Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto pela operação que está sendo preparada pela Polícia Federal na Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Protesto pela operação que está sendo preparada pela Polícia Federal na Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2008 - Página 7352
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, RETIRADA, FAMILIA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), INSUFICIENCIA, INDENIZAÇÃO, ACUSAÇÃO, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, POLICIAL, DESRESPEITO, POPULAÇÃO.
  • CONTESTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), COMENTARIO, ANTERIORIDADE, ABERTURA, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, EXTENSÃO, AREA, ACUSAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, ACEITAÇÃO, PROPOSIÇÃO, CRITICA, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL.
  • QUESTIONAMENTO, RECOMENDAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, ESTADO DE RORAIMA (RR), CANCELAMENTO, VISITA, DEPUTADO FEDERAL, IMPEDIMENTO, ENTRADA, OFICIAL GENERAL, RESERVA INDIGENA, ADVERTENCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, INTERESSE, OBTENÇÃO, AUTONOMIA, REGIÃO.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), EMPENHO, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, VIOLENCIA, FORMALIZAÇÃO, DESIGNAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, ACOMPANHAMENTO, SITUAÇÃO, GARANTIA, TOTAL, FAMILIA, RECEBIMENTO, MELHORIA, INDENIZAÇÃO.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, JULGAMENTO, LIMINAR, CESSAÇÃO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu fiz, em agosto do ano passado, desta Tribuna, uma denúncia de que a Polícia Federal, atendendo a orientação do Ministério da Justiça, a pedido da Fundação Nacional do Índio, estaria preparando uma verdadeira operação de guerra no meu Estado. Por alguma razão, essa operação foi adiada, até porque nem o Governo do Estado concordou em ceder, por exemplo, policiais militares ou da Polícia Civil, para ajudar a Polícia Federal nesse trabalho, nem as Forças Armadas também concordaram em dar apoio logístico para essa operação.

            Agora, o que se fez? A Polícia Federal, primeiramente, deslocou para Roraima uma quantidade enorme de ônibus, de funcionários, e montou uma base num prédio da extinta Conab, em Roraima - ou Cobal. Hoje, já começa algumas ações, inclusive com a prisão do Prefeito de Pacaraima, Município que tem uma parte localizada dentro da reserva, mas outra parte localizada dentro de outra reserva. A situação, Sr. Presidente, é de verdadeira guerra lá dentro.

            O jornal O Estado de S. Paulo publicou, com destaque de primeira página: Raposa Serra do Sol, conflito com data marcada.

            Tem aqui a fotografia de dois índios na capa do jornal e depois: “Polícia Federal chega a Raposa Serra do Sol para tirar não-índios da reserva”. “Operação Upatakon pode mobilizar até 500 homens para expulsar comerciantes e arrozeiros de área em Roraima”. Primeiro, Sr. Presidente, é pena...

            E na outra página temos: “Tuxauas se sentem como novos guardiães da fronteira”. “Cansado de brigar com autoridades indígenas, o último grande comerciante branco do Mutum foi embora”. Mutum é uma cidade na fronteira com a Guiana.

            Então, Sr. Presidente, essa demarcação, nós a contestamos desde o início, e lamentavelmente o Presidente Lula não honrou o compromisso que assumiu com as Bancadas de Roraima na Câmara e no Senado. Inspirado inclusive por ele, quando era Líder do Governo o Deputado Aldo Rebelo, houve uma comissão externa na Câmara e outra no Senado para apresentar ao Presidente solução que resolvesse a questão da demarcação de forma pacífica.

            Ambas as comissões, a da Câmara relatada pelo ex-Deputado Lindberg Farias e a do Senado relatada pelo Senador Delcídio Amaral, apresentaram um relatório igual, porque não havia como ser diferente depois de terem andado por lá, ouvido os índios e os não-índios.

            Mesmo assim, o Presidente demarcou contrariamente a todas as sugestões dadas. Isso implica, Sr. Presidente, retirar daquela área 458 moradores. Não são apenas comerciantes e arrozeiros, são 458 famílias. Quem diz isso é a própria Funai, que identificou esses moradores e que, inclusive, fez, unilateralmente, a avaliação das benfeitorias de forma miserável e até indigna. Mas dessas 458 pessoas, algumas já saíram mesmo, porque não agüentaram mais a pressão; outras, estão ainda querendo permanecer, porque, primeiro, não foram indenizadas, e, segundo, não concordam com a indenização. 

            Mas o Governo Federal já fez duas operações: na primeira, gastou mais de R$1 milhão; na segunda, gastou R$1.223 milhão. Foram duas operações: a primeira de intimidação; e a segunda de revista de todas as propriedades. E agora, essa terceira - para a qual, com certeza, vão ser gastos muito mais de R$4 milhões - é para quê? Para expulsar brasileiros. E de que área, Sr. Presidente? De uma área de fronteira com a Venezuela e com a Guiana, encaixada dentro de uma área que a Venezuela chama de “zona de reclamação” - quer dizer, uma área que a Venezuela não reconhece como sendo da Guiana, uma área que é de litígio.

            Aqui, até para o pelotão do Exército ser construído foi preciso ir à Justiça, porque nem o Ministério Público concordava que se construísse uma unidade militar lá.

            Para completar esse episódio - eu acabei de receber a informação de que o Prefeito da cidade foi preso - a Polícia Federal está fazendo esse terrorismo. Eu gostaria muito de apelar, aqui, para que o Diretor-Geral da Polícia Federal orientasse seus homens lá localizados, para que agissem dentro da lei, com respeito e dignidade pelas pessoas que estão lá. Há um processo nas mãos do Ministro Carlos Ayres Britto para ser julgado, que pode, inclusive, a qualquer momento, sair suspendendo essa operação.

            Então, está se gastando dinheiro à-toa. Enquanto está morrendo gente de dengue, porque falta dinheiro, porque o Governo não aplicou dinheiro, o Governo esbanja dinheiro nisso aqui: muito mais de R$3 milhões em três operações. Para quê? Para expulsar pessoas de bem.

            Eu, inclusive, tive contato com a Associação dos Excluídos dessa Reserva, pessoas humildes, Sr. Presidente. E sempre misturo aqui os arrozeiros, porque dá-se aquela idéia de que é fazendeiro rico contra indiozinho. E, diga-se de passagem, a maioria dos índios que estão lá não concordam com isso.

            E, para complementar essa história, o Ministério Público Federal de Roraima recomendou ao Deputado Federal Márcio Junqueira que não fosse a essa região. Recentemente, o Ministro Mangabeira Unger foi a Roraima para uma visita à região em avião do Exército. Iria a uma reunião que estava sendo promovida pelo Conselho Indígena de Roraima, uma das instituições existentes no local. Pois bem, o General-Comandante da Brigada de Roraima foi proibido de ir àquela reunião. General-Comandante da Brigada de Roraima! A que ponto chegamos! O Ministério Público Federal recomenda que o Deputado Federal, que é uma autoridade federal, não entre na área. O General-Comandante da Brigada do Estado não pode entrar na área. Então, estamos diante de quê? De um verdadeiro território autônomo dentro do País. Até a recente Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas, aprovada na ONU, proíbe que as Forças Armadas entrem nas áreas indígenas, contrariando a nossa Constituição. Felizmente, esse acordo terá que ser aprovado no Congresso. Eu não acredito que o Congresso vá aprovar um acordo que fere a nossa Constituição. Se o aprovar, o Supremo terra que derrubá-lo, porque realmente é um absurdo, é uma afronta! A não ser que de fato o Governo Federal esteja querendo considerar essas áreas como autônomas, como se fosse aqui um novo Kosovo, como aconteceu na Iugoslávia.

            Então, quero aqui protestar mais uma vez contra essa atitude radical do Governo Lula que não está levando em conta os princípios elementares de Direito, nem mesmo o decreto que prevê a indenização e o reassentamento dessas pessoas que são forçadas a sair de lá.

            E eu quero aqui pedir ao Ministro da Justiça que faça valer a lei, que não use de forças. Quero inclusive me deslocar ao Estado para acompanhar novamente essa operação. Vou pedir a designação formal da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, na condição de Presidente da Subcomissão da Amazônia, porque não posso concordar que sejamos tratados como na época da Cortina de Ferro ou na época dos regimes mais retrógrados quando se retiravam populações de um lugar para outro. E se tem que retirar, se isso estiver dentro da lei, que se faça de acordo com a lei. O que não pode é haver esse tipo de truculência. É muito fácil para um policial federal que está com uma ordem administrativa fazer essas coisas e depois ir embora do Estado, deixando as pessoas passando necessidades, como está acontecendo lá. Dessas 458 famílias, só 160 foram indenizadas mal e porcamente. E dessas somente umas 90 foram reassentadas.

            Então, é preciso que haja clareza. Eu vou até apelar ao jornal O Estado de S .Paulo, que publicou a matéria, para que faça uma ida lá, e acompanhe de perto essa questão. Eu tenho os dados inclusive, fornecidos pela Funai e pelo Incra. Não são dados feitos por mim, não. Não são, como se está dizendo aí, só comerciantes e arrozeiros, não. São 458 famílias que tiveram, inclusive, bisavós que moraram lá, avós que nasceram lá, pais que nasceram lá, mas que já não agüentam mesmo ficar lá. Se for para sair, que eles saiam como brasileiros respeitados. Eu quero só lamentar que, estando o Brasil atravessando uma epidemia de dengue, uma epidemia de febre amarela, o Governo não aplique dinheiro na saúde, mas tenha dinheiro para fazer esse tipo de operação.

            Eu espero que haja o mínimo de respeito. E eu vou estar amanhã com o Ministro Carlos Ayres Britto - pois pedi outra audiência -, com quem estive há uma semana alertando que essas coisas poderiam acontecer, para que ele julgue rapidamente os processos que estão com ele, inclusive um que é o pedido de uma liminar para que seja sustada essa operação e que as pessoas de lá sejam retiradas - se é que têm de ser retiradas, se assim a justiça entender - dentro da lei, de maneira justa.

            Eu quero requerer, Sr. Presidente, que os documentos que aqui tenho, referentes à operação Upatakon 3, bem como a matéria publicada no Jornal O Estado de S. Paulo, sejam transcritos na íntegra, como partes integrantes do meu pronunciamento, porque realmente amanhã nós teremos de mostrar que essa história foi escrita, não com a omissão do Senador Mozarildo; que ela foi feita não com a conivência do Senador Mozarildo. Eu, desde o princípio, venho batalhando, primeiramente, por uma solução pacífica e, agora, por uma solução digna para as pessoas.

            No meu Estado, 8% da sua população é indígena. Eles são Prefeitos, Vereadores, funcionários públicos... Aliás, a maior comunidade está na capital, Boa Vista. Eles moram lá. Hoje, o Estado já tem 50% da sua área designados para as reservas indígenas. Então, não são reservas para índio! Para que são essas reservas? São reservas que, por sinal, coincidentemente, casam como uma luva - uma se superpõe à outra - com as reservas minerais do Estado. Essas reservas minerais - com minérios que não são somente ouro, diamante, cassiterita; são urânio, titânio, nióbio, minerais de terceira geração - estão hoje completamente dentro das reservas indígenas. O que menos tem nas reservas indígenas são índios, mas tem muito minério, por coincidência.

            Então, mais uma vez, quero registrar o meu protesto pelo desrespeito que está sendo praticado contra a população do meu Estado e pela insensibilidade e conivência do Presidente Lula em relação a essa situação. O Presidente Lula disse, várias vezes, ao ex-Governador Ottomar, que já faleceu, e a nós, da Bancada do Estado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, que não faria essas coisas sem combinar conosco. Mas ele está combinando com todo mundo, menos conosco, que representamos o Estado de Roraima. Mais uma vez, deixo o meu protesto como roraimense e como representante do meu Estado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Ofício SF/2032/2005”;

“Ofício nº 10745-GM/Aspar-MD”;

“Raposa: Índios tocam fogo em ponte e arrozeiros ocupam base da PF";

“PF chega à Raposa Serra do Sol para tirar não-índios da reserva”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2008 - Página 7352