Pronunciamento de José Sarney em 14/04/2008
Discurso durante a 51ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Defesa da recriação da SUCAM, que desenvolvia atividades diretas de eliminação e controle de endemias.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.
POLITICA SANITARIA.:
- Defesa da recriação da SUCAM, que desenvolvia atividades diretas de eliminação e controle de endemias.
- Aparteantes
- Mão Santa.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/04/2008 - Página 9344
- Assunto
- Outros > SAUDE. POLITICA SANITARIA.
- Indexação
-
- IMPORTANCIA, HISTORIA, ATUAÇÃO, DEFESA, RETORNO, SUPERINTENDENCIA DE CAMPANHAS DE SAUDE PUBLICA (SUCAM), COMBATE, DOENÇA ENDEMICA, VIABILIDADE, ATIVIDADE, CONTROLE, PROPAGAÇÃO, AEDES AEGYPTI, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MUNICIPIOS, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, APRESENTAÇÃO, DADOS, CRESCIMENTO, NUMERO, DOENTE.
- COMENTARIO, HISTORIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, INSALUBRIDADE, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ATUAÇÃO, RODRIGUES ALVES (AC), EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, OBRAS, SANEAMENTO BASICO, IMPORTANCIA, ATIVIDADE, OSWALDO CRUZ, MEDICO SANITARISTA, COMBATE, EPIDEMIA.
- COMENTARIO, GESTÃO, ORADOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, SAUDE PUBLICA, SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REALIZAÇÃO, CAMPANHA, SANEAMENTO, APREENSÃO, REDUÇÃO, NUMERO, MEDICO SANITARISTA.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve. Até porque o assunto que me traz a esta tribuna é fazer uma sugestão e, ao mesmo tempo, um apelo, e o apelo é ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Sr. Presidente, o País inteiro está solidário e acompanha o drama do Rio de Janeiro, submetido a uma grave epidemia de dengue. Eu queria justamente recordar que tivemos neste País um órgão que se chamava de Superintendência de Campanhas de Saúde, criado em 1970, que era encarregado justamente de combater as endemias e as epidemias. Tínhamos um grande corpo de funcionários, popularmente chamado de exército dos Mata-Mosquitos, que percorria o Brasil inteiro, os lugares mais remotos, visitando as casas e, através de ações de saúde pública, procurando ensinar às populações a combater as epidemias que se instalavam por todo o País.
Simplesmente, Sr. Presidente, essa superintendência foi extinta em 1990. E determinaram que esses homens fossem incorporados à Fundação Nacional de Saúde, Funasa, e muitos deles, que tinham sido contratados sem concurso, foram demitidos e ficaram sem ter nenhum amparo do Poder Público.
Quero recordar que coube à Sucam as atividades diretas de erradicação e de controle de endemias que apresentavam transmissão atual ou potencial. Seu antecessor tinha sido o Departamento Nacional das Endemias Rurais, criado em 1956, com a finalidade do serviço de investigação e de combate à malária, à leishmaniose, à doença de Chagas, à peste, à brucelose, à febre amarela e a outras endemias existentes neste País.
Nesta Casa, temos muitos colegas médicos que são testemunhas do trabalho feito durante tanto tempo por esses homens. Os mata-mosquitos eram bem-vindos, e recebidos com um lado romântico em todo o Brasil. Eles não chegaram só em 1956. Em 1903, no tempo de Rodrigues Alves, que foi Presidente da República nos primeiros anos deste século, o grande trabalho preferencial e prioritário do Governo foi transformar o Rio de Janeiro numa capital habitável, porque a cidade do Rio de Janeiro tinha a fama de cidade insalubre naquele tempo.
O próprio corpo diplomático não desejava morar no Rio de Janeiro: eles moravam em Petrópolis, moravam nas redondezas fugindo àquilo que eles chamavam os miasmas do Rio de Janeiro. E também devemos lembrar que o próprio Rio Branco, o grande Rio Branco, que foi, durante tanto tempo -- 10 anos --, Ministro de Relações Exteriores do Brasil, tinha tanto medo de morar no Rio de Janeiro e ser vulnerável às doenças que morava em Petrópolis.
A verdade é que Rodrigues Alves resolveu sanear o Rio de Janeiro. Para isso, ele entregou a cidade ao Prefeito Passos, que foi encarregado de grandes obras públicas de saneamento através de valas e de canais que pudessem drenar os charcos, os pântanos que ali existiam, e chamou Oswaldo Cruz e o encarregou da saúde.
Foi aí que Oswaldo Cruz criou o seu grande renome. Ele foi o grande sanitarista do Brasil: no Rio de Janeiro, ele empreendeu as várias campanhas que foram feitas. Entre parênteses, lembremos que a campanha da vacina, o nosso Rui Barbosa, que nos protege -- é uma das páginas que nós não entendemos da inteligência do Rui Barbosa --, foi um dos líderes contra a sua aplicação no Rio de Janeiro.
Não era sem motivo que a população do Rio de Janeiro tinha receio de morar naquela cidade, porque o próprio Bernardo Pereira de Vasconcelos, a grande figura do Império, o homem que tinha dito Agora sou regressista, uma vez que já fui liberal, foi vítima da febre amarela no Rio de Janeiro. O próprio Rodrigues Alves, em 1919, havia sido eleito novamente Presidente da República quando, entre a eleição e a posse, morreu de gripe espanhola, contraída no Rio de Janeiro -- em sua cidade natal, Guaratinguetá.
O mosquito que hoje ataca o Rio de Janeiro, o Aëdes aegypti, é o responsável pela febre amarela urbana e também pela dengue. As cidades brasileiras, principalmente as cidades da costa, sempre foram atacadas por epidemias e endemias ao longo de toda a história do Brasil. Encontramos, quando estudamos a história do nosso País, em várias cidades, as notícias das epidemias a que periodicamente eram submetidas muitas das nossas capitais. O Rio de Janeiro, além de ser uma cidade insalubre, era um porto de mar, e os marinheiros que chegavam, muitas vezes, traziam doenças, pestes que se propagavam. Também a história conta que o Rio de Janeiro tinha -- além da dengue, da febre amarela --peste, malária, e inúmeras doenças infecciosas e intestinais, provocadas pela péssima água que ali existia para o consumo.
Em 1955, o Aëdes aegypti foi dado como erradicado no Brasil. Em 1958 a erradicação foi confirmada pela Organização Pan-Americana de Saúde. Mas ele reapareceu, no Pará, em 1967 e chegou ao Rio de Janeiro, em 1977. Quando eu fui Presidente da República, tivemos um surto de dengue, em 1986 e 1987. E, então, nós tivemos uma vitória também transitória.
Em 1990 -- talvez haja uma certa ilação que nós tenhamos que tirar houve a extinção da Sucam com os seus exércitos fantásticos dos Mata-Mosquitos -- os casos ultrapassaram a barreira dos 100 mil. Em 1998, foram 360 mil; e o ano passado, 430 mil. Este ano, os números são também alarmantes. Nós sabemos que a dengue não atinge só o Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro porque tem maior visibilidade. Mas outras capitais do Nordeste, da Amazônia também sofrem.
Há pouco o Senador Mário Couto, do Pará, falava sobre a ocorrência de uma epidemia de dengue em Santarém. Enfim, muitas cidades, não só o Rio de Janeiro, são atacadas pelo mosquito e sujeitas à epidemia. Eu mesmo sou testemunha. Na Região Norte, especificamente, no Amapá, há uma constante presença da doença e do mosquito.
Agora, os jornais estão noticiando que há uma esperança de que se descubra uma vacina contra a dengue dentro de pouco tempo. Mas eu acho que nós devíamos restaurar a Sucam para restaurarmos um exército que foi vitorioso, o exército dos Mata-Mosquitos. Pode ser até uma coisa romântica que eu esteja fazendo, pode até ter um saudosismo. Mas, na verdade, aquilo deu certo. E se nós, hoje, tivéssemos o País novamente invadido por aqueles homens, visitando as residências, como eles faziam, eliminando os focos do mosquito já com descoberta dos inseticidas, pulverizando as regiões infestadas das casas, instruindo as populações casa a casa, como se deve combater, não só essa parte, como também os que ele representa como transmissor da febre amarela, talvez que nós tivéssemos um resultado, não somente para este caso presente do Rio de Janeiro e das outras cidades, mas uma coisa permanente para o Brasil em benefício do povo brasileiro.
Assim quero fazer essa sugestão. Por que o Ministério da Saúde não estuda a restauração desse serviço, mantendo permanentemente aquilo que tivemos no passado e que deu resultado. Faríamos isso evidentemente sem dispensar as técnicas modernas e que estão sendo colocadas à disposição do País, como a vacina que vai chegar e espero que chegue o mais rapidamente possível. Mas aquele exército é um exército que deve voltar para trabalhar pela saúde pública brasileira. E era tão pouco o dispêndio, representava um salário tão baixo, eram poucos os recursos gastos pelo País -- e nós gastamos muito mais pelos resultados que nós estamos vendo do crescimento dessas endemias e dessas epidemias, com o aumento que houve da incidência delas depois que a Sucam acabou.
Portanto, era esse o apelo que eu queria fazer. Essa lembrança...
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Sarney.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Com muito prazer, Senador Mão Santa.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Sarney, outro dia, eu lia um livro de Charles De Gaulle. Ele participou de duas guerras; na última, ele foi fundamental para libertar Paris, como V. Exª sabe. Então, ele dizia que só era bom comandante aquele que tinha grande cultura. V. Exª é este homem: um grande comandante de cultura. V. Exª, em todos os aspectos, está fazendo saúde; eu, que sou médico, antevejo. Se você vir as nossas Américas, o exemplo clássico que V. Exª está dizendo, eu acho que o mais fundamental, o que mudou tudo foi aquele canal do Panamá. Foi a engenharia francesa que começou; não ia para frente porque havia lá a febre amarela, as doenças, as endemias, as epidemias. Aí o americanos primeiro fizeram o saneamento, e está aí a beleza da obra do canal do Panamá. É como V. Exª diz em relação às preocupação. Mas V. Exª, que é um homem culto e que acabou de me presentear com um livro do Pe. Antônio Vieira, que é isso tudo, eu me lembro do Rio de Janeiro, que eu queria reviver aqui: Afrânio Peixoto, que fez o primeiro livro sobre higiene do País, bradava, nesse tempo que V. Exª está recordando, de Rodrigues Alves e de Oswaldo Cruz: “No Rio de Janeiro, a saúde pública é feita pelo sol, pela chuva e pelos urubus”. Então, não podemos voltar àquilo. Realmente, V. Exª foi um Presidente extraordinário nesse setor. Além do SUS - na visão de V. Exª, a saúde tinha de ser como um sol, igual para todos -, V. Exª fez uma coisa que eu não entendo como é que acabaram com ela: a Ceme. Olha, Presidente Sarney, eu era médico e eu nunca fui ligado a negócio de dinheiro, não; eu gosto mesmo é de mulher, da Adalgisa, das minhas filhas e tudo. Eu andava com um talão no bolso e não era talão de cheque, não. Era um memento da Ceme, de V. Exª. Não adianta receitar o papel - às vezes, vai ofender -, porque ele não tem condição de comprar o remédio. V. Exª criou a Ceme, a Central de Medicamentos. Eu estou dando testemunho. Tenho 42 anos de médico. Olha, eu buscava ali. Eu não tinha carteira, não; era um mementozinho da Ceme, para que aquela brasileira ou aquele brasileiro que consultassem pudessem buscar o medicamento. E não é só isso, não. V. Exª é como disse Padre Antonio Vieira: o bem nunca vem só. O senhor nem sabe. O senhor garantiu a Fsesp, que foi o aperfeiçoamento de tudo isso. A Fsesp tinha os médicos exclusivos da saúde. Ela só servia à saúde pública. Os salários defasaram, acabaram a Fsesp. Tanto é verdade que, na minha cidade de Parnaíba, V. Exª deixou um hospital da Fsesp. Saiu, não terminaram, e eu, como Prefeito, consegui terminá-lo e o nome ficou Dirceu Arcoverde, porque quem me propiciou, eu passei para o Município, foi Valdir Arcoverde, que não era mais Ministro da Saúde, era desse Fsesp. Então, V. Exª foi um extraordinário Presidente. V. Exª é visto hoje como o homem da transição democrática. Deus escreve certo por linhas tortas. Talvez o Tancredo Neves não tivesse a paciência que V. Exª teve de enfrentar mais de 10 mil greves, e tudo na paz e na concórdia. V. Exª, Senador José Sarney, fez - ó Luiz Inácio! - o prêmio mais importante de alimentação, esse programa do leite. E V. Exª talvez nem saiba, mas eu sou testemunha. O senhor talvez tenha visto... Só a mãe vê o infante! Mas, não. V. Exª propiciou ao homem do campo a riqueza de ter sua vaquinha e pagava o leite. V. Exª foi um extraordinário Presidente da República. E o melhor foi a bênção e a mensagem que a santa Kyola deu: “Meu filho, não prejudique os velhinhos”. Que isso chegue ao nosso Presidente da República.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senador Mão Santa, eu agradeço o generoso aparte de V. Exª, que, aliás, não é a primeira vez que o faz. V. Exª sempre foi muito generoso comigo.
Conheço o Senador Mão Santa desde o tempo em que ele era o médico Mão Santa, popular, caridoso, que andava nas areias da Parnaíba, da Tutóia e do Delta do Parnaíba, atendendo aos pobres. Era o médico dos pobres e, com isso, fez a sua carreira política. Daí a sua sensibilidade para esses problemas, sobretudo da saúde, que ele conhece tão bem não só de teoria como também na prática, porque lidou com eles numa região pobre, onde se desempenhou sempre com grande êxito, tanto que fez a sua brilhante carreira política.
Sr. Presidente, também tenho um lado humano, que muitas vezes é preponderante na minha personalidade. Eu poderia fazer aqui um discurso -- talvez esperassem isso de um ex-Presidente da República -- sobre os problemas da saúde brasileira e suas teorias, mas eu me sensibilizei profundamente com o drama que ocorre no Rio de Janeiro. Eu não posso pensar que seja o mesmo problema que havia no princípio do século XIX, quando se tinha de mandar buscar médico em outros Estados. Há coisas simples de que dispomos e que abandonamos, mas podemos continuar, podemos repetir.
Senador Mão Santa, eu queria apenas fazer uma pequena retificação quanto à frase de Dona Kyola. Em vez de “não prejudique”, ela disse: “Não deixe prejudicar os velhinhos”, porque ela sabia que eu jamais prejudicaria os velhinhos.
Então, quanto ao problema da saúde pública no Brasil, tenho certo autoridade para falar, porque, quando fui Presidente da República, no Brasil só tinham direito a assistência de saúde pública os empregados com carteira assinada e profissionalizados ligados aos institutos. O resto da população brasileira não tinha onde tomar uma injeção e, se precisasse, vivia da caridade pública das santas casas abandonadas e das associações de caridade. Foi no meu Governo que criamos a universalização da saúde, isto é, o direito de todo brasileiro ser assistido em sua doença desde o nascimento até a morte, de chegar à porta de um hospital e não ser recusado. Essa universalização da saúde, esse direito que cada brasileiro tem hoje é, sem dúvida alguma, para mim, motivo de grande satisfação como homem público, porque foi durante o nosso Governo que se implantou esse sistema no Brasil.
Portanto, agora, estou tratando também de um tema de saúde pública. Não estou mais para dar conselhos aos que governam, porque acho que a minha posição é aquela de quem não pode extrapolar as suas limitações que o próprio destino lhe deu. Mas hoje eu me achei no dever de vir a esta tribuna e repetir o que já fiz por meio dos jornais: um apelo, talvez um apelo saudosista, para que seja examinada a necessidade, pelo Governador do Rio de Janeiro, pelo Presidente da República, pelo Ministro da Saúde, de voltarmos a uma grande campanha nacional de saneamento. Como disse o Senador Mão Santa, os sanitaristas desapareceram. No Brasil, hoje, os médicos não desejam mais ser sanitaristas. Essa função é como o sacerdócio e foi abandonada porque eles já não têm espaço nem têm remuneração condigno. Mas esse é um problema de saneamento, e na hora de fazer saneamento precisamos contar com os sanitaristas.
Muito obrigado.