Pronunciamento de Arthur Virgílio em 17/04/2008
Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem ao jornalista Assis Chateaubriand, tendo em vista o transcurso dos 40 anos do seu falecimento.
- Autor
- Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem ao jornalista Assis Chateaubriand, tendo em vista o transcurso dos 40 anos do seu falecimento.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/04/2008 - Página 9919
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, ASSIS CHATEAUBRIAND (PR), EX SENADOR, JORNALISTA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, PARTICIPAÇÃO, POLITICA NACIONAL, CRIAÇÃO, GRUPO ECONOMICO, EMPRESA JORNALISTICA, EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES, MUSEU, ARTES, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SUPERIORIDADE, ACERVO, INCENTIVO, AVIAÇÃO CIVIL, AEROCLUBE.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, saúdo o jornalista Ari Cunha, Vice-Presidente do Correio Braziliense, e o Dr. Márcio Cotrim, Diretor-Executivo da Fundação Assis Chateaubriand. Saúdo também, do mesmo modo, o Dr. Adirson de Vasconcelos, Conselheiro de Cultura da Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal. Com reverência, saúdo o Padre Aleixo.
Senhoras e senhores, se fosse esta uma sessão corriqueira - e não o é, porque estamos aqui a homenagear um dos vultos mais fascinantes e mais polêmicos da História deste País, com passagem, inclusive, pelo Parlamento, pelo Senado da República -, mas, se fosse uma sessão corriqueira, eu faria um pronunciamento sobre o que para mim me parece um certo estado de anomia no País. Refiro-me à invasão, pela enésima vez, da Estrada de Ferro de Carajás - agredindo o patrimônio da empresa Vale do Rio Doce e dos seus acionistas e agredindo a economia nacional - pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e, candidamente, sem ser admitido, o Ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, diz que são movimentos que reforçam a democracia.
Hoje, Senador Mão Santa, leio, no jornal O Globo, um depoimento admirável do General Heleno, Comandante Militar da Amazônia, falando do exagero - a mim se me afigura como um exagero mesmo - de dar demasiadas terras às etnias indígenas, a começar pelos ianomâmis. Estes merecem a proteção do Estado e precisam da proteção do Estado brasileiro, mas a exagerada concessão de terras a eles joga a sociedade envolvente contra eles. Isso os põe em perigo, isso não os protege. Nem quero aqui discutir o fato de que há concordância de minha parte com muito do que diz o General Heleno, mas fico espantado de perceber que voltamos no Brasil a ouvir pronunciamentos de militares, que está posta de novo a questão militar. E a democracia brasileira já havia, segundo eu ingenuamente imaginava, superado essa fase.
Se fosse esta uma sessão comum, Sr. Presidente, eu falaria de amenidades, de jornalistas como Simone Iglesias, Sheila D’Amorim e Valdo Cruz, que aderiram à prática da corrida pedestre e que vão participar da II Maratona de Brasília sob o lema “Vida Positiva”, lutando pelos outros, dando exemplo pelos outros; eu falaria do Diário de Pernambuco, que agora tem uma edição em braile; eu homenagearia a imortal atriz Renata Fronzi pelo seu falecimento; ao lado do Senador Mão Santa e do Senador Heráclito Fortes, eu homenagearia o livro recém-lançado pelo ilustre homem público Jônatas de Barros Nunes, ex-Deputado Federal e membro da Academia Piauiense de Letras; eu aplaudiria os novos membros da Academia Brasileira de Ciências da Região Norte, em Manaus, no Amazonas, Artur Luiz da Costa da Silva, da Universidade Federal do Pará, e os demais; eu homenagearia, Sr. Presidente, o Ministro, Senador, Deputado Federal e hoje Secretário de Estado José Jorge de Vasconcelos Lima, que já foi candidato a Vice-Presidente da República, pela sua posse no cargo de Presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica; eu falaria com muito amor do meu querido amigo Professor Armando Kettle, que faleceu no Município de Urucurituba, no Amazonas, aos 103 anos de idade, lúcido, figura inteligente, figura preparada e querida, que, infelizmente, cumpriu sua etapa nesta vida.
Mas, Sr. Presidente, comecei falando de falta de autoridade, do fato de a Vale do Rio Doce ser agredida pela sanha irracional de grupos que o Governo tolera, e não sei por que, já que são grupos que não são a favor do Governo do Presidente Lula, que não são a favor da democracia, que não são a favor da Constituição nem da ordem que está constituída no País! O General Heleno se levanta e fala como se fosse um General da Reserva, às barbas do Presidente, num quadro claro de demonstração de que a autoridade está frágil neste Brasil.
Esta sessão não é uma sessão ordinária, é extraordinária, porque aqui se fala em Assis Chateaubriand, e tenho a certeza de que a ele nunca faltou a figura da autoridade. Nunca! É figura polêmica. Chateaubriand, eu não o descreveria como santo, até porque hesito em classificar as pessoas por suposta santidade das quais constaria. Li o que se escreveu sobre ele avidamente, porque é uma figura, de fato, fascinante. Meu pai fundou o Aeroclube de Manaus, inspirado na idéia de Chateaubriand, que fundou os aeroclubes do País. É uma figura que, querendo alguma coisa, ia buscar a consecução dos seus objetivos a qualquer preço, e não foi por outra razão que logrou atingir a consolidação do seu império de comunicação. Foi preciso muita vontade, foi preciso muita luta contra seus concorrentes, foi preciso muita relação de tensão com o poder, Senador Garibaldi Alves. Foi preciso muito denodo, foi preciso - dentro do que seriam os seus princípios - ir ao limite dos seus princípios, para impor do nada ao País uma presença que, sem dúvida alguma, durante muito tempo, talvez, fosse a expressão política mais forte, porque perene, sobre o cenário da vida pública do País.
Presidentes passavam, presidentes assumiam o poder; Chateaubriand ficava. Chateaubriand, invariavelmente, conseguia o que queria e, quando passava por momentos de derrota, deles se recuperava com a força de vontade dos homens bravos e com a determinação dos vencedores.
Houve um tempo, Sr. Presidente, em que fazer jornalismo exigia mais do que talento, firmeza, ética e precisão, ainda hoje pré-requisitos para o exercício dessa tão valorosa profissão. Quem dizia isso era Assis Chateaubriand, que criou jornais e emissoras, exigindo dos seus repórteres o que chamava de perfectibilidade, para ele vontade emocional e afetiva para registrar os fatos no estilo que ele próprio seguia à risca, escrevendo sempre o que sua imaginação criava.
Era assim que fazia o fundador de um dos maiores impérios jornalísticos do Brasil, os Diários Associados. Fazer era muito desse ousado homem de imprensa, que forjou, naquele mesmo tempo, frase para qualificar um jornalismo diferente, ao afirmar que jornalismo era para “repórter solerte”, no melhor sentido de sagacidade.
Era assim que ele pregava aos repórteres que trabalhavam em seus jornais, sempre deles solicitando “agudeza de espírito ao escrever”, de um jeito igual ao dele mesmo, que jamais abandonava nos textos diários em que analisava a vida brasileira.
Chatô, como era chamado, produzia seus textos informativos em qualquer lugar, inclusive a bordo de aviões de carreira, sempre fazendo questão de identificar o local de onde escrevia. Os paulistas habituaram-se, então, aos editoriais de primeira página do Diário de S.Paulo, que começavam no alto da página, descendo pela última das oito colunas, à direita. O começo era mais ou menos igual: “Curitiba, 16 (a bordo do DC-8 da Varig)...”. O que mudava era o nome da cidade, ora Recife, ora minha Manaus, outras vezes Rio ou Porto Alegre.
Assis Chateaubriand fez muito, porque jamais encontrava tempo para parar, ainda que por poucos minutos. Escrevia à mão, numa época em que ainda não existiam canetas esferográficas, só lápis ou caneta-tinteiro. Chatô escrevia numa caligrafia, diziam em São Paulo ou no Rio, que só um único linotipista de toda a rede Associada conseguia decifrar. Hoje, já não existem linotipistas, porque linotipo é coisa do passado. E também já não é preciso decifrar.
Chatô, também isso era voz corrente, escrevia a bordo, porque “vivia voando”. Voava de verdade, para cruzar o Brasil de ponto a ponto, onde quer que existisse um jornal Associado, portanto em todos os Estados.
Não eram só jornais diários. Eram também emissoras de rádio pontilhando em todos os recantos do Brasil, para não falar em O Cruzeiro, a revista semanal ainda hoje de saudosa lembrança como uma das mais influentes publicações semanais do País. E foi uma das mais influentes não só do País. Chateaubriand avançou e, embora por um espaço de tempo lamentavelmente curto, editou O Cruzeiro em espanhol, para circular em toda a América Latina.
Os jornais e emissoras de Assis Chateaubriand eram sempre expoentes. Foi ele um dos precursores dos vespertinos no Brasil, principalmente em São Paulo, com o famoso Diário da Noite, que circulava a partir do final da tarde, sempre com uma grande manchete sobre o fato do dia. Circulava e fazia forte presença entre o povo paulista, que já ensaiava os primeiros passos que justificavam o famoso apelido que proclamava: São Paulo não pode parar! Tanto não parava, que o pregão do vespertino garantia: “Se o mundo acabar, o Diário da Noite noticiará!”. Felizmente, nunca precisou chegar a tanto, para sorte do mundo e de nós outros que aqui estamos a celebrar Chateaubriand.
Figura controvertida e extrovertida, Assis foi além do jornalismo. Criou, no então monumental prédio dos Associados, na Rua Sete de Abril, o Museu de Arte de S.Paulo, que veio a formar um dos maiores acervos artísticos do mundo.
Abro aqui um parêntese para discutir a questão do mérito. Uns diziam: “Foi ortodoxo ao obter os recursos para fundar o Museu de Arte”. Pergunto: no saldo - não quero justificar heterodoxia; eu próprio jamais teria capacidade de fazer isso, porque sou eu próprio ortodoxo com limites muito rígidos -, mais quem, além de Chateaubriand, seria capaz de organizar um museu daquele porte? E como organizar um museu daquele porte sem a audácia que era absolutamente indescritível se pegarmos os padrões dos homens e das mulheres comuns com os quais nos defrontamos no dia-a-dia - e muitos de nós, a começar por mim, estão nessa categoria incluídos?
De tanto voar pelos céus em aviões de carreira ou em pequenos monomotores, esse mesmo Assis Chateaubriand lançou meritória campanha em favor da aviação civil: “Asas para o Brasil”. E discutiram se foi assim ou se foi assado que ele conseguiu criar os aeroclubes deste País, que viraram escolas de pilotos num tempo em que era essencial ter talento para a pilotagem aérea. Eram chamados “bons ou ruins de pé e de mão”, porque a habilidade era essencial para se tocar um avião com tecnologia precária como era a da época.
Muito mais se poderia falar sobre Assis Chateaubriand, que foi grande e realizador. Pensava sempre à frente, como pensou grande ao imaginar, num Brasil ainda pouco evoluído, uma emissora de televisão. Pensou grande e realizou, colocando no ar, em setembro de 1950, a TV Tupi, de São Paulo.
Figura, repito, controvertida e extrovertida, genialmente criadora e criativa, Assis Chateaubriand sempre pensou grande e legou ao País obras de notável dimensão, como a que lançou em setembro de 1950 ao colocar essa mesma TV Tupi em São Paulo.
Finalizo, Sr. Presidente, dizendo duas coisas, e uma delas é que, se Assis Chateaubriand fosse o capitão da imprensa nos tempos de hoje, com Internet, com a capacidade da comunicação on line, instantânea, não sei a que píncaros sua ousadia e sua inteligência não o teriam conduzido, prezado Ari. Não sei. Ele teria limites acima dos limites do céu.
Trago um fato de enorme peso sentimental para mim, um fato familiar, que me traz à mente uma figura do meu Estado, o jornalista Epaminondas Baraúna, que freqüentava minha casa. Eu era menino; ele, o representante dos Associados no Amazonas. Epaminondas Baraúna, um homem de bem, fazia um jornal muito sério, o Jornal do Comércio, que desfrutava de tanta credibilidade no meu Estado, que uma das figuras que mais amei na minha vida, Senador Luís Fernando Freire, Senador Suplicy, Senador Mão Santa, uma tia, irmã de minha mãe, já falecida, Josefina Rosa de Castro, a querida Tia Finoca - uma figura extremamente conservadora, boa, essencial em tudo o que é passo que dei na vida durante o tempo em que ela pôde ajudar a cuidar de mim -, já em plena época de Repórter Esso e, depois, de Jornal Nacional, dizia: “Que notícia estarrecedora! Estou esperando [ela morava no Rio de Janeiro] chegar amanhã o Comércio [dizia do Comércio de Manaus], porque, se isso aí for verdade, é muito grave”. Minha tia precisava da confirmação do Jornal do Comércio, do Amazonas, para acreditar que era verdade aquilo que ela estava vendo no Repórter Esso, antes, e depois no Jornal Nacional.
Essa é uma das marcas do peso da cadeia Associada de comunicação, por exemplo, no meu Estado. E disso restam ainda alguns órgãos, acredito eu, em Recife, mas, com certeza, vejo todos os dias a combatividade e o brilho do Correio Braziliense. E vejo a nacionalização, a penetração cada vez maior na formação da opinião pública brasileira deste grande jornal que é o Estado de Minas.
Em outras palavras, quando vejo essa figura carismática, irreverente, encantadora, fascinante, charmosa, essa figura capaz de fazer, com muita facilidade, amigos e inimigos, capaz de, depois, reconciliar-se com inimigos e, ao mesmo tempo, deixar de ser amigo de amigos tão antigos, como aconteceu na sua relação com seu advogado e íntimo companheiro, Dario de Almeida Magalhães, fico imaginando se, de fato, Chateaubriand morreu. Está aí a sua obra, está aí o exemplo da sua obra, está aí uma figura que é discutida e que a todos paralisa, pela capacidade de fascinar os que tomam conhecimento das suas peripécias, das suas aventuras. Ele próprio fez da sua vida uma grande e bela aventura.
Cada um de nós só tem uma vida - e vivo a minha do jeito que julgo justo -, mas deve dar uma pontinha de inveja em cada um de nós, porque duvido que todos juntos tenhamos vivido metade das emoções que foram experimentadas por Assis Chateaubriand, o Chatô. Hoje, é reverenciado no Senado Federal, pelos 40 anos de seu falecimento, o Senador Assis Chateaubriand.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.