Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário ao instituto jurídico do foro privilegiado para autoridades. Encaminhamento à Mesa de documento recebido em favor da votação de projetos em favor de aposentados e pensionistas.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Posicionamento contrário ao instituto jurídico do foro privilegiado para autoridades. Encaminhamento à Mesa de documento recebido em favor da votação de projetos em favor de aposentados e pensionistas.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2008 - Página 8289
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, PRIVILEGIO, FORO, JULGAMENTO, AUTORIDADE, ANALISE, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, BRASIL, CRITICA, SOCIEDADE, EXCESSO, EXCEÇÃO, FAVORECIMENTO, IMPUNIDADE, TITULAR, CARGO PUBLICO, CRIME COMUM, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESPECIALISTA, DEFESA, EXTINÇÃO, IMPORTANCIA, ESTRUTURAÇÃO, VARAS JUDICIARIAS, JUSTIÇA FEDERAL.
  • REGISTRO, DADOS, ESTUDO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, MAGISTRADO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, SUGESTÃO, PROVIDENCIA, AGILIZAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • COMENTARIO, POLEMICA, MATERIA, REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, FORO, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, FAVORECIMENTO, IGUALDADE, DEMOCRACIA, PREVISÃO, MELHORIA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ANALISE, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, DOCUMENTO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), SUPERIORIDADE, ASSINATURA, SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, VOTAÇÃO, PROJETO, BENEFICIO, APOSENTADO, PENSIONISTA, APREENSÃO, DEMORA, ROMERO JUCA, RELATOR.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Eduardo Suplicy, que preside a sessão neste momento, quero falar hoje da tribuna do Senado para expressar a minha posição sobre um debate que, com certeza, está acontecendo em toda a sociedade brasileira, sobre o foro privilegiado para “autoridades”. Quero dizer que sou contra o foro privilegiado.

Lembro, Sr. Presidente, que a atual Constituição brasileira traz, em seu texto, dezenove previsões de foro especial. Tamanho alargamento desse instituto jurídico jamais foi visto em toda a história constitucional de nosso País. Mesmo no período imperial, não tínhamos tantos “privilegiados”.

A Constituição de 1924 concedia foro privilegiado apenas à família real, aos Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, Senadores e Deputados, aos Secretários e aos Conselheiros de Estado para os crimes de responsabilidade.

A atual Constituição Federal, em seu art. 29, inciso X, surpreende quando acrescenta mais beneficiados, estabelecendo como privativo dos Tribunais de Justiça o julgamento de Prefeitos. No art. 96, inciso III, está previsto que é privativo aos Tribunais de Justiça o julgamento dos juízes estaduais, do Distrito Federal e também dos Territórios, bem como dos membros do Ministério Público nos crimes de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Ficou reservado ainda ao Supremo Tribunal Federal processar ou julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, e, ainda, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, § 1º, aos Ministros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e aos chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Ao Superior Tribunal de Justiça a nossa Carta Magna designou a tarefa de processar e julgar originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros do Tribunal de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

Ademais, na letra “a” do inciso I do art. 108, ficou definida como competência originária do Tribunal Regional Federal processar e julgar os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Senadores e Senadoras, talvez seja por tantas exceções ao texto constitucional - que eu aqui fui lendo, de forma muito rápida - que o instituto jurídico do foro privilegiado, há muito tempo, tem sido criticado pela sociedade.

O foro por prerrogativa de função foi criado em razão do cargo ou mandato, com o objetivo de proteger o ente público, como uma forma de garantia.

Essa prerrogativa garante aos acusados que os processos não sejam julgados pela Justiça comum, mas pelos tribunais superiores.

Acontece, porém, Senador Suplicy, que acabou por se transformar em um privilégio pessoal para esses poucos, uma vez que muitos detentores de cargos públicos têm se utilizado desse instituto jurídico para evitar condenações por crimes cometidos.

O Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, em matéria publicada pela revista Consultor Jurídico de março de 2007, defende a extinção definitiva do foro privilegiado para autoridades. Para ele, Cezar Britto, Presidente da OAB, isso hoje é sinônimo de impunidade, e ele entende que o foro privilegiado sempre foi usado para que não haja punição.

Nesse mesmo sentido é a opinião do Presidente da OAB, que defende a idéia de que o Supremo não tem estrutura para julgar tantos casos e, por esse motivo, sustenta ele que haja um foro concentrado, ou seja, Varas especiais da Justiça Federal com maior estrutura para o julgamento de denúncias de crime.

O Presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri, também condena o privilégio de foro.

Segundo Flávio Pansieri, “no Brasil, o foro privilegiado se transformou em um verdadeiro símbolo de impunidade”. Ele observa, ainda, que na maioria dos países não existe a previsão desse instituto.

Em julho do ano passado, assistimos ao movimento “Juízes contra a Corrupção”, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Eles propunham o fim dessa imunidade parlamentar para aí, sim, combater a corrupção e a impunidade.

De acordo com o estudo realizado em 2007 pela AMB, dos 130 processos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, em quase vinte anos, apenas seis foram julgados, e não houve nenhuma condenação.

No Superior Tribunal de Justiça, dos 483 processos, houve 16 julgamentos, com cinco condenações - em 483, cinco condenações!

O Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rodrigo Collaço, apresentou um estudo em que defende a convocação de juízes e desembargadores para realizar a instrução do processo e agilizar as ações. O estudo realizado sugere também outras medidas para ajudar no combate à corrupção.

Quero lembrar que, durante a Assembléia Nacional Constituinte, apenas alguns Parlamentares - e eu estava entre eles - já defendiam o fim de tal previsão na atual Constituição brasileira, porém a idéia não encontrou eco entre os 559 congressistas da época. Reafirmo que eu já defendia, naquela época, o fim do voto secreto em todas as votações do Congresso e também o fim do foro privilegiado.

Portanto, Sr. Presidente, o assunto é antigo e lamentavelmente se arrasta até hoje. Tanto que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no fim do mês passado, a PEC nº 130/2007, que acaba com o foro privilegiado.

Segundo o Deputado Federal Marcelo Itagiba, autor da proposição, “nada pode autorizar mais o desequilíbrio entre os cidadãos da República do que o reconhecimento da prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal Federal ou quaisquer outras cortes, nos ilícitos penais comuns, ou em favor de quem quer que seja.”

Para o Parlamentar, a prerrogativa de foro em razão de cargo ou mandato já não tem sentido na sua essência e se tornou, hoje, condição de inaceitável privilégio pessoal.

Nessa ocasião, aquela Casa Legislativa discutia a emenda constitucional da reforma do Judiciário.

A questão, segundo alguns dizem, é controversa e vem sendo discutida por ministros, juristas, magistrados, doutrinadores, sociólogos e por toda a sociedade civil.

Acredito, Sr. Presidente, que não podemos ficar alheios aos acontecimentos e a esse importante debate.

A meu ver, a previsão de prerrogativa de foro fere os princípios constitucionais da democracia, da igualdade e do juiz natural.

Creio que, se desejamos uma sociedade igualitária, não podemos defender essa situação de privilégio para alguns e de uma posição diferenciada para a ampla maioria do povo brasileiro.

Segundo a cientista política Maria Tereza Sadek, sete Estados brasileiros (Minas, Amazonas, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Tocantins) possuem ainda leis que ampliam ainda mais a abrangência do foro privilegiado.

Entendo que o foro privilegiado não tem justificativa ética, moral ou política. É um privilégio que, lamentavelmente, vem se perpetuando neste País.

Os agentes públicos não têm o direito de se protegerem pela garantia do cargo pelos delitos cometidos. Entendo que foro privilegiado é uma proteção indevida aos mandatos eletivos, que ferem o princípio republicano e nos faz rememorar o período imperial. E nem lá era assim.

Todos nós sabemos que existem pessoas que procuram, infelizmente, agarrar-se até mesmo em um mandato para desfrutar desse privilégio.

Sr. Presidente, entendo eu que essa prerrogativa fere o princípio democrático segundo o qual a lei deve ser aplicada da mesma forma para todos, independentemente da posição social ou do cargo que ocupam.

Ao observarmos o tal instituto no direito comparado, notamos, por exemplo, Senador Eduardo Suplicy, que a Constituição argentina limita a prerrogativa aos embaixadores e membros de embaixadas estrangeiras.

Para os italianos, a prerrogativa do foro de Ministros foi abolida, inclusive para Ministros, ficando restrita apenas ao Presidente da República.

Na França, a Constituição de 1958 restringiu a competência da Alta Corte de Justiça aos crimes funcionais dos Ministros.

Os espanhóis, por sua vez, garantem a prerrogativa somente aos Deputados, Senadores e ao Presidente da República.

Os norte-americanos não têm foro privilegiado. Todos devem lembrar, por exemplo, que o ex-Presidente Bill Clinton, acusado de assédio sexual, foi julgado por um juiz de primeiro grau.

Por fim, a Constituição de outros países, independentemente de sistema de governo, contém algumas previsões de foro especial, porém em nenhuma delas com a amplitude igual ao que acontece aqui no Brasil.

Sr. Presidente, as duas Casas legislativas têm albergado inúmeras CPIs para a apuração de supostos desvios de recursos públicos: CPI dos Correios, CPI do Mensalão, dos Sanguessugas, das ONGs e, agora, dos cartões corporativos.

Acredito que é preciso frear o descaso com a coisa pública. É preciso acabar com os privilégios constitucionais e fulminar a proteção indevida do foro privilegiado.

Sr. Presidente, se não tivéssemos tantos foros privilegiados, talvez não precisássemos estar aqui...

(Interrupção do som.)

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - ...todos os dias a discutir a instalação de uma outra, de uma outra, e de uma outra CPI, como agora a Comissão Mista: acham que ela não deu certo e, sobre o mesmo tema, já inventam uma CPI somente do Senado.

Acho que o foro privilegiado, tantas CPIs e tantas medidas provisórias não são bons para a democracia.

Sr. Presidente, termino dizendo que entendo que é fundamental alterarmos a Constituição para acabarmos com o foro privilegiado, discutirmos melhor essa história de CPI e também as medidas provisórias. E acabar também com o voto secreto.

Permita-me, Senador Suplicy, só encaminhar à Mesa, neste meu último minuto - que sei que V. Exª vai-me conceder -, um documento que recebi, com cerca de 1.500 assinaturas, do Estado de Santa Catarina.

O que eles pedem nesse documento? Eles fazem um apelo aqui - os aposentados e pensionistas; todos os que assinaram este documento, pelo que percebi, são pessoas de mais de 60, 70, 80 anos - para que o Congresso vote os projetos de lei que vão garantir uma nova política de recuperação dos benefícios dos aposentados e pensionistas.

Citam eles o PL 58, cito o PL 42, cito o PL 296, os três de minha autoria. Essas 1.500 assinaturas vou encaminhar à Mesa. E o apelo que me é feito pelos aposentados de Santa Catarina é que sejam entregues, em mão, ao Senador Romero Jucá, como forma de sensibilizar o nobre Senador Romero Jucá, que é Relator da maioria desses projetos, mas que, infelizmente, não deu parecer, não encaminhou à Mesa. Por isso, encaminhei requerimento de urgência para os três.

Então, entrego à Mesa, fazendo apelo a V. Exª de que este documento chegue à mão do Relator Romero Jucá.

Agradeço a tolerância. Obrigado Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2008 - Página 8289