Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saudações à eleição do Presidente do Paraguai, Sr. Fernando Lugo. Considerações sobre o Tratado de Itaipu.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Saudações à eleição do Presidente do Paraguai, Sr. Fernando Lugo. Considerações sobre o Tratado de Itaipu.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2008 - Página 10611
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, ELEIÇÃO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, EXTINÇÃO, HEGEMONIA, PARTIDO POLITICO, REFORÇO, DEMOCRACIA, RENOVAÇÃO, LIDERANÇA, GOVERNO, AMERICA LATINA.
  • ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, VIABILIDADE, ITAIPU BINACIONAL (ITAIPU).
  • EXPECTATIVA, DIALOGO, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, CONSOLIDAÇÃO, TRATADO, ITAIPU BINACIONAL (ITAIPU), BENEFICIO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, APROVEITAMENTO HIDROELETRICO, RIO PARAGUAI.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, PRISÃO, MAIORIA, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, ACUSADO, CORRUPÇÃO, LIGAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, GRUPO, GUERRILHA.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Vários parlamentares já se pronunciaram na tribuna saudando a eleição do Presidente Lugo no Paraguai. Senador Tião, foram mais de sessenta anos de domínio exclusivo de um único partido no Paraguai, do Partido Colorado. Portanto, todos devemos saudar a eleição do Presidente Lugo como uma redemocratização efetiva, uma vitalização da democracia no continente latino-americano.

E é interessante que esse aspecto, essa mudança democrática tão importante no Paraguai, acabou ficando em um segundo, terceiro, quarto ou quinto plano. E há uma fala do Presidente Lugo que é muito importante. Eu queria começar o meu pronunciamento a respeito do Tratado de Itaipu, que tomou a cena, que tomou o noticiário, mas o Presidente Lugo disse uma frase muito contundente. Ele disse que estava muito contente com a vitória porque ali - com a vitória dele, da coligação ampla que foi possível constituir a vitória - se iniciava um período em que o Paraguai poderia começar a ser reconhecido pelas qualidades do país e do seu povo e não pela corrupção. Então, eu acho muito importante, inclusive, reproduzir essa fala do Presidente Lugo, porque é algo saudável para a nossa América Latina.

Já tivemos vários debates aqui a respeito da situação dos países latino-americanos, das mudanças, das disputas, dos posicionamentos do Chávez e do Evo Morales acerca de várias questões, daquele episódio envolvendo Equador, Colômbia e Venezuela, quando a política externa brasileira teve um papel de realce. E é interessante notar que ninguém trouxe o assunto à tribuna ainda.

Inclusive, ontem tive oportunidade de assistir, no noticiário, à situação extremamente delicada que está passando a Colômbia neste momento, quando nada mais nada menos do que 20% da totalidade do congresso colombiano está preso. O número de parlamentares da base do governo Álvaro Uribe comprovadamente ligados ao crime organizado, ao narcotráfico e aos paramilitares na Colômbia é este: dos 61 parlamentares acusados, 32 já foram presos. E o mais grave é que estamos com a situação dos prisioneiros das Farc - inclusive, este Parlamento, o Senado já se pronunciou muitas vezes em defesa da libertação da Senadora Ingrid Betancourt -, que não se consegue resolver porque um governo que tem tantos parlamentares da sua base envolvidos com paramilícias, com o crime organizado, com o narcotráfico, efetivamente não tem, acaba não tendo as condições de efetivamente estabelecer um processo negocial para valer no sentido da libertação.

Então, eu acho muito importante a gente poder fazer essa análise do que está acontecendo na América Latina, das mudanças, das figuras, das personalidades que vêm sendo eleitas, de como isso vem se constituindo. Acho que a eleição do Presidente Lugo no Paraguai vem se somar a esse espectro extremamente renovador das lideranças, dos partidos e dos governos na América Latina. Na contrapartida, na contramão, temos situações como essa que, infelizmente, não têm vindo para o plenário. Em outras situações, vieram vários debates aqui para o plenário, e essa questão do envolvimento com o crime organizado, com os paramilitares e com o narcotráfico dos parlamentares e do governo do Uribe, infelizmente, não tem aparecido aqui.

Eu gostaria apenas de fazer um registro, ainda em nome da Liderança do PT, de algumas questões, porque o debate a respeito do acordo Itaipu está posto; e eu tenho o entendimento de que vamos ainda aprofundar, e muito, esse debate, mas acho que há muitas questões que precisam ser ditas de forma categórica.

Itaipu não é um negócio. Itaipu não foi concebida como um mero negócio, visando ao lucro para os sócios. O empreendimento só se tornou viável porque o tratado estabeleceu as seguintes garantias: primeiro, receitas vinculadas ao “custo do serviço de eletricidade”, o que assegura ingressos apenas suficientes para o pagamento dos compromissos financeiros assumidos; segundo, obrigação das Altas Partes Contratantes, entre a Eletrobrás e a Ande, paraguaia, de aportar os recursos necessários, independentemente da produção de energia; terceiro, operacionalmente estabeleceu-se um processo de divisão de responsabilidade pelo aporte de recursos que significa, na prática, que o Paraguai define o quanto deseja aportar e o Brasil se compromete a complementar todo o restante dos recursos.

Hoje, o Paraguai responde por apenas 5% dos aportes, e o Brasil, pelos 95% restantes.

A outra questão de fundamental importância é que a abordagem viabilizou Itaipu. Foi essa abordagem inovadora, que reconhece categoricamente a igualdade de direitos dos dois países que viabilizou financeiramente o empreendimento, respeitando as assimetrias entre os parceiros. Compare-se a história de Itaipu com a de Yacyretá (Paraguai e Argentina), discutida sob a ótica de negócio por mais de meio século, sem sucesso. Yacyretá só saiu do papel quando o Tratado de Itaipu apontou o caminho.

Quais são os riscos da rediscussão do tratado? Qualquer tentativa de revisão do tratado, orientada por uma lógica de mercado, representaria um grave risco para a viabilidade futura do empreendimento binacional. A rediscussão do tratado implica reabrir o debate sobre concessões recíprocas, envolvendo não apenas os governos de ambos os países, mas os respectivos congressos, a mídia e a sociedade em geral, com resultados incertos. O Governo brasileiro teria dificuldades em explicitar para a sociedade os mecanismos do tratado que possibilitaram a construção de Itaipu.

Por último, eu gostaria de - teríamos aqui vários elementos para fazer referência - listar quais foram os benefícios já implementados durante o Governo Lula com relação às reivindicações do Paraguai. Atendendo pleitos do governo paraguaio, o Governo brasileiro concordou com as seguintes mudanças, que geraram benefícios adicionais ao Paraguai: primeiro, preferência dada à Ande, empresa paraguaia, na utilização de energia de potência excedente, o que resulta numa significativa redução do preço médio da energia para o Paraguai. Em 2007, isso significou um custo de energia para o Paraguai de US$24 por MWh/mês e de US$37 por MWh/mês para o Brasil. Segundo, aumento do fator de correção da remuneração por cessão de energia de 4,0 para 5,1, o que proporcionou ganho real em dólar para o Paraguai; eliminação do “fator de ajuste” que incidia sobre o estoque da dívida, medida que passou a vigorar a partir deste ano, acelerando a tendência de redução da dívida, que se manterá constante até sua eliminação em 2023; aumento dos investimentos em ações socioambientais. Somente no período de 2001 a 2004 foram alocados no Paraguai, por meio da Diretoria e Coordenação, US$35,5 milhões.

Portanto, Sr. Presidente, já houve inúmeras modificações e benefícios nos ajustes necessários para fazer com que o Paraguai, nessa sociedade que nós temos no Tratado de Itaipu, pudesse ter reconhecidos os seus direitos e os seus benefícios.

Portanto, da mesma forma como a Bolívia acabou dando um verdadeiro tiro no pé, quando mexeu com a Petrobras, porque, se não tivesse mexido com a Petrobras, tivesse aceitado as condições, tivesse ampliado a produção de gás, hoje a Bolívia estaria aproveitando o crescimento do Brasil e da Argentina e vendendo um volume ainda maior de gás tanto para o Brasil quanto para a Argentina... Resolveram comprar aquele debate, aquela discussão, e o resultado está aí: a Bolívia perdeu um bom momento, perdeu um excelente momento de ampliar, inclusive, os seus investimentos feitos pela Petrobras naquele país e de aumentar a venda do bem precioso que é o gás boliviano.

Então, não queremos a repetição de situações desse tipo com o Paraguai. Ao contrário, até porque o Presidente Lugo tem dito de forma muito clara que ele quer o melhor para o seu país, mas o comportamento dele será balizado por outros parâmetros que não os que já nortearam outras negociações.

Por isso, estamos aqui fazendo o registro, saudando e parabenizando o povo paraguaio por, finalmente, depois de 60 anos, ter dado uma arejada democrática e contribuído de forma efetiva para a eleição de Fernando Lugo.

Que todas as tratativas que venhamos a fazer referentes às questões de Itaipu sejam tratativas que levem à consolidação do tratado do benefício que esse grande empreendimento processa para o povo tanto do Brasil como do Paraguai.

Se o Presidente me permite, ouviria com muito prazer o Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Cumprimento e sou solidário a V. Exª, Senadora Ideli Salvatti, nessa manifestação, sobretudo com respeito a essa vitória da democracia que é do Paraguai e de toda a América Latina. Devido ao fato de os próprios competidores do Presidente Fernando Lugo - a Srª Blanca e o General Lino Oviedo - terem reconhecido a lisura das eleições, que ocorreram com muita tranqüilidade, ao fato de ter havido uma modificação no poder, depois de 61 anos dos colorados à frente do governo do Paraguai, e às manifestações progressistas do Presidente Fernando Lugo, parece-me que ele tem tido um comportamento muito assertivo e, ao mesmo tempo, com muita abertura para o diálogo, inclusive com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o Brasil. Avalio que seja um passo positivo o fato de o Presidente Lula ter mencionado que o Brasil vai se portar como um país maior, mais desenvolvido, que tem todo o interesse de promover a integração e o desenvolvimento de nossos países irmãos e vizinhos como o Paraguai. Também foi muito positivo o Ministro Celso Amorim ter mencionado que, entre outras iniciativas que poderão ser levadas adiante, está a possibilidade de o Brasil colaborar para que haja uma linha de transmissão de energia de Itaipu para Assunção, viabilizando que Assunção possa receber mais indústrias, dado que ainda o provimento de energia elétrica ali é muito precário. Então, são passos positivos. E são muitos os outros. Espero que esse diálogo se faça da forma mais fraterna possível.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Suplicy, o aparte. Apenas reitero a importância desse debate feito de forma soberana, mas solidária, entre o Brasil e o Paraguai. Eu queria, Senador Suplicy, que V. Exª, que é um dos nossos mais ativos membros na Comissão de Relações Exteriores, desse uma atenção muito especial a essa situação da ligação com o narcotráfico, com o crime organizado, que, do meu ponto de vista, tem inviabilizado o sucesso na negociação da soltura da Senadora Ingrid Betancourt, na Colômbia. Efetivamente, a situação da prisão de aproximadamente um quinto do Congresso colombiano é algo que deve nos preocupar, como nos preocuparam outros episódios na América Latina.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Agradeço-lhe alguns minutinhos a mais que V. Exª me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2008 - Página 10611