Discurso durante a 58ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a demarcação de terras indígenas na Amazônia.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexão sobre a demarcação de terras indígenas na Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2008 - Página 10455
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, APOIO, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DESAPROVAÇÃO, ATUAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, EXERCITO, DEFESA NACIONAL, REFERENCIA, SEGURANÇA, TERRITORIO NACIONAL.
  • REGISTRO, CRESCIMENTO, CONFLITO, REGIÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, COMBATE, PROBLEMA, ESPECIFICAÇÃO, VIOLENCIA, PRODUTOR RURAL, ARROZ.
  • COMENTARIO, HISTORIA, CONFLITO, DEMONSTRAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLICIA FEDERAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), NEGOCIAÇÃO, TENTATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, AUMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONTENÇÃO, DESMATAMENTO.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUMENTO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL.
  • ELOGIO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, COMBATE, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na tarde de hoje muitos vieram à tribuna e trataram de assuntos dos quais me considero um militante: faixa de fronteira, terras indígenas, questão ambiental, desocupação das terras indígenas, Operação Arco de Fogo e assim por diante.

Em primeiro lugar, quero dizer que respeito todas as opiniões.

Nesta semana que passou e nesta agora, ocorreram muitos episódios. Por isso, eu não poderia deixar de vir à tribuna e emitir a minha opinião. Inclusive, já tive a oportunidade de conversar com algumas altas patentes do Exército brasileiro sobre isso.

A primeira coisa que eu acho, Sr. Presidente, é que as Forças Armadas, a Defesa Nacional, especialmente o Exército, têm uma visão que, no meu entendimento, está atrasada no tempo. Refiro-me à segurança do território nacional. Ainda vence a tese de que as terras não ocupadas, ou seja, sem a presença de população, são terras passíveis de ocupação por pessoas que venham de outros países, a chamada invasão amazônica, que é um tema que não cala nunca e que tem me deixado muito preocupado.

Ainda se discute se foi acertada ou não a decisão final do Presidente Lula sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Deu-se um ano para que fosse negociada a desocupação por parte de pessoas tidas como não-índias, não-merecedoras de viverem naquelas terras. Foi dado um ano de negociação, postergado por mais um ano, e, até o presente momento, vivemos um impasse.

O ponto que mais me chamou a atenção foi que as pessoas que plantam arroz numa parte dessa terra indígena utilizaram métodos que, tenho absoluta certeza, se fossem utilizados por qualquer outra organização social brasileira, o caso já estaria sendo tratado da maneira mais escandalosa possível. Esse é o primeiro aspecto que me preocupa. Houve a destruição de pontes, de trechos de estrada, houve denúncias segundo as quais teria sido ameaçada a Delegacia da Polícia Federal - disseram que um carro-bomba estaria estacionado lá. Teve de tudo.

Essas coisas todas me deixam extremamente preocupado porque, se valer para eles, vai valer para muita gente. É desobediência civil! Já se concedeu todo tempo do mundo para se fazer contestação judicial.

Eu digo a V. Exª com toda segurança: essa decisão do Supremo só vale para uma última tentativa de negociação. Acompanhei, um pouco à distância, o desenrolar desse episódio todo desde 2003 e presenciei há alguns dias os últimos esforços do Governo Federal para entrar em um acordo com o Estado de Roraima, com o Governador Anchieta. Foi aceita a proposta que o Governador apresentou: o Governo Federal cederia sete milhões de hectares de terra para o Governo do Estado, que localizaria a terra que os arrozeiros poderiam utilizar para continuar seu trabalho - o Governador ofereceu, inclusive, toda a infra-estrutura básica para que eles voltassem a produzir. No entanto, chegamos onde chegamos. Eu não entendo essa decisão.

Constitucionalmente falando, é uma prerrogativa do Presidente da República tomar a decisão de fazer o decreto de homologação da maneira como foi feita.

Gostaria também de chamar atenção para as palavras do General Heleno, que, no meu entendimento, coloca a preocupação não apenas com a questão da defesa nacional. Havia ali, Sr. Presidente, uma série de situações das quais tenho de discordar - digo em qualquer fórum, sem problema algum, que a minha convicção é outra.

Na nossa Amazônia hoje, a grande preocupação não é ocupar o território, povoar toda a faixa de fronteira do território, tese defendida no momento em que uma comissão do Senado e da Câmara estiveram lá. E tive um debate pouco ortodoxo com o nosso Deputado Lindberg, à época. Fiquei extremamente chateado com o que ele fez, porque é preciso estudar a Amazônia como um todo, em todos os seus vieses, para poder apresentar uma sugestão. Aquela de dizer que o índio, hoje, é uma ameaça ao território brasileiro é brincadeira, pois, então, todas as terras indígenas - sejam elas quais forem, estejam em que Estado estiverem - acabam sendo uma ameaça ao território brasileiro.

O problema da faixa de fronteira e a Amazônia com o seu viés ambiental. Todos sabemos que a preferência do Brasil com relação à Amazônia tem que ser clara, não se pode tergiversar, temos que dizer qual é o objetivo do País com aquela região.

Se há uma consciência nacional de que na nossa Região Amazônica - e não porque estrangeiros pedem - tem que haver um vazio demográfico para ter preservação ambiental, não pode haver incentivo como aquele que os militares fizeram dos anos 70 para cá, qual seja, chamar o País à ocupação por meio da colonização, processo do qual minha família foi uma das beneficiárias.

E o que temos hoje? Desmatamento. Mas isso aconteceu devido a um paradigma colocado de que quem fosse para a Amazônia deveria desmatar; o Incra, à época, dava lotes de 100 a 21 mil hectares, dependendo do porte financeiro da pessoa que os recebia; temos uma série de cidades que nasceram quebrando os chamados corredores biológicos de rios, da floresta e da fauna que lá existe; e ainda a visão extremamente preconceituosa de que na Amazônia se cuida mais da mata e dos bichos do que das pessoas.

Pois muito bem, os pronunciamentos de hoje trabalharam nesta direção. Temos a legislação ambiental e aqui vou falar o que disse na reunião de Belém, na subcomissão que tivemos lá, presidida pelo Senador Flexa Ribeiro.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a Medida Provisória nº 2.166, aumentou de 50% para 80% a área destinada à reserva ambiental, sem se importar o tamanho. Mas as pessoas tratam como se fosse um problema do atual Governo.

Isso não é problema de Governo, mas de Estado, é uma escolha de objetivo de uso daquelas áreas. O Governo FHC também criou muitos parques, inclusive o do Tumucumaque, do Amapá, que é o maior que temos no Brasil em área contínua.

Estabelecer que os índios são ameaça à segurança nacional, Sr. Presidente, conhecendo-se a tecnologia de guerra que se tem, conhecendo a voracidade que os países, sejam os vizinhos ou qualquer outro país, têm sobre a Amazônia e, ainda, discutindo esse prisma é querer nos enganar nós mesmos. Não vou acreditar nunca que alguns índios, mal alimentados até, com um arco e uma flecha feita de taboca, são ameaças à segurança nacional, perdoe-me, Sr. Presidente, mas tenho que ridicularizar porque é o que merece. Esse, portanto, é um assunto que está eivado de preconceito e de outros interesses que ainda não sei quais são, porque esses não são os verdadeiros.

Então, gostaria de encerrar este assunto dizendo que, felizmente ou infelizmente, toda terra indígena tem, em seu subsolo ou em sua superfície, riquezas muito grandes. O problema consiste no uso dessas riquezas.

Sabemos que o Centro-Oeste é, hoje, o celeiro do Brasil, prometendo inclusive ser o celeiro do mundo. Mas o que nós acreditamos - e é um debate que tem que ser feito - é que a tecnologia tem que vir para verticalizar ao máximo a produção do nosso País e não para horizontalizar. Sabemos também que, ao se discutir o avanço da agricultura brasileira, o avanço do agronegócio, aparecem os interesses comerciais estrangeiros que, travestidos no capital nacional, passam a adquirir terras. Mas não queremos discutir isso e, sim, o fato de colocarem uma comunidade indígena, com a sua população fazendo o além-fronteira Brasil, como é o caso dos ianomâmis e tantas outras que cruzam a linha do território nacional, como perigo à segurança nacional, esquecendo-se desses magnatas estrangeiros que compram terras em nosso território. Sabíamos que Bill Gates estava a um passo de comprar grandes áreas de terra no Estado de São Paulo. Com relação a isso, ninguém diz nada. E chamam-no de investidor. O que dizer do presente que foi dado a Daniel Ludwig, nos anos 60, que recebeu seis milhões de hectares no Jarí, parte no território do Amapá e parte no Pará, para plantar árvores para celulose, explorar minério e, também, fazer uma grande produção de arroz irrigado naquele lugar? Essa pessoa criou aquela localidade como se fosse o 51º estado norte-americano, porque, para sua segurança, ele trouxe nada mais, nada menos do que mariners, ex-guerreiros...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Sibá Machado, terminou o tempo de V. Exª estipulado pelo nobre Presidente Garibaldi Alves Filho. Como V. Exª é um dos mais disciplinados e amigo do Presidente Garibaldi Alves Filho, peço que conclua.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Sem problema, Sr. Presidente. Peço apenas que V. Exª me conceda mais três minutos para concluir.

Então, eu digo todas essas coisas porque já temos a presença do capital estrangeiro no Brasil, comprando terras em todos os Estados, fazendo o que chamam aqui de investimento, e ninguém discute isso. Mas qualquer coisa na Amazônia vira motivo de polvorosa.

Há ainda outra coisa que considero um preconceito, um erro muito grande: dizer que determinado Estado, por ter tantos por cento, vamos dizer, 60% ou 70% de terras nas mãos da União, está condenado ao fracasso. O que dizer do Acre, onde temos 16 milhões de hectares, cerca de 150 a 160 mil quilômetros quadrados, sendo que menos de 10% é de terras tidas como do Estado e o restante é terra da União? Quantos Municípios não podem sequer dar um título de terra para um morador da cidade? Todas essas terras são tidas como da União e, até hoje, Sr. Presidente, graças a Deus, não morremos de fome. O nosso Estado tem as suas dificuldades, mas não são por conta disso.

Se assim fosse, deveríamos condenar a Holanda a viver na extrema miséria. Acabei de acessar um site para pegar dados sobre a Holanda e não cometer erros. O país tem 41 mil quilômetros quadrados. Desses, 18% são cedidos a cursos d’água - e eles ainda tiveram que tirar um pedaço da barreira do mar para não serem inundados. Há 16 milhões de pessoas na Holanda para 41 mil quilômetros, com 18% ainda ocupados pela água. Eles deveriam estar morrendo de fome. A Holanda, no entanto, tem um PIB de meio trilhão, quase seiscentos bilhões de dólares. É um país que está presente nas economias de muitos outros lugares, não só na União Européia. O que dizer, então, da Holanda, que deveria estar morrendo de fome?

Eu queria dizer isso, Sr. Presidente, porque o debate deveria ser feito de maneira mais desapaixonada, deveríamos ser mais claros daqui para frente. Quais são os verdadeiros objetivos que o Estado brasileiro tem para usufruto da Região Amazônica?

Vou encerrar, dizendo que na minha ida a Belém, acompanhando a subcomissão, fui muito claro e continuarei sendo: o Governo está corretíssimo em ter feito o que fez, porque está cumprindo a lei. A Operação Arco de Fogo está cumprindo a lei, porque crime ambiental é crime, sim. E, em alguns casos, até inafiançável.

Portanto, as pessoas que cometem crime ambiental também são passíveis de cadeia e, nesse caso, a lei está sendo cumprido à risca. Assim, dissemos à Federação das Indústrias do Pará que fizesse uma relação das empresas que, de fato, foram injustiçadas. Essas, sim, merecem uma atenção e merecem ser separadas; mas aquelas pessoas, os quais nem trato como empresários, que estão cometendo crimes ambientais não podem ser apoiadas por qualquer entidade ou por qualquer pessoa, e não podemos colocar o Senado Federal a serviço disso.

Ainda quero lembrar que o Governo Federal...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - ... acabou de colocar um avião da FAB, que tem uma precisão muito maior do que o Landsat, que é o satélite utilizado pelo Inpe para fazer a varredura do desmatamento na Amazônia. Esse avião já está trabalhando com uma precisão muito maior, de, no máximo, seis metros de diferença, e pode trabalhar, inclusive, quando o tempo está com baixa visibilidade, com a presença de nuvens. Assim, daqui a poucos dias, poderemos ter a certeza se houve ou não houve erro do Inpe naquilo que virou a Operação Arco de Fogo.

Portanto, digo a V. Exª, com toda a tranqüilidade, que espero que o Senado Federal, ao se reportar a esta situação toda - faixa de fronteira, questão ambiental, Amazônia como um todo e, agora, essas operações contra o crime ambiental -, aja de maneira desapaixonada e que coloque aqui...

(Interrupção do som.)

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) -...definitivamente os verdadeiros objetivos.

Sr. Presidente, já encerro, agradecendo a V. Exª pelo tempo concedido, mas devo lembrar o seguinte: não estou aqui para mudar a decisão de quem está presidindo, mas é sempre importante que, uma vez dado a qualquer Senador qualquer tempo, pela necessidade do pronunciamento feito... E, pacientemente, estou aqui desde às 14 horas e 30 minutos, esperando por este momento, mas não podia sair daqui sem colocar minha versão. V. Exª foi complacente comigo, mas pediria que, se pudesse, uma vez cedendo tempo a mais a qualquer um, que a gente não pedisse mais espaço de tempo para nenhum outro. Fica da consciência de cada um fazê-lo. Mas, mesmo assim, agradeço a V. Exª por ter me concedido mais de dez minutos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2008 - Página 10455