Vargas, que teve em Assis Brasil, talvez, o seu principal mentor).

Assis Brasil, de fato, foi um grande político. Divergiu de Getúlio Vargas, mas não se negou a colaborar com ele após a Revolução de 1930, uma revolução de um cariz renovador.

Contam, não sei se é verdade, que Getúlio Vargas desejou contar com a colaboração de Assis Brasil, mas achou que este, por ser seu adversário, certamente iria recusar. Usou, então, um interlocutor para conversar com Assis Brasil, que teria dito: "Toda pessoa tem um preço. Para colaborar, cobro o meu preço". Getúlio, por meio desse interlocutor, teria perguntado:" Qual o seu preço?". Ele teria respondido: "O meu preço é que ele execute minha idéia. Se ele aceitá-la, meu preço é esse. Colaboro se ele concordar com o que penso que deva ser feito". Getúlio, então, concordou em adotar a idéia de Assis Brasil.

A partir daí, tivemos um Código Eleitoral, o de 1932, que representou uma grande inovação, pois muitos países ainda não tinham Código Eleitoral. Muitos ainda não têm uma Justiça Eleitoral como a que temos. Tudo começou em 1932 com esse novo Código Eleitoral .

A partir daí conferimos o voto à mulher. Fomos um dos países que cedo admitiram o voto à mulher, aliás, antes que o fizessem alguns países da Europa, mais desenvolvidos. Esse Código Eleitoral foi um passo importante para a sociedade brasileira.

Mas, Sr. Presidente, o quadro partidário será resultado da modalidade do sistema eleitoral que adotarmos, implicando a aplicação da cláusula de desempenho, segundo a tendência revelada nos três últimos pleitos. Certamente, com a cláusula de desempenho, vamos continuar com a pluralidade partidária, mas não com a excessiva dispersão partidária. Embora muito se tenha discutido sobre a relevância ou não de se tomar em conta o número de partidos de cada sistema político, vale a advertência do professor Giovanni Sartori, em sua obra Partidos políticos e sistemas partidários. Diz ele:

“Para começar, o número de partidos indica imediatamente, ainda que de modo apenas aproximado, uma característica importante do sistema político: à medida que o poder político está ou não fragmentado, disperso ou concentrado. Analogamente, só ao saber quantos partidos existem, somos alertados para o possível número de ‘correntes de integração’ que intervém em cada sistema”.

Na mesma direção, assinala Gunnar Sjöblon, “dois partidos não permitem mais que uma corrente de integração recíproca; três partidos permitem três correntes de integração; quatro partidos, seis correntes; cinco partidos, dez correntes; seis partidos, quinze; sete partidos, 21 correntes”. 

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, quero participar porque nisso sou bom, entendo dessa questão eleitoral.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Sei que V. Exª é um grande estudioso dessa questão.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Li o Diário de Getúlio, de 1930 a 1942, doze anos de diário.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Com a palavra, V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, Deus não ia nos abandonar, ele põe o homem certo no momento certo - tivemos Moisés, David e tal. Deus colocou V. Exª no lugar certo, homem da maior correção, da maior pureza, jurista melhor do que os Nabuco que estudei, que li. Mas é o seguinte: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Aquele negócio que o Jobim disse não é dele não, é o discurso de Benjamin Disraeli: “Aja ou saia. Não se queixe. Não se desculpe. Não peça opinião. Faça. Aja ou saia”. Essa zorra está grande, essa estrutura partidária se chama zorra. É imoralidade, é indecência o que está aí. Tem que haver reforma partidária, Tião Viana. O PT tem gente boa. Você é um deles, é iluminado. Mas, professor, vou dar meu testemunho agora. De Getúlio sei quase tudo. Li foi o Diário, Papaléo, Getúlio foi um estadista. Peço, ao menos, que o Tião leve os dois volumes para o Luiz Inácio ver: ele é que fez esse negócio de TSE, de voto secreto, de voto de mulher. Apenas teve três guerras, o Getúlio foi esse estadista. Mas quero dizer que o negócio entrou na zorra em que está: 30 partidos. Tenho experiência recente. Olha, Marco Maciel, eu tive um filho candidato. Chega um cara lá e diz: “Sou presidente do partido”. É nome que a gente não sabe nem se existe; nós, que estamos na política, que somos atuantes e que entendemos as coisas, sabemos que tem partido que não acaba mais. Desafio a maior autoridade aqui a dizer o nome da metade dos nomes de partidos que temos. Ganhará o prêmio que a Gisele vai ganhar: um milhão, eu dou. Disseram assim, Papaléo: “Olha, estamos aqui para apoiar, apoiamos seu filho”. Aí nos mostram uma lista - a gente não conhece nenhum candidato a vereador, ainda que seja cidade pequena, onde se conhece todo mundo - e dizem: “Apoiamos, mas o senhor tem que dar quatro mil para cada um”. Quatro vezes trinta dá cento e vinte mil. É assim! Aí eu digo: “Rapaz, não tenho mensalão não, não tenho esse negócio de cartão. Como é que vou poder pagar isso? Não roubei... Cento e vinte...” Aí, ele diz: “Não, eu baixo”. “E como é?” “Não, o senhor dá três. Noventa, agora está fechado”. Esse é o quadro vergonhoso. V. Exª tem que acabar com isso. V. Exª já fez muito, mas estamos cobrando. E temos culpa. Bornhausen, um homem inteligente, decente, correto, um dos melhores homens, foi meu adversário - era PFL, e você conhece essa luta no Piauí; no passado, ele meteu até um processo em mim porque eu era contra o PFL do Piauí. Ele fez uma minirreforma bem feita, ousada, avançada, culta. E mandamos para onde Luiz Inácio disse que tem 300 picaretas, mas morreu lá. E aí está essa zorra. Esse negócio de vereador é a maior zorra, um caso mal resolvido. E aí pega... Está um rolo, Marco Maciel. V. Exª é agora. Disraeli: “Não se queixe [está entendendo?] não se explique, não peça conselho. Aja ou saia”. V. Exª tem de fazer essa reforma agora. E deve chamar o Tião, que é lúcido, pensante, um menino puro, para ir até Luiz Inácio. Essa reforma partidária é uma agenda positiva, Garibaldi. Vamos nos debruçar. Do jeito que está é uma imoralidade. Desculpem, mas acho que V. Exª é a pessoa para acontecer mesmo. Foi Disraeli - aquilo ali não era nada desse Ministro do Exterior - que disse: aja ou saia. O que importa são resultados. Então, vamos fazer isso logo. Seja feliz nessa sua reforma.

O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa.

Mas, Sr. Presidente, preparo-me para concluir o meu discurso dizendo que, mantendo-se o sistema proporcional, segundo o modelo vigente ou o sistema misto, assim denominado, de extração alemã, a cláusula de desempenho tem por objetivo não impedir a fundação nem o funcionamento de partidos, porém, antes, o de assegurar a governabilidade e até mesmo a operosidade do sistema político. Esse foi o objetivo de sua adoção na Alemanha. Como disse há pouco, a cláusula de desempenho já existe em mais de 40 países.

Já a implantação do sistema proporcional em listas, abertas ou não bloqueadas, ficaria condicionada à sua compatibilidade com o modelo de informatização das eleições que adotamos no Brasil.

O grande inconveniente apontado na modalidade de listas fechadas e bloqueadas é, como se tem dito, a influência decisiva das cúpulas, ou das claques partidárias, na escolha de candidatos. Essa restrição, no entanto, pode ser prevenida pela exigência de que convenções partidárias destinadas a escolher os candidatos, em todos os níveis, atendam à existência da participação numa proporção mínima de filiados, garantia que, além de assegurar a democracia interna no âmbito partidário, teria o dom de acentuar o papel ativo e os direitos dos militantes. Porque essa é a critica que se faz, geralmente, à existência de listas. Isso, a meu ver, pode ser corrigido por meio do mecanismo que acabo de sugerir.

Sr. Presidente, encerro as minha palavras, insistindo num ponto essencial. Precisamos melhorar os níveis de governabilidade do País, e não há outro caminho a não ser fazendo as reformas políticas, que até prefiro denominar de reformas institucionais, e, entre elas está, naturalmente, alterar o sistema eleitoral que praticamos. Somente assim vamos ter partidos políticos fortes e melhorar o desempenho do Congresso Nacional e das instituições republicanas: a Federação e a República.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2008 - Página 6626