Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso do Bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia, da Universidade Federal da Bahia.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso do Bicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia, da Universidade Federal da Bahia.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2008 - Página 6762
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, FACULDADE, MEDICINA, ESTADO DA BAHIA (BA), PIONEIRO, BRASIL, REGISTRO, HISTORIA, FUNDAÇÃO, EPOCA, CHEGADA, CORTE IMPERIAL, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, MEDICO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA), EXISTENCIA, MUSEU, BIBLIOTECA, FACULDADE, MEDICINA.

O SR. FLEXA RIBEIRO (PSDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs Senadores, a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, foi um dos acontecimentos mais importantes da História colonial brasileira. O pouco tempo em que D. João VI e a família real permaneceram na Bahia, um mês e dois dias, foi suficiente para que se registrassem alguns fatos de relevância nacional.

Após abrir os portos do Brasil às nações amigas de Portugal, D. João VI assinou, em 18 de fevereiro de 1808, o documento que mandou criar a Escola de Cirurgia da Bahia, no antigo Hospital Real Militar da Cidade do Salvador, que ocupava o prédio do Colégio dos Jesuítas, construído em 1553, no Terreiro de Jesus.

Na realidade, essa data tem uma história e um personagem, além de D. João. A história é a da passagem da família real pela Bahia. O personagem é o médico pernambucano José Corrêa Picanço, nascido na então vila de Goyana, figura expressiva da Corte lusa, cirurgião-mor do Reino, amigo próximo do futuro Rei D. João VI e membro de alto nível das mais conceituadas entidades governamentais portuguesas. Pelos serviços prestados ao País, seria agraciado com o título de Barão de Goiana.

Com a vinda da família real, Corrêa Picanço imediatamente sentiu a ausência de infra-estrutura médica na colônia. Iniciou, então, o processo de convencimento de D. João para sanar com urgência a falha, que seria agravada com o processo imigratório crescente decorrente da vinda da Coroa para o Brasil.

Sua luta foi compensada em 18 de fevereiro de 1808, com a criação, pelo Regente, da Escola de Cirurgia da Bahia, no então Real Hospital Militar. Daria ênfase ao curso de Obstetrícia, associando-o ao de Anatomia, sua grande paixão, do qual já era professor em Lisboa e Coimbra. A Corrêa Picanço devemos o pioneirismo no uso de cadáveres humanos no ensino de Anatomia, que, até então, fazia uso de animais, inclusive em Portugal. Também lhe é atribuída a autoria da primeira operação cesariana, com êxito, feita no Brasil. Foi em 1823, em Recife, em uma mulher negra, que sobreviveu, apesar dos índices de mortalidade na época serem altíssimos, mesmo na Europa. Segundo um seu biógrafo essa foi “a primeira estupenda operação de tal natureza que se fizera nessa província”.

Sr. Presidente, em 1º de abril de 1813, a Escola fundada por D. João se transformou em Academia Médico-Cirúgica. Em 3 de outubro de 1832, ganhou o nome de Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb), que guarda até hoje, agora como parte do complexo da Universidade Federal da Bahia.

Situada entre igrejas, conventos e casarões coloniais, o Brasil viu nascer dentro da Fameb sua ciência médica e conheceu grandes nomes -professores, cientistas e alunos.

Sua intensa atividade em prol da saúde no Brasil, entre milhares de testes e estudos realizados, gerou pesquisas tropicalistas, médico-legais, psiquiátricas e antropológicas, determinando a expansão da cultura médica nacional e consolidando procedimentos avançados no tratamento de doenças típicas do País.

As atuações em ensino e pesquisa de vultos como Manuel Vitorino, Afrânio Peixoto, Nina Rodrigues, Oscar Freire, Alfredo Brito, Juliano Moreira, Martagão Gesteira, Prado Valadares, Pirajá da Silva e Gonçalo Muniz projetaram nacional e internacionalmente a Faculdade.

Sr. Presidente, a Bahia, sempre em destaque na política nacional, não poderia alienar a sólida formação humanística dos mestres da Fameb e sua influência na comunidade. Assim, os salões da Faculdade serviram de palco para acirradas discussões, agitados debates e até mesmo lutas armadas, que marcaram decisivamente os rumos tomados pelo contexto social e político nacional - como na Guerra do Paraguai, na Guerra de Canudos e na Segunda Guerra Mundial.

Srªs e Srs. Senadores, tão rica história não poderia ficar perdida na noite do tempo, nem esmaecida pela nuvem do esquecimento. Assim, todo o precioso acervo histórico da Faculdade, de sua fundação até os dias de hoje, foi recolhido e catalogado pela Universidade Federal da Bahia para compor o extraordinário acervo do Memorial da Medicina, organizado no Reitorado Macedo Costa.

Ocupando os nove salões da antiga Escola criada por D. João, o Memorial é o mais importante documentário do ensino médico do Brasil. Mais de 5 milhões e 300 mil páginas de documentos, incluindo teses, pedidos de matrícula, pesquisas e experiências de gerações de cientistas se juntam no notável patrimônio do Memorial da biblioteca, com aproximadamente 40 mil títulos, entre os quais se destacam livros raros dos séculos XIV ao XIX - inclusive a raríssima coleção completa da Flora Brasiliensis, de Martius -, alguns em latim, outros versando sobre alquimia, à pinacoteca, com mais de 200 retratos de mestres pintados por famosos artistas baianos - a maior da Bahia -, e ao suntuoso mobiliário, que se distribui, principalmente, no Salão Nobre e na Congregação.

Fato notável sobre a importância da Faculdade de Medicina para o povo baiano é o fato de que, após ser destruída por um incêndio, em 1905, com perda de inúmeros livros, teses e memória histórica da Faculdade, a biblioteca foi recuperada e, em 1909, com a colaboração de professores, alunos, médicos e amigos da Medicina, que doaram suas coleções particulares, surge uma nova biblioteca.

O Memorial de Medicina oferece a todos os interessados o material e as emoções necessárias ao estudo da Medicina no Brasil. Ele é uma inesgotável fonte de cultura histórica, de pesquisa e de consulta para turistas, estudantes e cientistas do Brasil e do exterior.

Neste início do século XXI, a Fameb continua trilhando seus caminhos de excelência, formando médicos e proporcionando-lhes cursos de pós-graduação e especialização do mais alto nível.

Neste ano de 2008, a classe médica brasileira, em particular, e o próprio País, em geral, têm uma significativa data a comemorar: dois séculos do estabelecimento do ensino médico em nossa terra.

Que não apenas os profissionais de Medicina se lembrem do fato. Que o Ministério da Educação, as universidades, as entidades médicas e todos aqueles que se julgam responsáveis por essa formação profissional na nossa Pátria façam coro para celebrar esse feito memorável, que nos coloca entre as nações com maior tradição no ensino da Medicina.

Não é por outra razão, Sr. Presidente, que nossos profissionais médicos se destacam aqui e no exterior, seja no exercício da Medicina, seja no ensino ou na pesquisa científica. Que o espírito de Hipócrates continue iluminando nossos mestres e permita que a Faculdade de Medicina da Bahia continue a formar os excelentes médicos que de seus bancos têm saído, desde os idos de 18 de fevereiro de 1808.

Ao Professor Doutor José Tavares Neto, Diretor da Fameb, ao Professor Doutor Naomar Monteiro de Almeida Filho, Magnífico Reitor da Universidade Federal da Bahia, e a todos os professores e servidores da Faculdade de Medicina da Bahia, meu votos de continuidade no profícuo trabalho em prol da Medicina nacional e da saúde do povo brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2008 - Página 6762