Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a repercussão de reportagem do jornal Los Angeles Times a respeito da dengue no Rio de Janeiro.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Preocupação com a repercussão de reportagem do jornal Los Angeles Times a respeito da dengue no Rio de Janeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2008 - Página 10378
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PROPAGAÇÃO, EPIDEMIA, AEDES AEGYPTI, VIOLENCIA, CONFLITO, POLICIA, TRAFICANTE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PREJUIZO, TENTATIVA, BRASIL, ADESÃO, GRUPO, ECONOMIA, PRIMEIRO MUNDO.
  • REGISTRO, DADOS, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, EPIDEMIA, AEDES AEGYPTI, ESTADO DE SERGIPE (SE).
  • CRITICA, EXTINÇÃO, SERVIÇO, VIGILANCIA SANITARIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMBATE, AEDES AEGYPTI, AGENTE TRANSMISSOR, DOENÇA ENDEMICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, EMPENHO, COMBATE, EPIDEMIA, PRESERVAÇÃO, SAUDE PUBLICA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos nós que acompanhamos a grande imprensa sabemos da ampla repercussão alcançada por uma reportagem publicada nesta segunda-feira pelo jornal norte-americano Los Angeles Times a respeito do problema da dengue no Brasil. O principal argumento daquela reportagem é de que a epidemia de dengue, além de ter-se transformado em uma mancha na imagem glamorosa do Rio de Janeiro, corre o risco de comprometer o status, que nosso País vinha conquistando pouco a pouco, de economia a caminho do Primeiro Mundo. A epidemia de dengue e a guerra entre polícia e traficantes nas favelas revelam, segundo o jornal, “o lado escuro do Rio de Janeiro”.

De acordo com aquele diário norte-americano, as embaixadas de vários países do Brasil já estariam alertando os turistas sobre o risco da dengue.

O jornal também menciona que os moradores da “Cidade Maravilhosa estão preocupados e irritados com uma aflição do Terceiro Mundo” e que os cariocas não estão atacando o mosquito transmissor da doença, mas sim atacando o que chamariam de uma resposta tardia e confusa do Governo.

O Los Angeles Times também menciona a reação das autoridades brasileiras “que se acusam mutuamente com um jogo de acusações similar ao que aconteceu durante a crise provocada nos Estados Unidos pelo furacão Katrina”. E acrescenta que duas imagens estão sendo queimadas pelo mosquito, a do Brasil a caminho do Primeiro Mundo e também a do Rio de Janeiro, “principal atração turística do Brasil”. Fala em quase 90 mortes - já ocorreram mais de 90 - pela dengue só no Estado do Rio de Janeiro e mais de 93 mil infectados.

É verdade que nós não queremos politizar essa questão da dengue, pelo fato de o Estado do Rio de Janeiro ser dirigido pelo PMDB e a Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro ser dirigida pelo DEM, um partido de Oposição. O que nós queremos é trazer dados, informações suficientes, preocupantes até, no intuito de mais uma vez alertarmos as autoridades constituídas do País sobre a gravidade da situação.

Inclusive quero citar o caso do meu Estado, que, diariamente, estampa em seus jornais manchetes sobre a dengue ocorrida no Estado.

Os dados de que disponho sobre o Estado de Sergipe, e que foram divulgados pela imprensa - inclusive li há poucos instantes na Infonet, que é um portal muito lido por mais de 70 mil pessoas somente no Estado de Sergipe - dizem o seguinte:

Foram notificados, em Sergipe, 5.529 casos, mas comprovados, 2.726. Houve oito mortes: cinco em Aracaju, uma em Tobias Barreto, uma em Itabaiana e uma em Nossa Senhora do Socorro. Mortes lamentáveis. Há epidemia de dengue em 20 municípios, e 15 estão em risco epidêmico.

Não podemos, naturalmente, comparar esses números com os números exorbitantes do Estado do Rio de Janeiro, onde já são mais de 93 mil casos no Estado inteiro! E, somente na Cidade do Rio de Janeiro, 55 mil casos, com um total de 91 mortes no Estado inteiro.

Sr. Presidente, a meu ver, reportagens como esta, a do Los Angeles Times, por mais desagradáveis que sejam, devem ser levadas a sério por todos nós. Em primeiro lugar, porque realmente se trata de uma epidemia de Terceiro Mundo. Não precisamos da dengue. Passamos décadas sem ela.

O jornalista Janio de Freitas argumenta no mesmo sentido quando diz que estamos diante de “uma situação africana” e que temos um novo doente a cada minuto, sendo que a maioria das mortes são crianças. E ele acrescenta que “a população se esvai nas filas lerdas e longas, as crianças queimando de febre, os idosos ruindo na fraqueza, em busca de um atendimento que se recomenda urgente tão logo haja os primeiros sintomas” já que a morte pode vir em 48 horas.

Como sabemos, a dengue é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que prolifera no verão devido ao aumento de criadouros - pneus, garrafas, vasos, caixas d´água destampadas e qualquer coleção de água parada a céu aberto. Os sintomas aparecem de 3 a 15 dias. Pois bem, no argumento de Janio de Freitas, esta mesma doença esteve erradicada no Rio, quase por completo durante décadas, quando a cidade era capital da República. Ela foi voltando aos poucos e fez o ressurgimento agudo no Governo Fernando Henrique. Depois foi relativamente controlada, mas em seguida veio a tragédia, de uma penada, que foi a extinção do serviço dos mata-mosquitos.

Esse serviço, de vigilantes sanitários, era o que o Governo Federal comprometera-se a manter no Rio ao mudar-se para Brasília. Foi eliminado em nome do corte de despesas. O governo usou aqui o raciocínio de economistas que lidam com valores financeiros, lidam mais com pagamento de dívida externa e dívida interna do que com vidas humanas.

Esse tipo de enfoque tem que mudar. Ele é inaceitável. Na condição de membro da bancada da saúde, chamo a atenção alto e bom som no seguinte sentido: ou colocamos a saúde nos trilhos, como prioridade número 1, lado a lado com a educação, ou vamos assistir nossa marcha lenta em sentido oposto ao do Primeiro Mundo.

Não tenho como me contrapor aos argumentos do Los Angeles Times. Aumento de crédito, crescimento econômico e todo e qualquer sinal de desenvolvimento tem que estar submetido à qualidade de vida social, ao IDH, à atenção e prevenção das doenças que comprometem mais fortemente aos mais pobres.

Desenvolvimento é muito mais, desenvolvimento é colocar a saúde pública em outro patamar (e a dengue desmente isso), é colocar a educação em outro patamar (e que os testes nacionais e internacionais desmentem), e priorizar a segurança pública e o emprego. Acredito que esta deve ser a verdadeira luta do Governo, e outro dia já alertei para o congelamento das verbas da saúde, de dólares per capita ano após ano (mesmo com a variação nominal do orçamento). Essa política é indefensável.

Para especialistas da Fiocruz, o Rio está enfrentando a mais grave epidemia de dengue da história. Ao mesmo tempo, os especialistas da doença também dizem que o clima não é o único vilão da epidemia, que há locais como o norte do Estado de São Paulo, ou mesmo outras regiões do Estado do Rio que possuem o mesmo clima da capital carioca e que não estão enfrentando a epidemia.

O que falta então é um combate eficiente e, como dizem os sanitaristas, o que pode fazer a diferença é um sistema de vigilância integrado e uma boa cobertura de Saúde em Família. Eles propõem que se gaste mais com a saúde pública, que se melhore a gestão da saúde pública e que se priorize menos o superávit primário ou a dívida pública.

A nossa principal dívida é social, Sr. Presidente. Se o nosso País não adotar urgência e prioridade no combate a epidemias africanas, não tem como postular sua entrada no elenco de países de maior IDH...

(Interrupção do som.)

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE.) -... e muito menos de economias que marcham para o Primeiro Mundo.

Vou concluir, Sr. Presidente.

Portanto, Sr. Presidente, para fazer justiça, estamos aqui fazendo comentários de uma reportagem de um jornal de caráter internacional que analisa a situação do Brasil que é realmente grave, não só no Rio de Janeiro, diga-se de passagem. Muitos Estados brasileiros estão sofrendo as conseqüências da falta de cuidado com a dengue, e esta falta de cuidado tem que acabar.

            A dengue sendo contida este ano, o Governo tem que ter a salvaguarda do atendimento à população de forma permanente, isto é, educando a população, conscientizando a sociedade da importância em manter o saneamento...

(O Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE.) - ...em manter a população em tranqüilidade e segurança quanto à saúde.

Por isso, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e, mais uma vez, enfatizo a importância de que o Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde, as Secretarias dos Municípios, das Prefeituras Municipais de todo o Brasil se congreguem e que possam interagir no sentido de fortalecer o sistema de saúde e evitar mortes de pessoas cujas vidas são importantes para a sociedade brasileira.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, todos nós que acompanhamos a grande imprensa sabemos da ampla repercussão alcançada por uma reportagem publicada nesta segunda-feira pelo jornal norte-americano Los Angeles Times a respeito do problema da dengue no Brasil.

O principal argumento daquela reportagem é de que a epidemia de dengue, além de ter-se transformado em uma mancha na imagem glamorosa do Rio de Janeiro, corre o risco de comprometer o status que nosso País vinha conquistando pouco a pouco, de economia a caminho do Primeiro Mundo. A epidemia de dengue e a guerra entre polícia e traficantes nas favelas revelam, segundo o jornal, o “lado escuro do Rio de Janeiro”.

De acordo com aquele diário norte-americano, as embaixadas de vários países no Brasil já estariam alertando os turistas sobre o risco da dengue. O jornal também menciona que os moradores da “cidade maravilhosa estão preocupados e irritados com uma aflição do Terceiro Mundo” e que os cariocas não estão atacando o mosquito transmissor da doença mas sim “atacando o que chamariam de uma resposta tardia e confusa do governo”.

O Los Angeles Times também menciona a reação das autoridades brasileiras “que se acusam mutuamente com um jogo de acusações similar ao que aconteceu durante a crise provocada nos Estados Unidos, pelo furacão Katrina” e acrescenta que duas imagens estão sendo queimadas pelo mosquito, a do Brasil a caminho do Primeiro Mundo e também a do Rio de Janeiro, “principal atração turística do Brasil”. Fala em quase 90 mortes pela dengue só no estado do Rio e mais de 93 mil infectados.

A meu ver, reportagens como esta, por mais desagradáveis que sejam, devem ser levadas a sério por nós.

Em primeiro lugar, porque realmente se trata de uma epidemia de Terceiro Mundo. Não precisamos da dengue. Passamos décadas sem ela. O jornalista Janio de Freitas argumenta no mesmo sentido quando diz que estamos diante de “uma situação africana” e que temos um novo doente a cada minuto sendo que a maioria das mortes são crianças. E ele acrescenta que “a população se esvai nas filas lerdas e longas, as crianças queimando na febre, os idosos ruindo na fraqueza, em busca de um atendimento que se recomenda urgente tão logo haja os primeiros sintomas” já que a morte pode vir em 48 horas.

Como sabemos, a dengue é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, que prolifera no verão devido ao aumento de criadouros - pneus, garrafas, vasos, caixas d´água destampadas e qualquer coleção de água parada a céu aberto. Os sintomas aparecem de 3 a 15 dias. Pois bem, no argumento de Janio de Freitas, essa mesma doença esteve erradicada no Rio, quase por completo durante décadas, quando a cidade era capital da República. Ela foi voltando aos poucos e fez o ressurgimento agudo no Governo Fernando Henrique. Depois foi relativamente controlada, mas em seguida veio a tragédia, de uma penada, que foi a extinção do serviço dos mata-mosquitos. Esse serviço, devigilantes sanitários, era o que o Governo federal comprometera-se a manter no Rio ao mudar-se para Brasília. Foi eliminado em nome do corte de despesas. O governo usou aqui o raciocínio de economistas que lidam com valores financeiros, lidam mais com pagamento de dívida externa e dívida interna do que com vidas humanas.

Esse tipo de enfoque tem que mudar. Ele é inaceitável. Na condição de membro da Bancada da saúde, chamo a atenção em alto e bom tom no seguinte sentido: ou colocamos a saúde nos trilhos, como prioridade um, lado a lado com a educação, ou vamos assistir nossa marcha lenta em sentido oposto ao do Primeiro Mundo.

Não tenho como me contrapor aos argumentos do Los Angeles Times. Aumento de crédito, crescimento econômico e todo e qualquer sinal de desenvolvimento tem que estar submetido à qualidade de vida social ao IDH, à atenção e prevenção das doenças que comprometem mais fortemente aos mais pobres.

Desenvolvimento é muito mais, desenvolvimento é colocar a saúde pública em outro patamar (e a dengue desmente isso), é colocar a educação em outro patamar (e que os testes nacionais e internacionais desmentem), e priorizar a segurança pública e o emprego. Acredito que esta deve ser a verdadeira luta do governo, e outro dia já alertei para o congelamento das verbas da saúde, de dólares per capita, ano após ano (mesmo com a variação nominal do orçamento). Essa política é indefensável.

Para especialistas da Fiocruz, o Rio está enfrentando a mais grave epidemia de dengue da História. Ao mesmo tempo, os especialistas da doença também dizem que o clima não é o único vilão da epidemia, que há locais como o norte do estado de São Paulo, ou mesmo outras regiões do Estado do Rio que possuem o mesmo clima da capital carioca e que não estão enfrentando a epidemia.

O que falta então é um combate eficiente e, como dizem os sanitaristas, o que pode fazer a diferença é um sistema de vigilância integrado e uma boa cobertura do Saúde em Família. Eles propõem que se gaste mais com a saúde pública, que se melhore a gestão da saúde pública e que se priorize menos o superávit primário ou a dívida pública.

A nossa principal dívida é social. Se o nosso país não adotar urgência e prioridade no combate a epidemias africanas não tem como postular sua entrada no elenco de países de maior IDH e muito menos de economias que marcham para o Primeiro Mundo.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR.SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Surto da dengue mostra o lado negro do Rio de Janeiro

Área perigosa: um homem está ao lado de uma caçamba de lixo em uma favela do Rio de Janeiro - o Salgueiro. As favelas suspensas nas exuberantes colinas de mata Atlântica do Rio são nascedouros férteis para a larva do mosquito Aedes aegyti.

A febre causada pelo mosquito levou a óbito quase noventa pessoas, atingindo de forma mais grave as crianças e os pobres, e provocou indignação contra as autoridades municipais. 

Por Andrés D’Alessandro e Patrick J. McDonnell, redatores do Los Angeles Times.

21 de abril de 2008

RIO DE JANEIRO - O Brasil está crescendo rapidamente. A moeda está se valorizando, as pessoas estão comprando casas e carros em um ritmo acelerado, e financistas de toda a parte do mundo estão ávidos para investir. O país parece estar equilibrado para atingir o status oficial de país de Primeiro Mundo.

Mas os habitantes desta auto-proclamada cidade maravilhosa estão preocupados com uma aflição de terceiro mundo - a febre causada pela dengue, doença tropical que se espalha de modo epidêmico. Os agentes de saúde relataram que a dengue, até sexta-feira, tinha provocado a morte de pelo menos 87 pessoas no estado do Rio de Janeiro este ano - e mais de 93.000 pessoas tinham contraído a doença. A maioria dos casos ocorreu aqui na cidade, a principal atração turística do Brasil. As crianças e os adolescentes até quinze anos têm sido os mais atingidos, e perfazem quase a metade do número de mortos, dizem os agentes.

A dengue tornou-se um flagelo anual em uma faixa do Brasil tropical, mas a epidemia deste ano parece ser, provavelmente, a mais mortal da história recente do Rio.

Mais do que pôr a culpa no mosquito Aedes aegytpi, um mosquito de listras brancas, que espalha o sofrimento, muitos cariocas, como são conhecidos os habitantes do Rio, estão censurando severamente o que eles consideram uma reação confusa e atrasada por parte do governo. Os críticos dizem que os funcionários trabalharam de modo vagaroso para fumigar e tomar outras ações durante o verão do hemisfério sul, quando as chuvas criam excelentes condições para os nascedouros de mosquitos.

“Esta epidemia é de total responsabilidade das autoridades estaduais e federais”, disse Edna Rollim, 58 anos, uma professora de história que expressou o sentimento de muitos dos entrevistados na barulhenta praça do centro da cidade, a Cinelândia. “Eles pararam de fumigar no verão, e agora nós sofremos as conseqüências.”

Os legisladores estão se atacando em um jogo de culpas, que lembra em muito o que aconteceu em Nova Orleans na passagem do furacão Katrina - que também atingiu de forma mais grave os pobres e mostrou o lado negro escondido de uma Meca internacional do turismo.

Com o número de casos crescendo cada vez mais, e as clínicas superlotadas, as autoridades, este mês, enviaram, tardiamente, mais de 1.000 soldados para juntarem-se aos bombeiros, voluntários e outras pessoas no patrulhamento das ruas e na inspeção de milhares de casas em uma ofensiva bastante alardeada. As equipes fumigam e destroem os lugares com água parada, onde os mosquitos proliferam.

Os esquadrões anti-dengue concentram o foco nas favelas pobres, onde as pessoas vivem em espaços exíguos e ínfimas condições sanitárias. O governador do Rio, Sérgio Cabral, declarou: “Temos que atacar a dengue do mesmo modo que não podemos tolerar a ocupação das favelas pelos traficantes de drogas”.

A epidemia de dengue, do mesmo modo que a troca de tiros entre polícia e traficantes, nas favelas, tornou-se uma mancha vexatória na imagem glamourosa do Rio. Algumas pessoas acusam o governo de tentar cobrir com um véu a epidemia de dengue, para não afugentar os turistas.

Houve alguns relatórios sobre redução de taxas de ocupação hoteleira, mas não houve cancelamentos em massa. Nos hotéis mais importantes, no aeroporto internacional e em alguns pontos turísticos como o Corcovado e o Pão de Açúcar, alguns poucos sinais alertam os visitantes para a ameaça da dengue.

Mas não é preciso falar nada. As embaixadas dos Estados Unidos e de outros países avisaram os visitantes para que tomem precauções, como, por exemplo, usar camisas com mangas compridas e evitar shorts ou bermudas.

O acalorado debate sobre a dengue expôs mais uma vez as profundas diferenças entre as camadas sociais, em uma nação famosa por sua desigualdade de renda. Até recentemente, os habitantes dos bairros pobres reclamavam que tinham sido ignorados.

“Morro de medo que o meu bebê fique doente”, disse Graciela Kauan, 16 anos, com o filhinho de oito meses no colo, na Cinelândia. “Eu cubro meu filho com repelente toda noite e ele dorme coberto com um mosquiteiro.”

A dengue, uma doença viral transmitida pelos mosquitos, é uma doença parecida com a gripe e nem sempre é fatal. Entretanto, os médicos têm medo que uma variante mais grave possa estar se alastrando aqui e no vizinho Paraguai, que também está enfrentando a crise da dengue.

Não há vacina para a dengue. O tratamento envolve, usualmente, repouso e aumento da ingestão de líquidos. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, os mosquitos transmissores da dengue proliferaram nos trópicos, em todo o mundo, graças a fatores como a rápida urbanização, falta de saneamento, e o uso cada vez maior de caçambas e baldes feitos de plástico, que podem se tornar excelentes nascedouros para os mosquitos. Alguns especialistas dizem que a mudança climática também pode ter favorecido o mosquito transmissor da dengue.

Embora digam que a epidemia já tenha começado a ceder, as autoridades dizem que os casos não devem cessar, provavelmente, até os meses de junho ou julho, com a chegada do tempo mais frio. Os especialistas em saúde esperam que o presente surto de dengue faça com que haja uma intervenção mais cedo nos próximos anos.

“Havia indícios de risco de epidemia já há muito tempo”, relatou Luiz Pinguelli Rosa, um especialista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, à Agência Brasil de Notícias. “Se as medidas que foram tomadas recentemente tivessem sido tomadas há dois meses, a situação teria sido com certeza melhor, tanto no combate ao mosquito quanto no tratamento dos infectados.”

Patrick.mcdonnel@latimes.com

Reportagem feita, do Rio de Janeiro, por D’Alessandro e, de Buenos Aires, por McDonnell. O correspondente especial Marcelo Soares, em São Paulo, contribuiu para esta reportagem.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2008 - Página 10378