Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a presença dominadora da China no Tibete.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Reflexão sobre a presença dominadora da China no Tibete.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2008 - Página 6668
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, COMPETENCIA, SERVIDOR, EMISSORA, TELEVISÃO, SENADO.
  • VALORIZAÇÃO, DIRETRIZ, IDEOLOGIA, DEFESA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, SOLIDARIEDADE, SOBERANIA, POVO, BRASIL, MUNDO, REPUDIO, DOMINIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, MORTE, REPUDIO, HISTORIA, DOMINIO, FORÇAS ARMADAS, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, PROVINCIA, EXILIO, LIDER, RELIGIÃO, DEFESA, INDEPENDENCIA, AUTONOMIA, POVO, PROTESTO, RESTRIÇÃO, ACESSO, ENTIDADE, AUSTRIA, AMBITO INTERNACIONAL, OMISSÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMENTARIO, PROXIMIDADE, OLIMPIADAS, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, DEMOCRACIA.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Mão Santa. V. Exª assume a presidência dos trabalhos porque o nosso Presidente Garibaldi vai visitar as dependências da TV Senado. Quero dizer que sinto muito orgulho da TV Senado, principalmente pela forma democrática e equilibrada de transmitir e registrar os trabalhos de todos os Senadores. Parabéns à equipe da TV Senado!

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sou da geração do final dos anos 70. Em 1978, ingressei na Universidade Federal do Amazonas, onde cursei Agronomia. E ali comecei a forjar, naquele final dos anos 70, a minha compreensão acerca da luta em defesa das liberdades democráticas. Eu comecei de forma clandestina, semiclandestina a discutir o Brasil. Venho desse final duro da luta do povo brasileiro por eleições diretas, por liberdades democráticas, pela anistia geral e irrestrita. Então, venho daí.

            Entrei nos anos 80, 90, fazendo esse debate e fui compreendendo melhor não só a luta interna do povo brasileiro por liberdade, por eleições, pela anistia, mas também a importância dessa luta em nível internacional, pelo princípio da solidariedade entre os povos. Foi nessa luta em defesa das liberdades que fui forjando e formando minha compreensão no sentido da defesa da liberdade dos povos, do combate a qualquer tipo de ditadura e, principalmente, contra a tentativa de silenciar os povos.

            Assim como vários Senadores, tenho me manifestado sobre a guerra no Iraque. Registro particularmente o discurso do Senador Eduardo Suplicy, que falou sobre os cinco anos de guerra dos Estados Unidos contra o povo iraquiano. E a minha compreensão, a minha manifestação - e externo minha opinião política - é no sentido de exigir a saída dos Estados Unidos daquele país. O povo iraquiano é soberano para caminhar com seus próprios pés, para fazer a sua história.

            E isso compõe o jogo político internacional no momento em que intelectuais e a imprensa repudiam a violência no Tibete, país que não tem nem três milhões de habitantes, e convive, desde o início do triunfo de Mao Tse-Tung na China, com a dominação do exército chinês sobre seu território.

            O mundo acompanha o que vem ocorrendo no Tibete, e eu quero externar e refletir neste Senado, que tem tradição em defesa das liberdades e da democracia, sobre o silêncio ou sobre a falta de veemência na condenação da presença do exército chinês no Tibete, na condenação dos assassinatos cujos números, em função da presença chinesa no Tibete, ninguém consegue saber exatamente quantos são. A China admite que dezenove monges foram assassinados, mas a imprensa independente, por meio de seus correspondentes, falam em cem neste mês de março, Presidente Mão Santa.

            No dia 10 de março começaram os protestos contra os 58 anos da presença da China no Tibete. São 58 anos! E eles estavam também protestando em função da fuga de Dalai Lama, o décimo-quarto líder espiritual, ocorrida há cerca de 49 anos. O Dalai Lama, que vive na Índia, é ganhador do prêmio Nobel da Paz. Só isso caracteriza o domínio: O Dalai Lama vive na Índia!

            Venho aqui refletir e protestar contra essa violência. Como é que protesto contra a presença americana no Iraque e vou ficar calado frente à presença chinesa no Tibete? Seria um contra-senso.

            A China poderosa, a China que vai sediar os Jogos Olímpicos, deveria ser mais flexível com a história do povo tibetano, que quer, na realidade, a independência do seu povo, a sua autonomia cultural, quer viver como os outros países democráticos vivem.

            Presidente Mão Santa, há um jogo internacional: a Rússia, imediatamente, apóia a China, porque enfrenta em seu território a luta da Tchetchênia por independência. Estou, nesta sessão, primeiro prestando a minha solidariedade à luta do povo tibetano e, segundo, opinando que esse império que é a China, esse poderio econômico que é a China deveria, e deve, flexibilizar, primeiro, para a imprensa internacional, que quer ter acesso ao Tibete, quer visitar o Tibete, mas está proibida de fazê-lo. Por que essa proibição? Por que um organismo como a Anistia Internacional está proibido de visitar o Tibete? Por que a China proíbe a Anistia Internacional de entrar no Tibete? Por que a ONU está calada frente a esse massacre, frente a assassinatos, Sr. Presidente?

            Senador Arthur Virgílio, Líder do PSDB que veio de uma geração de luta em defesa das liberdades, nós não podemos silenciar frente ao que está acontecendo no Tibete. E não falo só em relação aos monges; eu falo é de uma população de quase três milhões de tibetanos; eu estou repudiando a presença militar da China no Tibete.

            Concedo um aparte a V. Exª, Senador Arthur Virgílio.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador João Pedro, o discurso de V. Exª é da maior oportunidade, da maior sensibilidade e revela coerência. V. Exª disse muito bem: pela sua posição ideológica, se manifestou assim no episódio Estados Unidos/Iraque e se manifesta assim também no episódio China/Tibete. Inclusive, o episódio do Iraque foi gravíssimo, porque foram bombardeios unilaterais que dispensaram o aval do Conselho de Segurança da ONU, levando aquele organismo a uma crise de identidade muito grande. A ONU começa a virar Liga das Nações: ou se reforma profundamente, ou precisará ser substituída por algo que restabeleça o império do multilateralismo. Os Estados Unidos têm saída? Têm, e eu desejo a melhor saída para os Estados Unidos, mas uma saída que não seja a da hegemonia absoluta no quadro internacional; que seja a saída de um país capaz de viver em prosperidade, capaz de colaborar com a prosperidade dos demais, mas num quadro multilateral. Eu creio que isso responderá melhor aos anseios da humanidade. Em relação ao Tibete - e o seu discurso me toca porque vem em uma linha que é a que bate com a minha cabeça -, V. Exª fala dos monges. Isso é grave, mas não são os monges somente - V. Exª diz bem -, são as pessoas, é uma nação, é uma cultura, é um povo hoje amordaçado e imprensado por uma potência militar, por uma potência demográfica, algo avassalador do ponto de vista econômico também. E eu, quando vi o Dalai Lama fazendo a sua pregação, pensei com os meus botões: “Aí esta o novo Gandhi”. Pensei assim porque não há chances de vitória militar, não há quaisquer chances. Gandhi não tinha chances objetivas de derrotar o colonialismo inglês, mas o fez, e o fez pela teoria da não-violência. Tenho a impressão de que Dalai Lama, pela não-violência, tem tudo para encarnar o novo Gandhi, até porque a violência não cabe, ela seria expletiva. Ao mesmo tempo, a não-violência tem a capacidade de despertar simpatia pelo mundo, de despertar sanções morais, despertar pronunciamentos. Não vejo que isso prejudique em um milímetro que seja o comércio Brasil/China. A China precisa das nossas commodities - infelizmente vai precisar um pouco menos agora, pois se deixa de crescer 10% ao ano e passa a crescer 7%, vai precisar menos um pouco.

A China precisa das nossas commodities. Vendemos aquilo de que a China precisa, e a China compra com preços que nos agradam e que são extremamente atraentes para nós. Não vejo que percamos em nada economicamente, em nada, se a diplomacia brasileira disser que torce por uma solução pacífica e que espera uma definição que respeite a integridade de um povo, o princípio da não intervenção nos destinos de uma nação, algo coerente com o que fez agora, condenando a invasão de um território de país amigo, no episódio da escaramuça Exército colombiano-Farc. Vejo que seria uma afirmação dizer que somos a favor dos direitos da pessoa humana; somos a favor de democracia, embora entendendo que cada povo se resolva do jeito que pode e de acordo com sua evolução histórica; somos contra a intervenção; somos a favor da autodeterminação dos povos. Volto a dizer que, ontem mesmo, eu estava relaxadamente vendo televisão, e me ocorreu a figura do Mahatma. Eu disse que estamos diante de um novo Mahatma, e tenho a certeza de que o Dalai Lama tem todas as condições de encarnar o Mahatma. Parabéns a V. Exª!

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado, Senador Arthur Virgílio, pelo aparte de V. Exª.

            Quero reafirmar aqui, já concedendo um aparte a este grande humanista, a este grande Senador, que é Eduardo Suplicy, do meu Partido, que a China não tem o direito de esmagar o Tibete. A China domina militarmente esse país, que não tem três milhões de habitantes. Sua população é pequena, são apenas 2,8 milhões de habitantes. Penso que a China, diferentemente dos Estados Unidos, não deve usar a força militar para conversar com seu legítimo representante, que é Dalai Lama. Chega de violência, chega de armas, chega de um grande país dominar o outro pelas armas, pela força!

            Ouço o aparte do Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Caro Senador João Pedro, hoje, vim aqui com a mesma disposição de V. Exª, para também aqui falar uma palavra sobre o Tibete. Gostaria de lhe transmitir que, ainda ontem, uma missa foi realizada na Faculdade São Judas Tadeu, na capela em que, tradicionalmente, o Padre Júlio Lancelotti reza a missa para a comunidade, sobretudo, da Mooca. A capela estava lotada.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Em São Paulo?

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Em São Paulo. Houve a presença de muitas pessoas. Inclusive, muitos casais levaram seus filhos e suas filhas para serem batizados; outros casais comemoraram ali 23 anos ou mais de casamento. Mas, sobretudo, houve uma reflexão sobre a Páscoa e a ressurreição de Jesus Cristo. E também muitos, como o Deputado Paulo Teixeira e eu, ali estivemos para prestar nosso abraço de solidariedade ao Padre Júlio Lancelotti, em função dos episódios ocorridos há alguns meses. Tanto a Polícia estadual do Governador José Serra quanto as autoridades de segurança e também a Justiça chegaram à conclusão de que houve uma denúncia não fundamentada com respeito ao comportamento do Padre Júlio Lancelotti. Lá, portanto, estivemos para prestar solidariedade a ele também, ao povo da rua, a quem ele é tão solidário, bem como aos aidéticos, aos portadores do vírus HIV. Como se sabe, o Padre Júlio Lancelotti é responsável pela Casa Vida, que acolhe crianças filhas de pessoas que não têm mais recursos, às vezes de pais aidéticos. Lá elas são acolhidas com muito carinho e dedicação. Nessa missa de Páscoa, Padre Júlio Lancelotti fez um apelo, inclusive a mim, no sentido de que hoje falássemos sobre o direito do povo tibetano, colaborando para o encontro de um caminho pacífico de entendimento naquele país com as autoridades chinesas. Como me considero um amigo da República Popular da China, onde estive em 1976 e novamente no ano passado, a convite daquele que foi meu tradutor por vinte dias em 1976 e que hoje é o Embaixador da China no Brasil, o Embaixador Chen Duqing, até por respeito a ele, resolvi visitá-lo, no início desta tarde, logo ao chegar a Brasília, antes de me pronunciar a respeito do assunto. Ele agradeceu e prestou alguns esclarecimentos que eu, aqui, gostaria de transmitir a V. Exª. Primeiro, a República Popular da China considera que o Tibete é parte da China. Desde o século XIII até 1911 - portanto, por muitos anos -, como foi mencionado por V. Exª, o Tibete fez parte da China. Por outro lado, no Tibete, até o período em que a República Popular da China passou a administrá-lo, havia um sistema feudal em que se cometiam muitos abusos contra a população. Por outro lado, é importante ressaltar que o próprio Dalai Lama, como líder religioso, como líder espiritual de seu povo, já que é seguidor de Martin Luther King Jr., de Mahatma Gandhi, de todos aqueles que pregam a não-violência, tem transmitido aos monges e ao povo tibetano que quer muito que qualquer manifestação que ali aconteça não seja caracterizada pela violência. E tem-se preocupado, porque algumas das ações acabaram se transformando em ações de violência que requereram da parte das autoridades policiais chinesas certa reação. Segundo o governo chinês e as palavras do Embaixador Chen Duqing, essa reação se dá sempre sem o uso de armas letais, procurando tomar cuidado. Mas é importante ressaltar que 19 pessoas já faleceram nesses últimos dias de ação, desde o dia 10 de março, o que foi mencionado por V. Exª. Por outro lado, convém registrar a iniciativa de Dalai Lama de dizer que se dispõe a ir a Pequim para conversar com o governo chinês, a fim de tentar encontrar uma solução. Ao mesmo tempo, pede aos tibetanos que ajam de forma pacífica. Ademais, explicou-me o Embaixador Chen Duqing que o irmão de Dalai Lama já esteve na China há dois anos, em diálogo direto com as autoridades do governo chinês, e parece que está havendo um possível entendimento, mas ainda não concretizado. Eu me somo às preocupações de V. Exª e espero poder falar ainda hoje sobre o tema.

            Quem sabe possamos nós, brasileiros, contribuir para que surja uma solução de não-violência e de respeito, ainda mais levando em conta que o próprio Dalai Lama expressou que não está reivindicando agora a independência do Tibete, está querendo um diálogo sobre certa autonomia do Tibete e disse que respeitará a decisão de que o Tibete faça parte da China. Então, claro que vamos ter que aprender mais desses acontecimentos...

(Interrupção do som)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...de uma região tão longínqua. Mas o que desejamos é que haja um entendimento para o sucesso dos Jogos Olímpicos de Pequim, a fim de que não sejam caracterizados por ações de violência, de terror, como, por exemplo, aconteceu em Munique, quando ações terroristas acabaram matando diversos atletas que estavam lá pacificamente para participar das competições esportivas. Avalio como muito importante a preocupação de V. Exª, que guarda relação com esse propósito de...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...resolução pacífica para encontrar o caminho para o povo tibetano.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado, Senador Suplicy.

            Presidente Mão Santa, serei rápido, a fim de que possa concluir.

            O Senador Suplicy, meu companheiro de Partido, levanta uma questão que diz respeito aos jogos olímpicos, que estão chegando.

            Mas não tenho dúvida de que alguém vai boicotar a China pela conjuntura econômica. Não estamos nos anos 80, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão e os Estados Unidos propuseram o boicote aos jogos olímpicos de Moscou. Lamentavelmente,....

(Interrupção do som.)

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - ...não tem o protesto contundente dos anos 80; a conjuntura é outra.

            Não vou mudar o meu discurso, até pela coerência da minha militância, acerca de condenar essa violência contra o povo tibetano.

            É verdade que o grande líder espiritual Dalai Lama está dizendo isso. Já está falando de autonomia. Não sei se o coração do Dalai Lama não pede outra proposta.

            Não podemos, de forma alguma, em pleno século XXI, concordar com a presença militar chinesa lá no Tibete. Não podemos concordar, e quanto a isso espero que haja uma saída pacífica evidentemente, que a China converse com Dalai Lama e busque um caminho de modo que prevaleça, Sr. Presidente, a autodeterminação dos povos, que não haja repressão, que não haja proibição de a imprensa conhecer a realidade do Tibete e que o povo tibetano, no final desse processo duro, porque lá vive amordaçado - essa é a verdade -, possa encontrar o caminho da democracia, da liberdade e da autodeterminação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2008 - Página 6668