Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância das conquistas democráticas do ano de 1968 para a história do Brasil.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL. REGIMENTO INTERNO.:
  • Importância das conquistas democráticas do ano de 1968 para a história do Brasil.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2008 - Página 7339
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL. REGIMENTO INTERNO.
Indexação
  • ANALISE, ANTERIORIDADE, PERIODO, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MOVIMENTO ESTUDANTIL, DEFESA, DEMOCRACIA, PAZ, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, AUTORITARISMO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VIETNÃ, FRANÇA, TCHECOSLOVAQUIA, ESPECIFICAÇÃO, REALIZAÇÃO, PASSEATA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), LUTA, REGIME MILITAR.
  • HOMENAGEM, ESTUDANTE, VITIMA, HOMICIDIO, POLICIAL MILITAR, PERIODO, REGIME MILITAR, MOTIVO, REPRESSÃO, MOVIMENTO ESTUDANTIL, COMENTARIO, INSUFICIENCIA, INDENIZAÇÃO, FAMILIA, DEFESA, RECEBIMENTO, PENSÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA).
  • COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, REGIME MILITAR, REPRESSÃO, POPULAÇÃO, CONGRESSISTA, UTILIZAÇÃO, TORTURA, DEBATE, IMPORTANCIA, ATUALIDADE, LEGADO, COMBATE, AUTORITARISMO, VALORIZAÇÃO, COMBATENTE, REFORÇO, DEMOCRACIA, IMPEDIMENTO, REPETIÇÃO, DITADURA.
  • COMENTARIO, ANIVERSARIO, DEPOSIÇÃO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSTALAÇÃO, DITADURA, REGIME MILITAR, CRITICA, DEFENSOR, ALEGAÇÕES, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, INSTAURAÇÃO, COMUNISMO, DISTURBIOS CIVIS, ACUSAÇÃO, COMBATE, REFORMA AGRARIA, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, IGUALDADE, NATUREZA SOCIAL, DEMOCRACIA.
  • DEFESA, ABERTURA, ARQUIVO HISTORICO DO EXERCITO, PERIODO, REGIME MILITAR, BENEFICIO, FAMILIA, PRESO POLITICO, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE.
  • QUESTIONAMENTO, CUMPRIMENTO, REGIMENTO INTERNO, SENADO, DEFESA, REFORMULAÇÃO.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, Srs. Senadores, Sr.ªs Senadoras, o ano de 1968 foi marcante para a história do País e do mundo. Mobilizações estudantis e populares colocavam em cheque a ditadura militar no Brasil. No dia 28 de março daquele ano, era assassinado no restaurante Calabouço, do Rio de Janeiro, o estudante paraense Edson Luís de Lima Souto, secundarista e filho de uma humilde família do meu Estado. Foi mortalmente ferido por uma bala disparada por um soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro integrante da tropa de choque, que invadiu o local na repressão às manifestações estudantis.

            Passaram-se quarenta anos. Como socialista e democrata, não poderia deixar de marcar a passagem desse importante episódio, ao mesmo tempo em que manifesto minha solidariedade aos familiares de Edson Luís, tanto aqueles que residem no Pará como aqueles que, porventura, permaneceram no Rio de Janeiro.

            O ano de 1968 deixou marcas permanentes na história das lutas sociais e políticas pelo mundo. Foi o ano em que Martin Luther King foi assassinado na cidade de Memphis, no Tennessee, por uma fascista, branco e racista, que, de forma covarde, tirou a vida do líder que pregava a paz e a concórdia entre brancos e negros. Seu nome, porém, entrou para a história como o símbolo da luta contra a intolerância e o racismo nos Estados Unidos e no mundo.

            Registro que foi em 1968 que os estudantes franceses ocuparam as ruas e ergueram barricadas em Paris e nas principais cidades da França em luta e mobilização contra as políticas conservadoras de Charles de Gaulle. Os estudantes receberam o apoio de diversas categorias de trabalhadores e de outras entidades representativas da intelectualidade e de setores de vanguarda do mundo artístico e cultural, fazendo com que o Governo recuasse de suas políticas repressivas contra o movimento estudantil francês.

            Em 1968, houve a ofensiva do exército popular no Vietnã e das forças guerrilheiras do Vietcong contra o exército invasor norte-americano naquele país do sudeste da Ásia. Apesar de o Presidente Lyndon Johnson ter promovido a escalada da guerra e enviado milhares e milhares de jovens soldados ao Vietnã, onde muitos deles perderam a vida nos campos de batalha, e de ter ordenado o criminoso bombardeio de Hanói pela mais mortífera arma de guerra de que dispunha os Estados Unidos, que foram os superbombardeiros B-52, o povo vietnamita resistiu e começou a virar o quadro da guerra a seu favor, até que, em 1975, os norte-americanos saíram corridos daquele país e sofreram a mais humilhante derrota militar e política de que se tem notícia na história.

            Foi em 1968 que o Brasil assistiu à Passeata dos Cem Mil, que seguramente foi o maior ato de resistência e de mobilização contra a ditadura militar, realizado nas ruas centrais do Rio de Janeiro, e que teve como centralidade a luta pelo fim da ditadura militar e por liberdades políticas.

            Foi o mais contundente protesto contra a ditadura e contra o assassinato do estudante paraense Edson Luís. A passeata reuniu estudantes, populares, intelectuais, artistas, líderes estudantis, entre outros, e destacava-se entre eles o líder estudantil Vladimir Palmeira, que fazia discurso de combate à ditadura e foi um dos principais líderes estudantis à época.

            O meu objetivo era fazer tão-somente uma homenagem ao estudante paraense Edison Luís, pela passagem dos 40 anos de seu brutal e covarde assassinato pelas forças da ditadura. Porém, é preciso que a nação nunca se esqueça da importância das conquistas democráticas alcançadas em muitos anos de lutas e de sacrifícios de gerações de brasileiros, inclusive daqueles que deram a própria vida para que hoje pudéssemos, livremente, utilizar essa tribuna e relembrar os fatos de 1968.

            Não poderia deixar de registrar que foi em 1968 que as tropas soviéticas, apoiadas pelo chamado Pacto de Varsóvia, invadiram a Tchecoslováquia, reprimindo violentamente a população em Praga, colocando fim ao sonho de uma via democrática ao socialismo naquele país, que era o que os manifestantes exigiam em todo o país. Não era, como a União Soviética alegava, um movimento de retorno ao capitalismo, e sim a implantação de um novo modelo de socialismo, com a participação popular e o fim da burocracia estatal, opressora e policialesca.

            Tivemos um episódio que trouxe profundo mal-estar ao Congresso Nacional, que foi a cassação do então Deputado carioca Márcio Moreira Alves, por ter feito um discurso criticando a ditadura. Depois desse episódio, aconteceram muitas outras cassações políticas.

            Para encerrar 1968, em 13 de dezembro, o então general Costa e Silva, presidente escolhido pela Junta Militar, decreta o AI-5, o famigerado Ato Institucional nº 5, pelo qual cassa todas as poucas liberdades que ainda existiam e fecha de vez o regime, iniciando feroz perseguição a todo e qualquer opositor.

            Durou dez anos a vigência desse instrumento de exceção. Foi o período mais triste da história do Brasil. Opositores foram eliminados, o Congresso foi fechado, Deputados foram cassados por denunciarem os crimes da ditadura, a tortura foi institucionalizada em vários setores das Forças Armadas e em vários órgãos policiais do País. Vivemos um Estado de Sítio, a partir de 1968, mesmo não tendo sido oficialmente decretada sua vigência.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero registrar, ao lembrar a memória, a história e a luta de Edson Luís de Lima Souto, que o Governo Popular de Belém, dirigido, no período de 2000 a 2004, pelo ex-Prefeito, professor Edmilson de Brito Rodrigues, construiu em Guamá, popular bairro da cidade de Belém, capital do Estado do Pará, a Escola Edson Luis de Lima Souto, de ensino fundamental, uma forma de homenagear Edson Luís como símbolo daquela luta, da revolta da juventude, principalmente dos estudantes, contra os horrores da Ditadura.

            Ao lembrar essa iniciativa do Governo Edmilson Rodrigues, em Belém, gostaria também de dizer que a família de Edson Luís foi indenizada com o valor de R$130 mil. Foi o suficiente para comprar uma casa para sua mãe, Dona Maria, que tem hoje tem 84 anos de idade, mas passa, evidentemente, por muitas privações. Razão por que, Sr. Presidente, Papaléo Paes, Dona Maria de Lima Souto, ao ir ao Rio de Janeiro participar dos eventos pela memória de Edson Luis, na última semana, fez questão de reivindicar - a meu ver, de forma justa e necessária - uma indenização que, de fato, garanta melhor qualidade em seus últimos dias de vida, tendo em vista sua idade já avançada. Dirigiu esse pedido ao Governo Federal, especialmente ao Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

            O Ministro respondeu-lhe, afirmando sua impossibilidade de atender o pleito, tendo em vista a família já ter sido agraciada com uma indenização por conta do assassinato de Edson Luis, indenização que se revelou insuficiente para a sobrevivência digna da família de Edson Luis. O Sr. Ministro Paulo Vannuchi disse da impossibilidade do atendimento desse pleito, mas dirigiu um apelo à Governadora Ana Júlia, do Pará, ao qual me somo, no sentido de que o Governo do Pará envie um projeto de lei à Assembléia Legislativa, concedendo uma pensão à família de Edson Luis de Lima Souto, como parte do compromisso do Estado brasileiro para reparar aquele bárbaro crime, a vida ceifada de quem, na verdade, não fazia outra coisa senão reclamar pelo justo direito, pelas liberdades democráticas, àquela época cerceada pela ditadura, quando qualquer reunião, qualquer manifestação era vigiada, as pessoas, os dirigentes, os militantes, os opositores do regime eram tratados como inimigos mortais que deveriam ser abatidos, eliminados, exilados e cassados.

            Concedo um aparte ao Senador Sibá Machado.

            O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador José Nery, V. Exª traz um assunto importante para a tarde de hoje, ao tratar sobre esse momento da vida do nosso País. Eu queria lembrar ainda que ouvi de um militar - que foi um dos protagonistas dos episódios daquela época - argumento de que a força do poder do momento exigiu os seus métodos e que havia, no Brasil e na América do Sul, uma campanha que justificava esses métodos. E a gente, às vezes, fica vivendo experiências ainda hoje, como é o caso de Cuba, cujos métodos alguns acham que não se justificam. A Guerra Fria fez com que a democracia norte-americana financiasse essas campanhas em vários lugares do mundo, o que ocorreu no Chile, no próprio Brasil, no Uruguai, no Paraguai. O que podemos dizer sobre o que foi a ditadura de Franco na Espanha, o que foram as idéias e os métodos de Adolf Hitler e de tantos outros que usam dessas campanhas de retirar a liberdade das pessoas e até o seu direito de viver? Como alguns disseram, guerra é guerra, mas acho que o Brasil tem de insistir em que o nosso caminho não é esse. Nosso caminho é o da democracia, o do debate das idéias, mas com forte respeito à pessoa, à individualidade da pessoa. Portanto, ao falar das liberdades individuais, temos de deixar de lado essas paixões e voltar a reafirmar, para que o Brasil e o mundo nunca mais tenham que se utilizar desses métodos de sacrifício de pessoas para imposição de determinado poder. V. Exª está de parabéns. Agradeço por ter me concedido o aparte.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Agradeço, Senador Sibá Machado, pelas suas considerações e as incorporo ao meu pronunciamento, com a clara consciência e convicção de que esses fatos vivenciados em 1968, ou a partir de 1964, que tanto prejuízo causaram à democracia e às liberdades democráticas, não mais se repitam no nosso País. Mas também é verdade que, por ser parte da nossa história, triste, evidentemente, devemos lembrá-los, sem saudade alguma, mas como parte da nossa luta e reafirmação da luta de todos os brasileiros e brasileiras para que o País jamais venha a vivenciar aqueles momentos tão trágicos.

            Reconheço, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o flashback não trata de tudo que aconteceu naquele ano. Porém, quis prestar minha homenagem aos familiares de Edson Luis pela tragédia de que foram vítimas naquele fatídico 28 de março, esperando que nunca mais nosso País tenha uma ditadura militar.

            Eu queria fazer também referência ao livro do brilhante jornalista e escritor Zuenir Ventura, que escreveu 1968 - O Ano que não Terminou, tendo em vista que muitas daquelas bandeiras que foram erguidas nas ruas, que muitas daquelas barricadas da luta política efervescendo no País, de norte a sul, em manifestações gigantescas, especialmente de estudantes e de trabalhadores, pelo fim da ditadura, foram um marco fundamental na definição e na divulgação de idéias e de propostas que, ainda hoje, são muito presentes e atuais.

            Portanto, ao fazer essa homenagem à memória de Edson Luis, lembramos esse registro brilhante do jornalista e escritor Zuenir Ventura, que retrata, com muita fidelidade, os fatos e os episódios que marcaram aquela quadra histórica.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador José Nery,...

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Concedo, com bastante satisfação, o aparte ao Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª recorda momentos dos anos 60, após a instalação do regime revolucionário, mas eu quero dizer aqui - e o Rio de Janeiro está representado muito bem por Dornelles - que o País tem de prestar homenagem a um momento que Deus me permitiu presenciar. Papaléo Paes, Flávio Cavalcanti levava para o Maracanã, o ano inteiro, as melhores músicas. Eu estava lá, acompanhando umas médicas residentes - eu não sou bom de música, não. Aí ganhou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. Mas o povo aclamava porque queriam que ganhasse a música de Geraldo Vandré. Esse é que foi o ícone da redemocratização. Eu me lembro, Dornelles, no Maracanãzinho, ele pegou a cadeira de pau e o violão e disse: minha gente, a vida não se resume a festivais. O júri está ali para julgar e eu estou aqui para cantar. Vamos cantar: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Esse foi o hino da redemocratização que nós, estudantes, cantamos. Eu era Médico residente, Senador. Esse foi o hino nacional número dois, o da redemocratização. Então, eu quero que V. Exª também veja como incluir entre esses homenageados o Geraldo Vandré, autor do hino da redemocratização, que tem hoje mais de quarenta anos. E para motivar essa mocidade estudiosa que está apática e que o seu Governo está desvirtuando das liberdades estudantis.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Mão Santa, sem dúvida, a sua lembrança de Geraldo Vandré, compositor e músico que cantou Para Não Dizer que Não Falei de Flores, que de fato se tornou o hino nacional da resistência democrática e popular daquele período, a qual motivou a manifestação de rebeldia da juventude do nosso povo contra aquele estado de coisas. É uma lembrança e uma justa homenagem a quem também se rebelou com a arte e com o que ela pode proporcionar em termos de apreciação...

(Interrupção do som.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - ...da realidade que o Brasil vivia. Sem dúvida, lembrar Geraldo Vandré neste momento significa lembrar todos os artistas que com sua criação, na música, no teatro, no cinema, nas mais diversas formas de expressão da arte, foram capazes de lutar e resistir para que nós hoje pudéssemos ter o grau de liberdade política de que desfrutamos no País.

            É bom lembrar que há pouco mais de 20 anos fazer um pronunciamento com o teor do que estou fazendo aqui hoje, se eu fosse Parlamentar à época - e muitos o foram e enfrentaram o poder de então - eu poderia sair da tribuna do Congresso preso e algemado.

(Interrupção do som.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, peço um pouco mais de tempo para que possamos concluir, não sem antes conceder um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Senador José Nery, permita-me solicitar a V.Exª que não conceda mais apartes porque o seu tempo já foi esgotado. E que concederei mais dois minutos para V.Exª concluir seu discurso. 

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Papaléo Paes, desculpe-me V. Exª na Presidência.

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Pois não.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Eu tenho profundo respeito pela condução dos trabalhos, quando V. Exª está dirigindo à Mesa, assim como o tenho pelos demais colegas. Mais parece marcação. Eu sei que, muitas vezes, vou além do tempo regimental permitido, mas aqui V. Exª há de convir comigo - e eu gostaria de reconhecer a forma democrática como V. Exª dirige os trabalhos - e pedir que, como se trata de um tema da história recente do nosso País, a gente pudesse aqui dialogar e conceder aparte a alguns colegas Senadores. Eu sei que o próximo orador é o Senador Neuto de Conto. Tenho certeza de que contaria com S. Exª para eu pudesse estender-me mais uns cinco a dez minutos, de modo que eu pudesse receber os apartes daqueles que desejam apartear. 

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Está determinado o seguinte: V. Exª não será tolhido de fazer uso da palavra. V. Exª terá os dois minutos já concedidos para fazer uso da palavra. Todos os temas aqui discutidos são de muita importância. Inclusive, esse deverá ser discutido ainda hoje, por se tratar do dia 31 de março. Então, peço a sua compreensão.

            O Senador Eduardo Suplicy já está completamente consciente da contribuição que dará aos demais oradores inscritos, para que nós possamos ouvir de V. Exª, o autor do grande tema trazido por esta Casa, a conclusão devida, sem querer atropelar este momento final do seu discurso. V. Exª, a partir de agora, terá mais dois minutos.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, queria conceder o aparte ao Senador Eduardo Suplicy. Insisto que V. Exª me conceda mais cinco minutos.

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PMDB - AP) - Vou decidir, então, como Presidente. O aparte concedido ao Senador Eduardo Suplicy será descontado do seu tempo e não lhe darei acréscimo nenhum, se for o caso. V. Exª fará a opção democrática.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Exatamente. A opção democrática é conceder aparte ao Senador Eduardo Suplicy e voltar a esta tribuna para discutir essas regras. Há colegas aqui que, numa mesma sessão, falam 50 vezes, interrompem a sessão 200 outras. Sei que não está correto, mas até que seja estipulado aqui, de forma clara e transparente, o cumprimento do Regimento, vamos ter de tratar esta questão com certa rebeldia a fim de que o Regimento seja cumprido. Sei que V. Exª tem a obrigação de cumprir o Regimento. Entendo qual é o papel do Presidente e tenho profundo respeito por todos os que estão na direção dos trabalhos: o senhor, o Senador Mão Santa, o Senador Garibaldi Alves.

            Gostaria de conceder um aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, embora seja descontado do meu tempo. Mas sei que o Presidente vai ser condescendente e me concederá mais um ou dois minutos. Muito obrigado.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador José Nery, enalteço a homenagem que V. Exª faz a Edson Luiz, estudante que deu sua vida à defesa da liberdade e dos direitos da cidadania. Felizmente, depois de 44 anos, neste 31 de março, estamos vivendo um período de liberdade de expressão, de realização de eleições livres e diretas; todos os municípios brasileiros hoje vivem um momento de escolha de seus candidatos. Meus cumprimentos a V. Exª, Senador José Nery, pela homenagem que faz neste 31 de março.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy, apesar de eu ter elaborado um pronunciamento para reverenciar a memória de Edson Luiz de Lima Souto, estudante paraense assassinado em 28 de março de 1968, eu não poderia deixar de registrar a passagem do dia de hoje: 31 de março. Foi nesse dia ou na madrugada de 1º de abril de 1964 que tanques e tropas do Exército marcharam contra o Governo democrático do então Presidente João Goulart e implantaram 21 anos de uma ditadura sanguinária, com perseguição e mortes a todos que ousaram lutar contra o totalitarismo e a falta de liberdade naquele período.

            Ás vezes, quando nos referenciamos à passagem deste dia e falamos de suas trágicas e tristes conseqüências para a história recente de nosso País, alguns setores das Forças Armadas e políticos conservadores, principalmente aqueles que representam os velhos setores golpistas contra-atacam dizendo que o País iria mergulhar na anarquia, na baderna e no comunismo. Nada mais falso e sem sustentação do ponto de vista histórico. Talvez o Brasil tivesse dado um grande salto em sua história rumo ao progresso social e ao desenvolvimento econômico, se as chamadas reformas estruturais ou reformas de base tivessem sido implantadas no Governo de João Goulart.

            O que os setores conservadores não admitiam naquele momento e que lutam contra até hoje são as reformas nos setores mais importantes da vida nacional. Quero falar da reforma agrária, da reforma educacional, da reforma tributária, das reformas de base que de fato...

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Senador Nery, eu vou-lhe dar mais um minuto, lembrando que o Regimento Interno não serve para ninguém fora desta Casa. Ele serve para proteger os nossos direitos aqui, os direitos dos Senadores, e a mais ninguém. É por isso que nós usamos o Regimento como uma forma de tentar equilibrar os direitos aqui, porque sabemos que Senadores que têm mais tempo de Casa, mais experiência, sempre têm alguma prerrogativa de tempo a mais do que outros, o que não pode. Isso eu sinto também porque eu sou novato na Casa. Mas, por eu ser novato na Casa, eu procuro respeitar com mais rigor esse Regimento, porque me incomoda quando outros Senadores passam a ter mais tempo do que nós. Então, estamos nos protegendo.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Papaléo Paes. E aqui invoco o princípio fundamental da Constituição: “Todos são iguais perante a lei.” Aqui dentro também. O problema é que alguns querem ser mais iguais do que outros. Então, compreendo perfeitamente e estou de acordo com o senhor para o cumprimento do Regimento. Agora, é preciso uma vigilância para que todos façam o mesmo.

            O que os setores conservadores, como eu dizia, Sr. Presidente Papaléo, não concordam são essas reformas - e não as aceitam - que, de fato, poderiam ter contribuído para o Brasil se transformar, nas últimas três décadas, realmente numa verdadeira democracia, garantindo igualdade de condições nas diversas políticas sociais e na gestão pública a todos os brasileiros. No entanto, fomos privados de escolher nossos representantes pelas eleições diretas.

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Fomos privados da contribuição de milhares e milhares de intelectuais, de pesquisadores, que tiveram de deixar o Brasil e servir no exterior por conta da perseguição.

            Portanto, na data de hoje, 31 de março de 2008, 44 anos após aquele trágico 31 de março de 1964, queremos reverenciar e homenagear a memória de todos e todas que lutaram por liberdades democráticas.

            Gostaríamos muito que o Governo do Presidente Lula - ele mesmo, como eu e tantos, produto da luta da resistência popular e democrática - abrisse os arquivos da ditadura...

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - ... os arquivos em que estão registrados todos os malfeitos, os crimes que foram cometidos contra cidadãos brasileiros. Que os arquivos do Estado brasileiro sejam abertos às famílias dos perseguidos, ao Congresso e a toda a sociedade como forma, sim, de sepultarmos aquele momento tão trágico em nossa história e de continuarmos a construir um Brasil mais livre, mais justo e mais digno.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2008 - Página 7339