Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, a pedido da Central Única das Favelas, mostrando a necessidade de revisão dos conceitos a respeito da relação entre moradores das favelas e criminalidade. Registro do Relatório Anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, sobre tráfico e consumo de drogas no mundo.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DROGA.:
  • Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, a pedido da Central Única das Favelas, mostrando a necessidade de revisão dos conceitos a respeito da relação entre moradores das favelas e criminalidade. Registro do Relatório Anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, sobre tráfico e consumo de drogas no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2008 - Página 8072
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RESULTADO, PESQUISA, AUTORIA, INSTITUTO BRASILEIRO, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, VONTADE, POPULAÇÃO, REGIÃO, CONLUIO, TRAFICANTE, ACEITAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, VEICULO AUTOMOTOR, CABINA BLINDADA, POLICIA MILITAR, COMBATE, CRIMINOSO, REJEIÇÃO, PROPOSTA, DISCRIMINAÇÃO, COMERCIO, DROGA, PENA DE MORTE, ABORTO.
  • REGISTRO, DIVULGAÇÃO, RELATORIO, ENTIDADE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), FISCALIZAÇÃO, DROGA, ADVERTENCIA, CRESCIMENTO, CONSUMO, BRASIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FONTE, PRODUTO, AMERICA DO SUL.
  • CRITICA, AUSENCIA, COOPERAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, INFERIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, COMBATE, TRAFICO, DEMORA, JUDICIARIO, CORRUPÇÃO, POLICIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, FISCALIZAÇÃO, FRONTEIRA, COMERCIO, TRAFICANTE, CONEXÃO, CONTINENTE, AFRICA.
  • COMENTARIO, RELATORIO, CRITICA, TOLERANCIA, LEGISLAÇÃO, BRASIL, COMBATE, DROGA, INSUFICIENCIA, PUNIÇÃO, VICIADO EM DROGAS, AUTORIZAÇÃO, ALTERNATIVA, PENA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PREJUIZO, INVESTIGAÇÃO, JULGAMENTO, ATIVIDADE, RELAÇÃO, TRAFICO, ADVERTENCIA, AUMENTO, EFEITO, ENTORPECENTE, RISCOS, SAUDE.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, certos mitos ganham força de verdade e se perpetuam simplesmente porque as razões de sua existência nunca foram questionadas. Este é o caso da relação entre os favelados do Rio de Janeiro, o narcotráfico e a polícia. Durante muito tempo aceitou-se a tese de que os moradores de favelas abominavam a polícia e submetiam-se de bom grado ao domínio dos traficantes. Agora, uma pesquisa realizada em 101 comunidades carentes da cidade, pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, a pedido da Central Única das Favelas, desvenda um quadro muito diferente.

De acordo com a pesquisa, divulgada pelo jornal O Globo em sua edição dominical, mais de 60% dos entrevistados são contra a legalização do consumo de drogas leves no Brasil, como forma de se combater o tráfico. Quase metade - 48,9% - apóia a participação das Forças Armadas no combate ao crime organizado, enquanto apenas 29,8% são contra. E, novamente, quase a metade dos moradores aprova a utilização, pela polícia, do “caveirão”, como é conhecido o veículo blindado empregado em incursões pelas favelas. A adoção da pena de morte é rejeitada por 54% dos entrevistados, e a legalização do aborto, por 66,1 %.

A principal revelação da pesquisa é de que os moradores das favelas cariocas não convivem com as quadrilhas de narcotraficantes que se instalaram em seu meio por concordância ou cumplicidade com a ação dos bandidos, e, sim, devido à intimidação e ao terror que eles exercem sobre as comunidades. A maior prova disso é o expressivo apoio ao eventual emprego das Forças Armadas em ações contra a criminalidade e ao uso dos veículos blindados pela polícia.

A idéia de que a banalização da violência, da crueldade e das arbitrariedades cometidas por criminosos fizeram com que os favelados incorporassem passivamente ao seu cotidiano a convivência com os traficantes é fruto do preconceito. Eles dividem seu território com bandidos simplesmente porque não têm alternativa. A presença do tráfico é uma constante em suas vidas, mas nem por isso é bem-vinda. Ao dar voz às comunidades carentes do Rio, a pesquisa - mais que oportuna - desfez mitos cultivados há muito tempo e mostrou a necessidade de rever conceitos a respeito da relação entre seus moradores e a criminalidade.

O segundo assunto que trago à tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diz respeito à Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, órgão ligado às Nações Unidas, que divulgou esta semana seu relatório anual sobre tráfico e consumo de drogas no mundo. E nele há más notícias para o Brasil. O consumo de cocaína cresceu mais de 30% entre 2002 e 2007, uma média de 6% ao ano, e a tendência é de que esse crescimento continue, ao contrário do que vem ocorrendo na maioria dos países, onde os índices de consumo estão estáveis ou até mesmo caindo, como é o caso dos Estados Unidos. De acordo com o Departamento de Estado, somos hoje o segundo maior consumidor de cocaína do mundo, atrás justamente dos americanos...

O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime calcula que circulem pelo Brasil 80 toneladas de cocaína por ano, provenientes da Colômbia, Peru e Bolívia. Metade é consumida internamente, e o restante exportado para Europa, Estados Unidos e Ásia.

O relatório foi lido esta semana pelo representante do Escritório da ONU, Giovanni Quaglia, no auditório da SENAD, a Secretaria Nacional Antidrogas. Um parágrafo deixou especialmente irritadas as autoridades brasileiras, e merece transcrição. É este:

A Junta enviou uma missão ao Brasil em dezembro de 2006. Observa com preocupação que aumentou o uso indevido de drogas e que estimulantes continuam sendo receitados excessivamente, apesar das recomendações formuladas em missão anterior, conduzida em 2003.

A Junta também manifesta preocupação com a falta de cooperação entre os organismos estaduais e federais, a escassa destinação de recursos em escala nacional, a lentidão do sistema judicial e os relatos sobre corrupção na polícia e no poder judicial.

A Junta solicita ao governo brasileiro que adote medidas para reforçar as atividades de interceptação em todo o país, especialmente nas zonas fronteiriças, e que faça tudo o que estiver ao seu alcance para garantir o julgamento rápido e justo dos delitos relacionados a drogas.

Considerando a participação de organizações criminosas africanas no tráfico de drogas no Brasil, é preciso fortalecer a cooperação com os organismos policiais dos países da África a fim de promover a investigação e o julgamento de todos os delinqüentes envolvidos. A Junta toma nota do empenho do governo do Brasil nos últimos anos em ampliar os serviços de redução da demanda de drogas.

No entanto, no que diz respeito à nova lei sobre fiscalização de drogas, a Junta opina que as disposições relativas ao tratamento do abuso de drogas não podem ser aplicadas ainda porque até o presente momento não há serviços suficientes nesse setor em todo o país. Além disso, a nova lei pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência.

Em resumo, o panorama traçado pelo relatório é bem pouco animador, apesar de a Junta reconhecer o empenho do Governo brasileiro em reduzir o consumo de drogas. Para a ONU, falhamos, entre outras coisas, em não prestar maior atenção à conexão africana, já que cerca de 40% da cocaína que chega ao mercado europeu usa o Brasil como rota, passando antes pela África.

O relatório também critica a Lei nº 11.343, de agosto de 2006, a chamada Lei Antidrogas, por tratar os usuários de drogas com condescendência, uma vez que a punição é sempre convertida em pena alternativa, como prestação de serviços. Essa tolerância, para usar os termos do relatório, estaria prejudicando a investigação e o julgamento das atividades relacionadas ao tráfico de drogas, além de sugerir à opinião pública que o Governo passou a tratar o narcotráfico com maior indulgência.

Concordemos ou não com as conclusões do relatório, convém refletir sobre elas em vez de rejeitá-las sumariamente. É verdade que criamos penas de força repressiva insignificante para o portador de drogas, tais como a advertência sobre seus efeitos e a obrigatoriedade de freqüência a curso ou programa educativo, além da prestação de serviços à comunidade. Por outro lado, aumentamos a pena mínima do traficante de três para cinco anos. Um jurista chegou a afirmar que criamos uma lei paradoxal, que estimula a demanda e reprime a oferta...

Em quase todo o mundo, nota-se uma reversão na tendência iniciada algum tempo atrás, de uma liberalização, da descriminação do consumo de drogas. Países como a Holanda, notórios pela complacência, estão aos poucos endurecendo suas leis. O mesmo ocorre na Suíça e Grã-Bretanha - para não falar nos Estados Unidos, onde nem traficantes nem usuários nunca receberam tratamento benigno da justiça.

Não se trata simplesmente de uma onda moralista. Acumulam-se, a cada dia, novas e devastadoras evidências científicas do poder destrutivo das drogas, até mesmo das que até há pouco chegaram a ser consideradas “relativamente inofensivas” ou “leves”. O ecstasy, comprimido que por aqui circula nas festas de jovens, passou a ser considerado droga pesada na Holanda, depois que uma pesquisa comprovou que ele causa danos significativos ao cérebro.

No caso da maconha, que reúne tantos advogados de sua liberação, pesquisas recentes demonstraram que ela é bem mais nociva que o cigarro convencional. Um estudo da Fundação Britânica do Pulmão, realizado em 2002 e reforçado por pesquisas posteriores, concluiu que três cigarros de maconha causam danos correspondentes aos provocados por 20 cigarros de tabaco.

Os cigarros de maconha contêm 50% mais substâncias cancerígenas que os convencionais. Além disso, a maconha vendida hoje tem o dobro do princípio ativo (THC) do produto consumido há uma década. Deixou, portanto, de ser uma “droga leve”. E uma pesquisa de duas universidades britânicas concluiu que o uso de maconha e seus derivados aumenta em 40% o risco de sofrer de algum tipo de psicose, como esquizofrenia.

A cocaína, por sua vez, tornou-se mais barata e de qualidade inferior - portanto, ainda mais prejudicial à saúde. A suspensão das restrições ao cultivo de coca na Bolívia, pelo governo de Evo Morales, desde 2006, fez com que a produção aumentasse, e o destino natural, como escala ou ponto final, é o Brasil. Temos 3.400 quilômetros de fronteira com a Bolívia, patrulhados por menos de 200 policiais federais. Em São Paulo, segundo a polícia, os traficantes misturam ingredientes como ácido bórico e lidocaína ao pó da cocaína, o que provoca doenças severas, como distúrbios sangüíneos.

A conclusão óbvia é de que lidamos com uma realidade bem diferente daquela do final do século 20. As drogas mudaram, tornaram-se mais nocivas e letais, surgiram novos tipos, que viciam mais rapidamente, e também matam em muito menos tempo. Hoje sabemos muito mais sobre os danos que elas causam. O tráfico, por sua vez, globalizou-se, tornou-se mais ágil, eficiente e, logo, mais capaz de burlar a vigilância policial. Enfim - tenha ou não razão o relatório da ONU no que diz respeito ao Brasil, o fato é que precisamos ajustar permanentemente as leis e os mecanismos de combate ao tráfico e consumo de drogas às novas circunstâncias, sob pena de continuarmos assistindo ao seu crescimento veloz, sem que possamos reagir à altura.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2008 - Página 8072