Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre questões que envolvem direitos das crianças e adolescentes.

Autor
Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexão sobre questões que envolvem direitos das crianças e adolescentes.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, João Pedro, Paulo Paim, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2008 - Página 10443
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, VITIMA, VIOLENCIA, AMPLIAÇÃO, DENUNCIA, IMPRENSA, CRITICA, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE, BRASIL, MUNDO, DESRESPEITO, VIDA HUMANA.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, CONSELHO TUTELAR, SUPERIORIDADE, DENUNCIA, MAUS-TRATOS, EXPLORAÇÃO SEXUAL, AMBITO, FAMILIA.
  • COMENTARIO, DADOS, LABORATORIO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), ESTUDO, SITUAÇÃO, CRIANÇA, DEMONSTRAÇÃO, INFERIORIDADE, DENUNCIA, VIOLENCIA, OBSTACULO, INVESTIGAÇÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, ESTADOS, SAUDAÇÃO, BRAVURA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, DENUNCIA, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, DEFESA, AUMENTO, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, CONGRESSO NACIONAL, COMBATE, PROBLEMA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, PRESERVAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, JUVENTUDE, GARANTIA, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

Agradeço, mais uma vez, a V. Exª a generosidade. V. Exª, certamente, tem sido um grande democrata dirigindo os trabalhos desta Casa, quando tem a oportunidade de estar na cadeira presidindo nossos trabalhos.

Quero também agradecer ao Senador Paulo Paim por ter-me concedido seu lugar, para fazer um pronunciamento que considero muito importante nos momentos que estamos vivendo no nosso País.

Hoje, venho à tribuna desta Casa para tratar de um assunto que, na verdade, tem sido minha principal luta dentro e fora do Congresso Nacional: as questões que envolvem direitos de nossas crianças e adolescentes. Ocupo, hoje, este espaço tão importante para os debates nacionais com extrema tristeza, Senador Inácio Arruda, com muita tristeza, por constatar que, novamente, o País inteiro está em luto por conta de mais uma morte trágica, brutal, revoltante de uma criança brasileira. Esse assunto tem ocupado as mentes e os corações de todos os homens e mulheres brasileiros deste País. Sentimo-nos solidários com a dor que certamente sente a família de mais uma criança vítima de algo tão brutal.

Não nos cabe aqui fazer qualquer tipo de julgamento sobre os autores desse crime que chocou o Brasil; essa, certamente, é uma tarefa que cabe às autoridades policiais e judiciárias. Nossa missão, como parlamentares e, acima de tudo, como cidadãos brasileiros, é ir além da indignação, buscando não apenas compreender o que está acontecendo no nosso País, mas também discutindo e elaborando projetos e propostas capazes de preservar e respeitar a vida humana acima de tudo.

Infelizmente, casos como o da pequena Isabella têm sido mais freqüentes do que podemos imaginar e do que a própria mídia tem denunciado. Numa rápida olhada, o noticiário nacional dos últimos dias, Senador Eduardo Suplicy, oferece-nos uma pequena mostra do cenário desolador que estamos vivendo neste País.

Peço a atenção das Srªs Senadoras e dos Srs. Senadores para as manchetes dos últimos jornais. Vejamos: “Criança é deixada no acostamento da Dutra em Guarulhos, São Paulo”; “Bebê é abandonado em banheiro em Embu-Guaçu (SP)”; “Mãe joga filho recém-nascido em lixo de banheiro de hospital”; “Morre bebê abandonado em lata de lixo na Grande São Paulo”; “Descoberto menino marcado a ferro e fogo em Goiânia”; “Empresária acusada de tortura será julgada no dia 10 em Goiás”; “Mãe acorrenta filho viciado em drogas”; “Jovem diz ter ficado seis anos em cárcere privado em Goiás”.

Na semana passada, por exemplo, Senador Paulo Paim, recebemos a notícia de mais um caso de assassinato brutal de uma criança. Srªs e Srs. Senadores, refiro-me à menina Laila Luiza Ferreira, de nove anos, que foi espancada, estuprada e enforcada, como indicam os resultados da investigação policial feita até agora. O corpo dela, Senador Paulo Paim, foi enterrado no quintal de uma casa de Santo Antônio do Descoberto, Município goiano que fica a menos de 50 quilômetros deste Parlamento!!! O corpo de Laila, segundo informações do Correio Braziliense, foi encontrado apenas com a blusa do uniforme escolar e meias rosas. Havia marcas de violência no rosto, uma corda enrolada no pescoço e vestígios de sangue no ventre. O casal suspeito de ter cometido essa atrocidade - um homem de 42 anos e uma jovem de 15 anos - encontra-se foragido.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não tenho nenhum receio, Senador Eduardo Suplicy, de dizer que estamos vivendo numa sociedade doente, numa sociedade que precisa se curar, numa sociedade que precisa se tratar. Vivemos em uma Nação que não está respeitando o seu maior bem, o seu bem mais valioso: nossas crianças, nossos meninos e meninas. Estamos assistindo, atônitos, a um verdadeiro extermínio de meninos e meninas em todo o território nacional. E isso está acontecendo diariamente, em todas as cidades, dentro dos lares, nas ruas, nas esquinas, nas favelas, nos bairros nobres, no campo.

Que tipo de sociedade é essa? É a reflexão que eu gostaria de fazer na noite de hoje. Que tipo de sociedade é essa que não respeita o mais importante bem, o mais importante e precioso dos direitos, que é o direito à vida?

Sempre reproduzo as palavras de um padre que conheci, o Padre Renato Chiera, do Rio de Janeiro, que me disse, de forma muito emocionada, numa audiência pública no Senado: “Que País é este, que mundo é este? Antigamente, uma criança, quando nascia, quando vinha ao mundo, era uma graça, uma benção de Deus para todos nós. Hoje, uma criança, quando nasce, é um desespero”.

Há, parece, um completo descompasso entre aquilo que pensam aqueles que defendem os direitos fundamentais das nossas crianças e aquilo que pensam sobre essas crianças principalmente os governos. Infelizmente - não digo isso com felicidade -, todos os anos, no Orçamento, minguam, diminuem cada vez mais os recursos para nossas crianças, para nossos adolescentes, no combate a muitas chagas e a muitas doenças que existem no nosso País.

Como podemos aceitar essa brutalidade? Como podemos aceitar que crianças de um, dois, três, quatro, cinco anos sejam assassinadas, Senador Mão Santa, por balas perdidas em conflitos entre traficantes e policiais? Como podemos aceitar que tantas crianças sejam vítimas de todo tipo de violência dentro de suas próprias casas? Como podemos aceitar que tantas crianças sejam abandonadas e negligenciadas pelo Estado, pela sociedade, pela família?

Srªs e Srs. Senadores, muitas são as mazelas que afetam a qualidade de vida das nossas crianças e dos nossos adolescentes, e a violência doméstica é uma delas. Segundo dados dos Conselhos Tutelares, por exemplo, os campeões de denúncias são os maus-tratos e a negligência, mas há outros graves problemas, Senador Inácio Arruda, acontecendo entre quatro paredes, e o abuso sexual, que tantas vezes me trouxe a esta tribuna, é um desses casos. A violência psicológica é outro. As estatísticas apontam para um contexto aterrorizador: 90% dos casos de abuso sexual são cometidos por alguém que está muito próximo da criança - familiares, vizinhos ou amigos. São crianças inocentes, crianças indefesas, crianças fragilizadas, que, muitas e muitas vezes, são iludidas e enganadas por criminosos que deveriam estar atrás das grades ou que deveriam tratar-se.

A violência doméstica é uma questão extremamente preocupante, porque, na grande maioria das situações, os maus-tratos permanecem escondidos entre quatro paredes. As crianças, Senador Suplicy, não têm coragem de denunciar o pai, o padrasto, a madrasta, a mãe ou alguém da sua família. E, muitas vezes, à palavra das crianças não é dada fé neste País. Muitas e muitas vezes, distorcem-se os depoimentos de crianças que foram vítimas. Percebi isso, de forma muito clara, quando presidi a CPI contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes neste País. Percebi que muitas autoridades preferem ficar de olhos fechados, preferem não ver aquilo que está acontecendo. Mas, agora, talvez, sirva-nos de lição, uma lição muito doída, uma lição que certamente machuca o coração de qualquer cidadão de boa-fé e de bom coração, a morte da pequena Isabella. É um exemplo para que nós, como sociedade brasileira, possamos, de uma vez por todas, romper com essa conivência que, muitas vezes, nos leva a dizer que a exploração sexual é uma coisa muito feia e muito triste, mas que é a realidade que vivemos. É muito comum se ouvir de pessoas que têm uma boa formação, que tiveram uma boa condição na vida, que essas crianças são aquelas que seduzem os adultos.

Quando a exploração sexual estava escondida, todos diziam - e também a grande maioria das autoridades - que isso era invenção, que isso era invenção de um grupo de militantes que queria atrapalhar o turismo, por exemplo, das capitais do Nordeste. Dizem que a exploração sexual não existe, mas ela existe. Venho de um Estado onde me envergonho da exploração das nossas crianças. É um Estado pobre, que, infelizmente, chama a atenção pela falta de uma política que, acabe, de uma vez por todas, com esse drama.

Visitei 23 Estados deste País, Senador Eduardo Suplicy, e vi, com meu olhos, meninas e meninos que tiveram a coragem de enfrentar uma banca de Senadores e de Deputados e de, na frente de cada um de nós, dizer as perversidades que sofreram, os maus-tratos que sofreram. Mas, no dia seguinte, vinha de novo a dor na minha consciência: o que fazer com essas crianças, se não existe qualquer tipo de política pública do Governo Federal, do Governo Estadual e do Governo Municipal que enfrente de forma determinada esse drama, que não aceite que ninguém no nosso País toque um dedo sequer numa criança nossa?

Há exploração sexual, trabalho infantil, crianças envolvidas com drogas, crianças envolvidas com tráfico, crianças envolvidas com marginalidade, em vez de usar sua inocência, sua energia e sua alegria para ajudar definitivamente a construir este País. É neles, na juventude, nos nossos filhos, que está verdadeiramente a saída de um País desenvolvido; de um país que respeite nosso patrimônio, que são nossas crianças; de um país que as proteja. Que cada um de nós, cidadãos brasileiros, possa, de uma vez por todas, denunciar esse tipo de violência, não permitindo que isso aconteça!

Neste País, morrem duas crianças por dia, vítimas de bala. No Brasil, o Estatuto da Criança, às vezes, é mal interpretado por alguns que dizem que é uma lei muito moderna e que não serve para o nosso País, como se nós, brasileiros, tivéssemos de nos espelhar naquilo que não presta, naquilo que não é bom. O Estatuto da Criança é muito bom e vai completar a maioridade: 18 anos.

Nesta Casa mesmo, estamos discutindo se reduzimos ou não a idade penal para dezesseis anos, para quatorze anos, para quanto quer que seja. Continuo sendo contra, porque não é essa a solução para a violência do nosso País. Se essas crianças, se esses jovens hoje cometem crimes, barbaridades, alguns deles devem ser tratados como doentes; outros precisam ser ressocializados, precisam encontrar a chance de ter uma vida melhor, porque não tiveram essa oportunidade, muitas vezes, Senador Sibá Machado, desde o ventre das suas mães. Não tiveram oportunidade, não tiveram dignidade, não têm certidão de nascimento, não têm identidade, não têm endereço, não têm mãe, não têm pai, não têm escola, não têm nada. E nós estamos aqui.

Infelizmente, Senador Suplicy, o Estatuto da Criança e do Adolescente nunca foi aplicado no nosso País. Nos lugares em que conseguem aplicá-lo, a reinserção desses jovens na sociedade é de 95%.

Portanto, é preciso fazer alguma coisa, é preciso que nós, homens e mulheres brasileiros - independentemente da posição que ocupemos; posso ser Senadora, Deputada Estadual, Deputada Federal, Vereadora, posso ser dona de casa, posso lavar roupa, possa passar roupa, posso ser só mãe, posso não ser nada -, não permitamos mais que essa violência desmedida continue atingindo nossos lares. É preciso que possamos ver cada uma dessas crianças.

Aqui mesmo, Senador Sibá Machado, quando estamos chegando ao Congresso, vemos crianças vendendo chiclete, bombom. Quantas e quantas vezes presto atenção no trânsito - não só aqui, mas também na minha cidade e em outros lugares - e vejo que, como cidadãos, passamos como se aquilo ali fizesse parte das nossas cidades, da paisagem das nossas cidades, como se não pudéssemos fazer absolutamente nada para mudar! Mas podemos fazer, sim. Aqui, no Congresso, temos a obrigação, a responsabilidade de fazer algo - não é se quisermos ou se não quisermos. Somos eleitos para isto: para defender principalmente os mais frágeis, aqueles que não se podem manifestar, que não podem vir fazer protesto, que não podem subir a rampa do Planalto, mas que têm em nós a confiança em um futuro melhor.

Ouço, com muita atenção, o Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezada Senadora Patrícia Saboya Gomes, primeiro, meus cumprimentos a V. Exª por aqui expressar como será importante que nós, percebendo a dor da família de Isabella Nardoni e de todos os seus amigos - a exemplo do que aconteceu ontem na missa no autódromo de Interlagos, em que o Padre Marcelo reuniu cerca de três milhões de pessoas e em que todos expressaram sua solidariedade à mãe de Isabella -, possamos, de fato, transformar essa dor em algo que signifique o término de tantas barbaridades que têm sido cometidas com as crianças brasileiras, como nos dizem as inúmeras notícias que V. Exª aqui registrou. É importante que possamos pensar em como será possível efetivar o que está no Estatuto da Criança e do Adolescente e que possamos, em cada Município brasileiro, verificar a maneira de corrigir esse estado de coisas. Cada menina e cada menino, neste País, não têm alternativa senão a de se tornarem instrumentos de quadrilhas de narcotraficantes, como mostrou o filme “Cidade de Deus” ou o documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”. As meninas e as moças deste País não têm alternativa senão a de vender seu corpo, como constatou, por vezes, a Comissão que V. Exª presidiu e o relato que aqui nos traz das coisas que ocorrem em Fortaleza com respeito à utilização de menores na exploração sexual. Dessa maneira, é muito importante que coloquemos nossas energias para transformar essa realidade. V. Exª sabe que avalio que, entre os instrumentos que colaborarão para isso, está o direito de toda e qualquer pessoa, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, receber uma renda que, na medida do possível, significará o suficiente para suas necessidades vitais. Gostaria de transmitir a V. Exª, de reiterar-lhe que, ainda nessa sexta-feira, irei a Fortaleza, a convite do Secretário de Finanças, para, no momento em que será destinado um prêmio a alguma entidade ou à pessoa que se destacou na área de bem servir a população ou na área das finanças e na área fiscal, fazer uma reflexão. Minha reflexão incluirá uma proposta àqueles que serão candidatos à Prefeitura de Fortaleza de instituir lá, pioneira e exemplarmente, uma renda básica de cidadania. Quero, inclusive, colocar-me diante da Prefeita do meu partido, Luizianne Lins. E, tendo em conta que V. Exª, parece-me, é também candidata a prefeita, eu me disponho a dialogar com V. Exª e a pensarmos juntos. Na Vila de Paranapiacaba, em Santo André, haverá uma experiência pioneira, segundo o que está sendo planejado, nessa direção. Quem sabe em Fortaleza possa haver também! Meus cumprimentos a V. Exª.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Com certeza! Muito obrigada, Senador Suplicy. A sua voz é muito importante num debate como este, porque traz a sensibilidade, a coragem, a determinação de alguém que tem essas ponderações, essa força no coração, essa vontade de ajudar nas palavras que expressa aqui e em todos os lugares. Tenho certeza.

A respeito do desafio de instituir a renda mínima, já havíamos conversado. Se Deus quiser e se for essa a vontade do meu povo, eu quero poder estar muito próxima de V. Exª para aprender muito a respeito de como melhorar a vida de um povo tão bom, de um povo tão generoso, infelizmente ainda muito pobre, mas com muita disposição de melhorar de vida e de viver com dignidade.

Eu gostaria de continuar, dizendo que a violência doméstica é uma questão extremamente importante, porque, na maioria das situações, os maus-tratos, Senador Sibá, permanecem escondidos entre quatro paredes. Segundo a pesquisa “Ponta do Iceberg”, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (Lacri), apenas 10% dos casos de violência física e psicológica contra crianças e adolescentes são denunciados, o que dificulta bastante o mapeamento desse fenômeno. Mesmo assim, alguns levantamentos têm procurado jogar luzes sobre esse problema.

Segundo dados desse instituto, por exemplo, foram notificadas, de 1996 a 2006 - portanto, uma década -, 150 mil casos de violência doméstica contra meninos e meninas. Nessa década analisada pelo laboratório da USP, 522 crianças brasileiras acabaram morrendo em decorrência da violência praticada em casa pelos pais biológicos ou por outros adultos responsáveis por elas.

Portanto, evidentemente, precisamos avançar muito mais, principalmente nas políticas públicas, porque maior que a violência física e psicológica que as nossas crianças acabam recebendo é a violência de viverem numa sociedade que nada lhes permite, que não lhes dá opção, que não lhes traz oportunidades; uma sociedade que lhes nega uma escola boa e de qualidade, enquanto os nossos filhos podem estudar nas escolas particulares. Os filhos da classe média e os filhos dos mais ricos têm acesso a tantos equipamentos, a tantos instrumentos do conhecimento, como a Internet, laboratórios de Física, Química e Biologia, quadras de esportes, piscinas olímpicas, em que vão treinar, certamente, os futuros campeões do nosso País; línguas estrangeiras, como Inglês e Espanhol... E o que resta para os meninos das escolas públicas? Muito pouco. Muito pouco, a não ser algumas iniciativas, que são especiais, em algumas escolas que têm conseguido virar a página, dar a volta por cima e fazer com que seus alunos possam se destacar e sonhar, pelo menos, com um futuro melhor.

O debate é esse, a discussão é a respeito desse tipo de violência, que mata principalmente as crianças de dengue, como eu estou vendo acontecer no Rio de Janeiro. Estou vendo na minha cidade, Fortaleza, uma epidemia se aproximando, adoecendo e matando as pessoas. Talvez essa seja uma das horas mais difíceis de um ser humano. Quem não sabe que a hora da doença é a pior hora do ser humano? Não interessa, de forma alguma, Senador João Pedro, se a pessoa tem ou não dinheiro. Se a pessoa tiver dinheiro e puder ir para um hospital particular, com o melhor médico do País ou de fora dele, o sofrimento já será grande. Imagine o sofrimento daqueles que se amontoam em filas em postos de saúde, em hospitais públicos e que não conseguem um atendimento digno!

O Programa Saúde da Família conseguia ir de casa em casa, mas começa, pelo menos agora, a se desvirtuar e não consegue dar o atendimento necessário para evitar o abarrotamento das filas nos grandes hospitais.

Ouço, com muita atenção, o Senador Sibá Machado, para que eu possa concluir o meu pronunciamento.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Patrícia, foi bom ter ficado aqui até esta hora. Acho que a emoção que V. Exª coloca nesse pronunciamento, por si só, fez-me ganhar a tarde de hoje.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Obrigada.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Passa pelo meu cérebro um filme de vida, também. Às vezes, fico pensando que as pessoas devaneiam muito em relação às alternativas apresentadas para se tentar coibir o índice de violência, especialmente contra aquelas pessoas mais indefesas. Quero respeitá-las, mas não posso concordar com as pessoas que defendem, aqui, a antecipação da maioridade penal como alternativa para a violência praticada por pessoas de menor idade. Também não vejo alternativa plausível para se coibir de vez a violência cometida - acho que em maior volume - contra as pessoas de menor idade, as crianças em qualquer idade. V. Exª já lembrou vários casos e levaríamos o resto da noite para relacioná-los todos. Fico pensando na distribuição da renda que financia o custo de algumas coisas que o País precisa superar. Fico imaginando quanto custaria, de fato, quanto dinheiro se pagaria para que todas as crianças no Brasil, independentemente de seu padrão de vida e de renda, tivessem uma escola mínima; quanto custaria dar-lhes segurança e tantas outras coisas que todos nós merecemos. Muitas vezes, fico imaginando como custear isso. Ouvi, agora, o debate sobre mexer-se no royalty do petróleo. Pode-se pensar em algo nessa direção e dizer-se que o País poderia tirar esse montante das receitas dessas riquezas que não foi o ser humano que produziu, que foi a mãe natureza. Não vamos mexer naquilo que foi transformação feita, eminentemente, pelo trabalho humano, mas naquilo que foi a natureza que produziu, como o petróleo, o gás, minérios em geral. Então, é possível transferir-se uma parte desse dinheiro para que o País possa dizer, daqui a algum tempo: “Olha, zeramos, no Brasil, a situação das crianças fora da escola. Agora, todas estão na escola”. O Senador Suplicy comenta a renda mínima em todas as oportunidades, mas fico imaginando a diferença entre aquilo que é a nossa emoção e o que é a prática que podemos adotar. V. Exª presidiu, brilhantemente, a CPI que tratou da questão da violência contra as crianças. Acho que deu uma excelente contribuição e até fez a mídia nacional atentar para essa realidade. Acredito que aqui, no Senado, poderíamos fazer um estudo melhor de casos, para vermos de que forma poderíamos contribuir, como membros do Congresso Nacional, com alternativas mais exeqüíveis para a solução de alguns graves problemas. V. Exª tem inteira razão: não é a redução da maioridade penal que resolverá o problema do País. E ainda temos de resolver outro problema. Eu acreditava, no passado, que o problema era do sistema. E, como o problema era do sistema, era tão genérico que não havia culpado algum. O culpado era tudo ao mesmo tempo. Então, esse é o outro lado da moeda, que acho que também não resolve. Portanto, vou ouvir mais V. Exª sobre o assunto, pois é uma autoridade na área, e me comprometo, doravante, naquilo que for possível, a me associar às iniciativas que V. Exª sugerir. Muito obrigado.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Muito obrigada, Senador Sibá Machado. Sua palavra é muito importante neste momento, pois V. Exª tem muito forte a sensibilidade para lutar pelas causas, principalmente, dos mais fracos, dos mais oprimidos, daqueles que não têm direito à vida. Compartilho disso com V. Exª e, logo, logo, teremos um embate nesta Casa, que será, justamente, a discussão do projeto de redução da idade penal. Tenho fé em que iremos conseguir colocar no coração de cada Senador e de cada Senadora a importância de se dar uma oportunidade aos nossos filhos para que eles possam crescer com dignidade, com chance de ressociabilização, porque a responsabilidade não pode ser colocada apenas nas costas dos nossos jovens, de nossas crianças ou dos seus pais. Está dito muito claramente, na Constituição brasileira, que essa é uma responsabilidade de todos nós, não só das famílias, não só da sociedade, mas também, e principalmente, do Estado brasileiro, que não pode, de forma alguma, omitir-se quanto à sua tarefa.

Escuto, com muito carinho também, o Senador João Pedro e, em seguida, o Senador Paulo Paim, para que eu possa encerrar o meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eu não podia impedir a adesão em massa do PT à candidatura de V. Exª à prefeitura. Todos eles se manifestaram.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Muito obrigada, Senador.

Vamos recebê-los com todo carinho na nossa cidade, não é, Senador Inácio?

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Na realidade, Senadora Patrícia, V. Exª vai além da candidatura. V. Exª faz, nesta noite, não apenas um pronunciamento, uma reflexão, mas um grito, e não para o Senado, mas para o Brasil. V. Exª trabalha com números frios, que envergonham a Nação. E vou citar mais um número, que inclusive está no Jornal do Senado de hoje, um número que nos envergonha e que todos nós, da sociedade brasileira, temos que assumir. Na realidade, são poucas as ações, por exemplo, de nossos prefeitos. O pronunciamento de V. Exª nos remete à sociedade, ao Estado, às políticas públicas, com eficiência, com qualidade, com prioridade, porque essa é uma mazela dentro da grande mazela: os homicídios aumentaram no Brasil. O Jornal do Senado de hoje, na última página, traz uma matéria que diz que a população brasileira cresceu, de 1996 a 2006, 16,3%, Senador Sibá Machado; e os homicídios, no mesmo período, aumentaram 20%. Olhem como é grave isso! V. Exª mete o dedo, com veemência, nesta ferida, nesta mazela que é a prostituição infanto-juvenil, a juventude negra do País, os povos indígenas jovens que estão na periferia de Manaus, uma cidade de 2 milhões de habitantes, sem políticas públicas. V. Exª chama a atenção para isso. Parabéns a V. Exª pela militante, pela mulher, pela Senadora, pela representante do PDT aqui, por tratar dessa mazela dentro da mazela do aumento dos homicídios nos últimos anos no Brasil! Parabéns a V. Exª! V. Exª faz um pronunciamento muito bonito do ponto de vista de chamar a atenção, mas a emoção de tratar esse tema também merece ser observada. Precisamos trabalhar os números, as políticas públicas, mas a sociedade brasileira, além dos nossos governos, o coração de V. Exª e o coração de todos os brasileiros têm que tomar para si também gestos pequenos de solidariedade às crianças abandonadas, vítimas dos processos econômicos excludentes em nossa sociedade. Parabéns pela reflexão, pelas palavras, pela emoção e pelo coração de V. Exª, aberto para todo o País! Muito obrigado.

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Eu que agradeço a V. Exª, Senador João Pedro, também pela sensibilidade e pelo aparte, que só engrandece a luta pelas nossas crianças, pelos nossos jovens e por uma sociedade mais justa. Muito obrigada.

Senador Paulo Paim.

Em seguida, encerro o pronunciamento.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Patrícia, não quero tomar seu tempo. Cedi meu espaço a V. Exª, mas não poderia deixar de falar neste momento como representante da Comissão de Direitos Humanos, da qual V. Exª faz parte. O pronunciamento de V. Exª há de ficar marcado neste momento difícil da vida nacional. V. Exª lembrou João Hélio e Isabella, com toda a elegância de V. Exª. Todos nós sabemos quem matou a menina Isabella. É de pensar. E é essa reflexão que V. Exª faz, de que aqueles que mataram a menina agem de forma tão fria quando são interpelados sobre o crime cometido. Falo isso com a maior tranqüilidade. Falo com a maior tranqüilidade porque sei, estou convencido, e só falo daquilo de que estou convencido. Meu coração está convencido de quem matou. Por isso, só posso cumprimentar V. Exª. Que sociedade é esta em que estamos vivendo, em que pegam uma criança, assassinam covardemente e a jogam pela janela do 6º andar de um edifício? Enfim, eu me somo ao pronunciamento de V. Exª. V. Exª foi brilhante, como sempre. Lembro-me da questão do menino João Hélio também. V. Exª foi à tribuna e, como disse o Senador João Pedro, deu esse mesmo grito de alerta. E, hoje, praticamente um ano depois, vemos a mesma cena se repetir, com a mesma barbaridade. Cumprimento V. Exª. Nada do que digo aqui será além do sentimento que V. Exª tem sobre esse tema como mãe, como mulher, como Presidente daquela importante comissão parlamentar de inquérito que analisou, discutiu, viajou pelo Brasil e viu os crimes cometidos contra as nossas crianças. Parabéns a V. Exª!

A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE) - Obrigada, Senador Paulo Paim. Tenho o privilégio de conviver com V. Exª presidindo a Comissão de Direitos Humanos, e, cada vez que me aproximo de V. Exª, eu o admiro mais. Admiro-o pela sinceridade, pela vocação que tem para fazer o bem, pela forma como tem se conduzido diante de todos os graves problemas que acontecem no País e que encontram em V. Exª, na sua mão, no seu braço, no seu colo, certamente, o acolhimento de tantas denúncias, de tantas barbaridades que vivenciamos pelo Brasil afora. Eu é que tenho que dar parabéns a V. Exª por ser tão forte, por ser tão determinado e por enfrentar, com tanta dignidade, problemas tão duros e que muitas vezes destroem nossos sonhos, nossos desejos.

Senador Mão Santa, encerro meu pronunciamento, dizendo que não é preciso reinventar a roda. A única coisa que é preciso fazer neste País é colocar, definitivamente, no Orçamento, os nossos filhos como prioridade. Que se rompa, de uma vez por todas, com esta situação: estou cansada de ver tantas campanhas políticas, de dois em dois anos, em que todos se comprometem com as crianças, com a educação, com uma escola boa, de qualidade; em acabar com a exploração sexual; em acabar com o trabalho infantil, mas, na hora de mandar o Orçamento, infelizmente, nós que militamos nessa área - o Senador Paulo Paim sabe disso - precisamos sair correndo, de comissão em comissão, tentando remendar o Orçamento para que nossas crianças não sejam prejudicadas.

É preciso começar do começo, com uma escola boa e de qualidade. No momento em que todo cidadão, todo ser que nascer neste País tiver direito a uma educação boa, de qualidade, libertadora, que entenda os sonhos, os desejos e a energia de toda essa garotada, aí, sim, vamos acabar com o fosso, com o buraco que separa ricos e pobres.

Eu creio nisso. Eu sonho com isso. Espero que um dia, Senador Paulo Paim, possamos viver em um país em que cada um de nós seja capaz de garantir aos jovens e às crianças brasileiras o direito apenas de ser criança, de ser adolescente e de ser jovem. Que os nossos filhos não precisem interromper sonhos nem desertar da luta, porque terão, em cada um de nós, em cada homem e mulher deste País, uma pessoa que vai cuidar, vai ficar alerta, vai denunciar, e não vai deixar uma criança ser abusada, ser maltratada, dentro ou fora de casa, porque haverá um olhar de mãe e de pai para qualquer um em nosso País, porque, na verdade, são todos nossos filhos.

Muito obrigada, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2008 - Página 10443