Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará pela não abertura de processo administrativo disciplinar para apurar eventuais responsabilidades de juíza no caso da prisão ilegal e tortura da adolescente L., ocorrido em Abaetetuba- PA. Solidariedade à luta de estudantes da UNB que promoveram a invasão da reitoria, exigindo a apuração de todas as denúncias de fraudes que envolvem a aplicação de recursos da Finatec.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. MOVIMENTO ESTUDANTIL.:
  • Críticas à decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará pela não abertura de processo administrativo disciplinar para apurar eventuais responsabilidades de juíza no caso da prisão ilegal e tortura da adolescente L., ocorrido em Abaetetuba- PA. Solidariedade à luta de estudantes da UNB que promoveram a invasão da reitoria, exigindo a apuração de todas as denúncias de fraudes que envolvem a aplicação de recursos da Finatec.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2008 - Página 7968
Assunto
Outros > JUDICIARIO. MOVIMENTO ESTUDANTIL.
Indexação
  • FRUSTRAÇÃO, INDIGNIDADE, DECISÃO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, IMPUNIDADE, AUSENCIA, APURAÇÃO, RESPONSABILIDADE, JUIZ, ILEGALIDADE, PRISÃO, LONGO PRAZO, ADOLESCENTE, MULHER, ESTADO DO PARA (PA), SIMULTANEIDADE, HOMEM, VITIMA, ESTUPRO, TORTURA, ALEGAÇÕES, RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CUSTODIA, ESTADO.
  • ACUSAÇÃO, JUIZ, CONLUIO, SERVIDOR, COMARCA, ADULTERAÇÃO, PROTOCOLO, OCULTAÇÃO, LONGO PRAZO, PRISÃO, ADOLESCENTE.
  • REPUDIO, DECISÃO JUDICIAL, INCENTIVO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, FALTA, IGUALDADE, IMPETRAÇÃO, PROCESSO ADMINISTRATIVO, FUNCIONARIO PUBLICO, SOLIDARIEDADE, ORADOR, DECLARAÇÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESTADO DO PARA (PA), ANUNCIO, FORMALIZAÇÃO, RECLAMAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA.
  • COMENTARIO, IGUALDADE, DENUNCIA, ESTADOS, BRASIL, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, SEPARAÇÃO, SEXO, PRESO, EFEITO, ESTUPRO, MULHER, PRISÃO, FALTA, PRIORIDADE, CRIANÇA, ADOLESCENTE, GRAVIDADE, AUSENCIA, TRANSPORTE ESCOLAR, REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLIDARIEDADE, ESTUDANTE, DIRETORIO CENTRAL DO ESTUDANTE (DCE), UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), OCUPAÇÃO, REITORIA, EXIGENCIA, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, FUNDAÇÃO, DESVIO, RECURSOS.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, SENADO, AUSENCIA, CONTRIBUIÇÃO, ETICA, JUVENTUDE.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, indignação e perplexidade. É com estes sentimentos que ocupo esta tribuna para denunciar a iníqua e profundamente injusta decisão do Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que, no dia de ontem, 2 de abril, aprovou não abrir processo administrativo disciplinar para apurar eventuais responsabilidades da Juíza Clarice Maria de Andrade, que foi titular da 3ª Vara Criminal de Abaetetuba, quando da prisão ilegal e tortura da adolescente L., fato que causou comoção em todo o País há tão poucos meses.

Por maioria de votos - quinze votos contra a abertura do PAD, sete a favor e uma abstenção -, os membros do Colegiado entenderam que a responsabilidade administrativa pela custódia de presos é do Estado, não cabendo imputar qualquer conduta irregular à magistrada.

Sabemos que a responsabilidade é do Estado. Porém, não pode servir de desculpa para que não se investigue e puna a conduta individual de todos os servidores públicos dos distintos poderes - Executivo e Judiciário - além do Ministério Público Estadual, todos em maior ou menor grau, envolvidos no episódio que possibilitou a ocorrência de violência dessa magnitude no interior de uma repartição pública. Por isso, não é cioso reiterar que a jovem ficou presa em uma minúscula e insalubre cela, por quase um mês, em companhia de vinte detentos do sexo masculino, razão pela qual foi seviciada, espancada e estuprada seguidas vezes.

Convém recordar, entretanto, que a juíza em questão não era somente acusada pela Corregedoria do Tribunal por seus atos omissos, mas, também, pelos fortes indícios de que a juíza, em conluio com outros dois funcionários administrativos da Comarca, teria patrocinado a criminosa adulteração do protocolo eletrônico do Tribunal a fim de ocultar o largo e injustificado período de tempo em que tal situação bárbara perdurou aos olhos de tantas autoridades.

Mesmo diante dos fortes e eloqüentes indícios e do corajoso voto proferido pela Desembargadora-Presidente, Drª Albanira Bemerguy, consagrou-se uma posição que expõe, de forma irremediável, o Judiciário paraense perante a sociedade brasileira. Foi, em verdade, uma decisão sustentada em arraigado corporativismo, servindo de incentivo, mesmo que involuntário, à repetição de atos de violência e cruel violação dos direitos humanos. É essa mensagem de reforço à impunidade e de conivência com atos criminosos que restará dessa triste e inoportuna decisão.

Registre-se que, ao mesmo tempo e de forma absolutamente contraditória, o mesmo TJE move processo administrativo disciplinar contra os outros dois funcionários implicados, que agora poderão alegar em suas defesas o princípio da isonomia. Compõe-se assim o quadro que inviabilizará por completo a apuração das graves responsabilidades envolvidas nesse triste e lamentável episódio.

Faço minhas as palavras da Presidente da Seção Paraense da Ordem dos Advogados do Brasil, Drª Ângela Salles, que declarou à imprensa que “a decisão do Pleno desprestigiou a posição da Presidente do TJE, Desembargadora Albanira Bemerguy, e do Corregedor de Justiça, Desembargador Constantino Guerreiro. Trata-se de um escárnio para a sociedade. É uma clara tentativa de jogar a sujeira para debaixo do tapete”.

E aproveito a oportunidade para expressar meu incondicional apoio à iniciativa da OAB e de um conjunto de entidades civis do Estado do Pará que ingressarão, na próxima semana, com uma reclamação formal ao Conselho Nacional de Justiça contra esse infeliz ato do Colegiado Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Estou convencido de que, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, que possui a função de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e também o correto cumprimento de deveres funcionais dos juízes, essa decisão será imediatamente reformada ou tratada da forma que ela precisa ser tratada. É preciso instaurar um procedimento disciplinar para apurar as responsabilidades da Juíza da 3ª Comarca do Município de Abaetetuba. Isso é o que espera e exige a sociedade brasileira, cansada de tanta impunidade, matriz da injustiça e da violência institucional que impera, infelizmente, em nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse fato foi discutido amplamente no Congresso Nacional. Realizamos Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, na qual compareceram as principais autoridades do Executivo e do Judiciário do Estado do Pará. A Câmara dos Deputados constituiu Comissão de Representação Externa, que fez uma visita ao Estado do Pará para tratar dessa questão. Um fato que se transformou, como foi dito, em comoção nacional com repercussão internacional. Infelizmente, em seu desfecho, é tratado dessa maneira, expondo uma das autoridades do Poder Judiciário encarregada da administração e da realização da justiça. Há claras evidências da omissão. Finalmente, o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará decide não instaurar o procedimento adequado para a responsabilização pela omissão cometida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero aproveitar o momento para tratar de um outro assunto que julgo igualmente importante. Refere-se à luta para garantir que recursos públicos sejam gastos adequadamente. Refiro-me à ocupação realizada pelos estudantes da Universidade de Brasília - UnB, liderada pelo Diretório Central dos Estudantes, que promoveu a ocupação da reitoria nesta tarde, exigindo a apuração de todas as denúncias de fraudes que envolvem a aplicação de recursos da Finatec, fundação vinculada àquela Universidade.

Os estudantes querem abrir um canal de diálogo com a Reitoria para acompanhar e fiscalizar a apuração de todas as denúncias.

Quero hipotecar a minha solidariedade à luta e à mobilização dos estudantes por considerá-las justas e oportunas.

Quero conceder um aparte ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador José Nery, em primeiro lugar, sobre a UnB, também quero dizer de minha solidariedade nessa tentativa de diálogo dos estudantes com a Reitoria. Eu espero que de fato a comunidade inteira da Universidade de Brasília assuma, com mais força ainda, a análise dos fatos ocorridos e tome uma posição. Só a abertura de tudo, só a participação da comunidade é que vai permitir a UnB sair dessa crise que foi criada. Mas pedi o aparte para falar de outro assunto. Quero dizer do meu apoio a sua luta pelos direitos humanos dessas pessoas, especificamente dessas jovens. Mas, Presidente Gim, se a gente analisa o noticiário das últimas semanas no Brasil, Senador, a gente vai ver a quantidade de crianças vítimas neste País. Uma jogada pela janela do apartamento onde morava sua família; outra seviciada, amarrada por pessoas da família. Crianças assassinadas, crianças morrendo pelo dengue, crianças sem escola. Que País é este? Onde é que vamos parar, se não cuidamos das nossas crianças? Um país não merece nada, se não cuida bem dos seus velhos e das suas crianças, suas crianças ainda mais porque o futuro depende delas. A gente tem que fazer alguma coisa. Há pouco falei aqui sobre a entrevista do Presidente Garibaldi, nas Páginas Amarelas, em que faz uma dura crítica ao Senado, crítica corretíssima, e que a gente não parou para debater. Não fazemos as grandes perguntas neste País. Como vai ser o modelo energético daqui a vinte anos? Como a gente vai sobreviver com o aquecimento global? O que vai acontecer com as cidades do País com o número de automóveis que temos? O que vamos fazer com São Paulo no dia seguinte ao que a cidade parar, porque todo o espaço foi ocupado por automóveis? Como a gente vai fazer para reduzir as desigualdades sociais e as desigualdades regionais? O que vamos fazer com a Amazônia? A gente não está discutindo essas coisas e não está discutindo o futuro das crianças. Insisto em um projeto - que deixei e que está correndo aqui muito devagar - de criação de uma agência de proteção da criança e do adolescente junto à Presidência da República. Se tivéssemos uma agência como essa, pelo menos teríamos a quem responsabilizar. Já notou que não temos a quem responsabilizar, salvo o diretor da cadeia, salvo o delegado da delegacia onde estava presa essa menina? Será que apenas ele é o culpado? Não há nenhuma autoridade no plano maior deste País a quem responsabilizemos pela situação trágica que atravessam as nossas crianças. Então, está na hora de o Senado aprovar esse projeto da agência ou de procurar outro caminho. O que não pode é termos um Governo Federal que trata as crianças como se elas não fossem um problema do Governo Federal. Energia é problema do Governo Federal, economia é problema do Governo Federal. Não se falou ainda no PAC da criança no Brasil, e acho até melhor que não falem, porque, se falarem, tenho minhas dúvidas...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - ...se, de fato, é para valer ou não. Parabenizo-o por seu discurso neste fim de tarde, começo de noite. Insisto: as crianças mereciam que a gente dedicasse um pouco mais de tempo para refletir sobre como fazer para que o noticiário mostre coisas boas das nossas crianças e não a tragédia que elas atravessam neste momento da história do Brasil.

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Agradeço o aparte do Senador Cristovam Buarque.

Eu gostaria ainda de fazer menção, Sr. Presidente, ao fato ocorrido em Abaetetuba - após aquela denúncia, tivemos conhecimento de graves denúncias em pelo menos 17 Estados da Federação -, onde adolescentes mulheres foram colocadas em prisão junto com presos do sexo masculino.

Vejam que é um fato nacional, infelizmente.

Ocorre, Senador Cristovam Buarque, que as leis em nosso País, infelizmente, não são cumpridas, porque se o Estatuto da Criança e do Adolescente - que considera a criança prioridade absoluta para o atendimento de todas as políticas públicas - fosse cumprido, com certeza, nós teríamos outra realidade. E também se houvesse um investimento pesado em educação para escola de qualidade, garantia de transporte escolar.

No Pará e na Amazônia, como eu disse aqui na semana passada, os estudantes ainda lutam pelo direito ao transporte escolar para deslocamento da sua localidade até a escola mais próxima, normalmente, consumindo até mais de uma hora - às vezes, uma hora e meia - no transporte, inclusive em regiões ribeirinhas, onde as crianças vão, Senador Gim Argello, levando o seu barquinho a remo. A energia humana que os conduz até a escola. Então, as desigualdades são imensas.

E concordo, Senador Cristovam Buarque, com o conjunto de temas da mais alta relevância que V. Exª enumerou no seu pronunciamento, há pouco, e retomou agora no aparte. Que, na verdade, poderiam fazer parte de uma verdadeira agenda do Senado Federal para enfrentar os problemas estruturais do País e, efetivamente, garantir a solução que fosse adequada aos interesses, aos direitos da maioria da nossa população.

Encerrando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que os fatos que vivenciamos aqui no Senado esta semana, fatos deploráveis dos que não querem apurar, dos que querem apurar por vias enviesadas e muitos que, na verdade, mesmo proclamando a necessidade da transparência da fiscalização na boa aplicação de recursos públicos, sinto que não querem isso.

Vivemos aqui cenas deprimentes neste Senado, na semana passada e nesta semana. Fatos, ações e atitudes, Senador Gim Argello, que não contribuem como exemplo para o nosso povo,...

(Interrupção do som.)

O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) -... as nossas crianças, a juventude brasileira, inclusive para que as pessoas percebam que a atividade política pode e deve ser exercida com dignidade e o compromisso de contribuir para as mudanças e as transformações sociais, econômicas e políticas que essa nossa triste realidade está a exigir.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2008 - Página 7968