Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao desrespeito do MST com as decisões judiciais, e à complacência do Governo com as ações ilegais do movimento. Comentários ao pronunciamento do Senador Delcídio Amaral.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Críticas ao desrespeito do MST com as decisões judiciais, e à complacência do Governo com as ações ilegais do movimento. Comentários ao pronunciamento do Senador Delcídio Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2008 - Página 10648
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, TRANSFORMAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, INSTRUMENTO, NATUREZA POLITICA, DESVIO, OBJETIVO, LUTA, DEFESA, REFORMA AGRARIA, DESRESPEITO, DECISÃO JUDICIAL, BLOQUEIO, FERROVIA, PARALISAÇÃO, TRANSPORTE, MINERIO, INVASÃO, SEDE, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ESTADO DO PARA (PA).
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, COMPORTAMENTO, MEMBROS, GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CHEFE, SECRETARIA ESPECIAL, DIREITOS HUMANOS, CRITICA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), GARANTIA, ORDEM PUBLICA, SIMULTANEIDADE, ACEITAÇÃO, VIOLENCIA, SEM-TERRA, DEPREDAÇÃO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, ALEGAÇÕES, DEFESA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PAIS, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, DISCURSO, MEMBROS, GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), INTERESSE, BRASIL, GARANTIA, MANUTENÇÃO, TERMO, TRATADO, ITAIPU BINACIONAL (ITAIPU), IMPEDIMENTO, AUMENTO, ONUS, CONSUMIDOR, AUSENCIA, ABERTURA, CONCESSÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI.
  • COMENTARIO, CENTRALIZAÇÃO, PLATAFORMA, POLITICA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, REVISÃO, TRATADO, ITAIPU BINACIONAL (ITAIPU).

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o balanço dessa “temporada de desacatos”, como denominou a colunista Dora Kramer, patrocinados pelo MST na operação Abril Vermelho já chega a um prejuízo de US$20 milhões.

Quero destacar que, quando o MST nasceu, ele nasceu como um sonho, uma esperança, merecendo aplausos em todo o mundo.

Nós, os progressistas, aplaudimos o surgimento do MST, repito, como esperança de bandeira de luta a favor da reforma agrária, mas, lamentavelmente, o MST foi invadido; foi invadido por estranhos, foi invadido por pseudolideranças que, na verdade, nem sequer conhecem o campo como é o campo. Pseudolideranças urbanas partidarizaram o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Passou a ser o MST uma ferramenta política utilizada especialmente em campanhas eleitorais, desvio de finalidade, desvirtuamento explícito.

Com a posse do Presidente Lula estabeleceu-se uma relação, eu diria, de promiscuidade, porque recursos públicos foram desviados para atender a outros objetivos e não àqueles pelos quais foram alocados em convênios celebrados entre diversos ministérios e organizações que se colocaram como braço avançado do MST, já que ele não tem conformação jurídica.

Veja, Sr. Presidente, Augusto Botelho, só a paralisação da Estrada de Ferro Carajás, controlada pela mineradora Vale do Rio Doce, gerou perdas equivalentes a um dia de produção, que totaliza 280 mil toneladas de minério.

O que me chama a atenção, Sr. Presidente, é o fato de que não se vê o MST protestando contra o Governo: o MST protesta contra o proprietário rural invadindo áreas produtivas, importantes para o País. Ora, Sr. Presidente, não é o proprietário rural o responsável pela incompetência do Governo na execução da reforma agrária. Não pode ser o proprietário rural responsabilizado.

Eu tive a oportunidade de presidir nesta Casa a CPMI da Terra. Fizemos um diagnóstico da estrutura fundiária brasileira e concluímos que a estrutura fundiária brasileira está absolutamente desorganizada. Há uma desorganização que impressiona e há, em alguns Estados em desenvolvimento sobretudo, o desrespeito à lei como rotina. Aliás, fica até difícil falar em desrespeito à lei, porque, na verdade, lei não há. O que há é a lei da selva em algumas regiões mais distantes do nosso País; o que há é a ausência absoluta da autoridade governamental, e a ausência dela é que institui o desrespeito à lei ou implanta a lei da selva.

É evidente que nós não podemos responsabilizar também trabalhadores sem terra. Quando me indagam quem é responsável, o trabalhador sem terra ou o proprietário rural, respondo: “Nem um nem outro. O principal responsável é o Estado brasileiro ou quem nos governa, a quem compete a realização da reforma agrária”.

A desorganização se estabeleceu, se institucionalizou exatamente porque a autoridade governamental não demonstrou competência para oferecer perspectivas de futuro àqueles que verdadeiramente são do campo e esperam por uma oportunidade de se tornarem proprietários rurais.

Porém, Sr. Presidente, o que me traz à tribuna é, sobretudo, a preocupação com o desacato à autoridade, com o desrespeito ao poder constituído, sobretudo ao Poder Judiciário.

Por exemplo: a paralisação da ferrovia desrespeitou uma liminar concedida pela Justiça que proibia a invasão. A decisão foi tomada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro por ordem do Juiz Titular da 41ª Vara Wilson do Nascimento Reis. Não deram importância à decisão judicial, preferiram afrontar o Poder Judiciário.

O desrespeito à ordem judicial caracteriza um quadro de anomia muito preocupante. O posicionamento de várias autoridades do Governo Federal nesse episódio nos leva à reflexão do momento que estamos vivendo.

O Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos, por exemplo, declarou, num seminário promovido na Faculdade de Direito da USP, que os meios de comunicação muitas vezes ajudam a criminalizar a ação do MST e arrematou criticando a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da reserva Raposa/Serra do Sol. Disse ele: “O Judiciário é o mais defasado dos Três Poderes em respeito aos direitos humanos”. Uma afirmação inconseqüente e que deveria ser revista por alguém que ocupa um cargo de confiança no primeiro escalão do Governo Federal.

Igualmente lamentável é a postura do Ministro da Justiça se pronunciando sobre a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal no caso da retirada dos produtores de arroz da reserva Raposa/Serra do Sol em Roraima. O Ministro declarou que o Supremo Tribunal Federal se baseou nos relatos da mídia para suspender liminarmente a Operação Upatakon 3, da Polícia Federal.

A resposta lúcida, oportuna, e pautada pelo equilíbrio de um integrante daquela Suprema Corte falou por si só.

Disse o Ministro Celso de Mello: A decisão do Supremo Tribunal Federal foi um claro exercício de prudência”.

É hora de um amplo exercício de prudência. A imprudência e os imprudentes desafiam o ordenamento jurídico e parecem querer transformar o País em uma terra sem lei. Os ataques às decisões do Supremo vão se incorporando à rotina das autoridades do Governo. Essa trajetória precisa ser interrompida, essa postura não se coaduna com o Estado Democrático de Direito.

O MST promoveu o terceiro bloqueio das atividades de uma empresa nos últimos cinco meses sob a complacência das autoridades federais e estaduais. Qual a imagem que passamos para aqueles que pretendem investir no Brasil? Aliás, enquanto o Governo é complacente com invasões que afrontam a legislação no País, que subtraem direitos adquiridos de propriedades produtivas, enquanto isso ocorre, enquanto o Governo é complacente com esses, ele mostra força contra trabalhadores que estão produzindo em algumas áreas invadidas pela autoridade policial armada a pretexto de lutar pela preservação ambiental no Pais.

Vi isso no Mato Grosso no último final de semana. Colhi o protesto de produtores rurais que não se conformam, porque lá estão há vinte ou trinta anos trabalhando a terra e, repentinamente, são ameaçados por força policial por estarem depredando o meio ambiente.

Sr. Presidente, este é um comportamento estranho: violência contra aqueles que estão produzindo na ordem e na lei e complacência com aqueles que estão invadindo e depredando as propriedades produtivas.

Quero dizer, Senador Mão Santa, que nós precisamos distinguir bem aqueles que lutam por reforma agrária, e o fazem com a consciência de trabalhadores sem terra que possuem o direito a um pedaço de chão para plantar, produzir e sobreviver, distingui-los daqueles que invadiram esse movimento e o utilizam com objetivos políticos predeterminados. Eles são diferentes: os primeiros são do campo, são lavradores, são trabalhadores; os segundos não são do campo, não são trabalhadores, são aproveitadores, são oportunistas, fazem uso da boa-fé, lançam mão até da ingenuidade daqueles que trabalham e sonham em se tornarem proprietários rurais, usam da boa-fé dessa gente para suas atividades de natureza política, atividades essas muitas vezes inconfessáveis, com uma parceria estabelecida com quem, no momento, exerce o poder no País.

Sr. Presidente, fica este registro. A Vale, a maior mineradora do mundo, registrou em 2007 o quinto ano de lucro recorde da companhia, vinte bilhões de reais. A Vale contribuiu com 28,8% do superávit da balança comercial brasileira no ano passado.

E nós não podemos, de forma alguma, compactuar com ações arbitrárias estimuladas por pseudolideranças que realmente não possuem aptidão para o trabalho rural.

A reforma agrária deve ser feita no País, devemos defendê-la como forma de distribuição da riqueza e de promoção da justiça social, mas ela deve ser feita a favor daqueles que possuem, realmente, aptidão para o trabalho no campo.

Sr. Presidente, quero cumprimentar o Senador Delcídio Amaral, que com um pronunciamento técnico procurou defender os interesses do nosso País. Eu me surpreendi com o fato de o Governo brasileiro ter ouvido calado, durante toda a campanha eleitoral no Paraguai, o que ouvimos. O Governo brasileiro não se pronunciou; ouviu em silêncio.

O Presidente eleito do Paraguai Fernando Lugo, que cumprimentamos ontem desta tribuna, utilizou como sua bandeira de campanha uma ação que colocou em xeque o Governo Federal do Brasil.

Agora o Governo começa a falar e demonstra uma falta de articulação incompreensível: o Presidente da República diz uma coisa; a diplomacia diz outra, mediante o Ministro das Relações Exteriores; e, logo a seguir, o Ministro de Minas e Energia se pronuncia diferentemente. Assim se estabelece a torre de babel no Governo da União.

É claro que é preciso estabelecer um único discurso, um discurso de defesa dos interesses do nosso País. O Brasil possui argumentos, como demonstrou aqui o Senador Delcídio Amaral, que são incontestáveis. Estamos pagando o preço justo pela energia que compramos do Paraguai. O que não consideram é que recebem, mas devem receber com os descontos estabelecidos. Estamos pagando dívida, estamos pagando serviços da dívida, além de outras despesas. Há um tratado estabelecido, que prevalecerá até 2023. O Governo brasileiro não tem o direito de recuar. O Governo brasileiro não pode passar essa conta para que o consumidor de energia no nosso País pague. Temos o exemplo da Bolívia com o gás. Que ele sirva de lição ao Governo brasileiro!

Na próxima terça-feira, estará em Brasília o Vice-Presidente eleito, Sr. Frederico Franco, que terá audiência com o Vice-Presidente José Alencar. Trata-se, provavelmente, de uma visita de cortesia, mas inevitavelmente esse assunto virá à tona. O Brasil não pode, de forma alguma, ser condescendente quando se trata de defender os interesses do País.

É importante lembrar que o montante pago pelo Brasil, como já disse o Senador Delcídio, envolve itens como financiamento, distribuição de royalties, custo operacional da própria usina. Deve ser destacado que, desde 2007, o Paraguai foi desobrigado de pagar correção monetária do contrato, reduzindo em US$1 bilhão sua dívida de cerca de US$19 bilhões.

A Usina de Itaipu é responsável pelo abastecimento de 20% das necessidades brasileiras de energia elétrica e por 95% da energia consumida no Paraguai. O preço que pagamos ao Paraguai pela energia de Itaipu é adequado e se subordina a um tratado assinado em 1973, cuja revisão é prevista apenas para 2023. O Presidente Lula neste caso tem o nosso apoio. Relativamente ao preço pago pelo Brasil ao Paraguai, defendemos o interesse do Brasil. Entendemos que não pode o Governo brasileiro fazer concessão alguma.

Vamos lembrar o episódio da encampação das instalações da Petrobras pelo Sr. Evo Morales na Bolívia. Havia investimentos de mais de US$1,5 bilhão, e o valor da indenização foi apenas US$112 milhões, grande parte sob a forma de futuro fornecimento de gás.

Esse descompasso reflete no bolso da população brasileira. Nesse caso a Oposição tem de estar ao lado do Governo, defendendo o consumidor brasileiro.

A plataforma do candidato vitorioso das eleições paraguaias, Fernando Lugo, foi centrada na revisão ampla e irrestrita desse tratado. A possibilidade de envolver um terceiro país na mediação da revisão do Tratado de Itaipu é totalmente fora de propósito, como manifestou o Presidente eleito. A hipótese de recorrer ao que qualificou de “outros estamentos judiciais internacionais” pode ser um caminho a ser trilhado por Lugo, se antes disso não for concedida a revisão nos termos preconizados em palanque. O contribuinte não pode arcar com o ônus.

Teremos problemas, Senador Mão Santa, porque esse foi o discurso de palanque. Esse compromisso foi assumido pelo Presidente eleito do Paraguai e, obviamente, esse será o primeiro tema da sua agenda como Presidente.

Temos gargalos logísticos e uma infra-estrutura insuficiente e defasada para aderir às teses defendidas pelo Presidente eleito do Paraguai.

Vejam, por exemplo, o que afirmou recentemente a Secretária de Energia do Estado de São Paulo :“O governo paulista está ‘em estado de atenção’ devido aos cortes de energia ocorridos nos últimos tempos”.

A Secretária atribui as interrupções à falta de novos investimentos incentivados pelo Governo Federal. Segundo ela, entre 2001 e 2006, o consumo no Estado de São Paulo cresceu 17% e hoje “há uma sobrecarga”.

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Prorroguei o tempo de V. Exª por mais três minutos devido a importância do pronunciamento de V. Exª e a importância do seu Estado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Apesar de a distribuição e a transmissão de energia serem privadas, a expansão dos ativos depende de concessões do Governo Federal, e isso está em um ritmo muito lento. A Secretária disse que para conter essa sobrecarga seriam necessárias, pelos menos, 14 obras nas áreas de distribuição e transmissão mas apenas seis delas devem ir a leilão em julho de 2008. É um quadro desolador e preocupante que vivemos.

É claro que precisamos contornar essas deficiências e, certamente, não estaremos contornando, fazendo concessões descabidas em função de um discurso certamente demagógico em uma campanha eleitoral bem-sucedida no país vizinho. Nosso respeito ao povo do Paraguai, os cumprimentos pela conclusão de um processo eleitoral democrático e de lisura inquestionável. Os cumprimentos ao Presidente eleito, mas justiça no que diz respeito à relação dos nossos países. Justiça acima de tudo, Senador Mão Santa, e respeito ao povo brasileiro.

A imprensa paraguaia aderiu à campanha do Presidente eleito. No dia da eleição, a eleição ficou em segundo plano. Em primeiro plano, ficou o impasse Brasil-Paraguai em função de Itaipu. Seis páginas do principal jornal do Paraguai, o ABC Color, com matéria de capa e charge particularmente ofensiva e racista.

A charge, Senador Mão Santa, mostrava um negro vestido de rei à mesa farta com o logotipo de Itaipu, fartando-se de uma alimentação rica e, ao lado, um branco com vestimenta que tinha as cores da bandeira do Paraguai, olhando entristecido para as migalhas no chão.

Charge ofensiva e racista que marca bem este episódio na campanha paraguaia: no dia da eleição, a eleição ficou em segundo plano; em primeiro plano, essas questiúnculas que não deveriam ser colocadas dessa forma, porque não é dessa maneira que se inicia um período de governo novo, que tem a responsabilidade de promover mudanças no Paraguai, mudanças transcendentais que alimentam os sonhos daquela população e mudanças que devem ser alcançadas estabelecendo-se um relacionamento diplomático com os países vizinhos e, sobretudo, com o nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2008 - Página 10648