Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário sobre as declarações do Bispo de Marajó, Dom José Luís Azcona, que revelam a violação da dignidade humana no Estado do Pará. Preocupação com a greve de vários setores do serviço público federal. A questão da contestação ao decreto presidencial que trata da reserva Raposa Serra do Sol. Preocupação com as ameaças de setores das Forças Armadas.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA. MOVIMENTO TRABALHISTA. POLITICA INDIGENISTA. FORÇAS ARMADAS.:
  • Comentário sobre as declarações do Bispo de Marajó, Dom José Luís Azcona, que revelam a violação da dignidade humana no Estado do Pará. Preocupação com a greve de vários setores do serviço público federal. A questão da contestação ao decreto presidencial que trata da reserva Raposa Serra do Sol. Preocupação com as ameaças de setores das Forças Armadas.
Aparteantes
Lúcia Vânia.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2008 - Página 10657
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA. MOVIMENTO TRABALHISTA. POLITICA INDIGENISTA. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, REGIÃO AMAZONICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUDIENCIA PUBLICA, BUSCA, PROVIDENCIA, DENUNCIA, BISPO, ILHA DE MARAJO, OMISSÃO, PODER PUBLICO, COMBATE, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, TRAFICO, AMBITO INTERNACIONAL, VIOLAÇÃO, DIGNIDADE, VIDA HUMANA, ESTADO DO PARA (PA), PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, POLICIA FEDERAL, ITAMARATI (MRE), SECRETARIO DE ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA, AUTORIDADE RELIGIOSA.
  • DEFESA, LIBERDADE, POVO, ORGANIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REALIZAÇÃO, PROTESTO, DENUNCIA, COBRANÇA, DIREITOS, AUSENCIA, AMEAÇA, ESTADO DEMOCRATICO.
  • APOIO, INICIATIVA, INACIO ARRUDA, SENADOR, FORMAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, ACOMPANHAMENTO, NEGOCIAÇÃO, GREVE, AUDITOR FISCAL, TRABALHO, RECEITA FEDERAL, ADVOGADO, DEFENSOR, UNIÃO FEDERAL, DEFESA, JUSTIÇA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL.
  • DEFESA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), PROPOSIÇÃO, DECRETO FEDERAL, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • REPUDIO, COBRANÇA, ESCLARECIMENTOS, TENENTE BRIGADEIRO, PRESIDENTE, CLUBE, AERONAUTICA, DECLARAÇÃO, AMEAÇA, OMISSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, INTEGRIDADE, SOBERANIA NACIONAL, ESTADO, DESRESPEITO, DEMOCRACIA.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, na semana dedicada a homenagear a memória dos dezenove trabalhadores rurais sem terra vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás, que, no último 17 de abril, completou longos doze anos da mais completa impunidade, o Pará permanece em evidência como a terra onde os mais elementares direitos humanos são cotidianamente vilipendiados.

As declarações de Dom José Luís Azcona, Bispo de Marajó, publicadas nos jornais paraenses, são muito reveladoras de quanto está banalizada a violação da dignidade humana no meu Estado do Pará. O Bispo acusou os Poderes públicos de se omitirem no combate à prostituição infantil e a outros crimes contra os direitos humanos praticados em Municípios daquela região e em todo o Estado, ao reportar-se a fatos já bastante conhecidos e recorrentemente denunciados às chamadas autoridades competentes, inclusive por meio de nota oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para que providências fossem efetivadas em relação às denúncias, que não são de hoje - são fatos denunciados há bastante tempo.

Por essa razão, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado e agora também por iniciativa da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados, realizaremos audiência pública no próximo dia 6 de maio, para tratar das denúncias, ouvindo várias autoridades da Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores, porque há denúncia relacionada a tráfico internacional de seres humanos. Também foi convidado o Secretário de Segurança Pública do Pará, e a Comissão da Amazônia, da Câmara dos Deputados, convidou o Bispo Dom Erwin Krautler, de Altamira, e Dom Flávio Giovenale, da Diocese de Abaetetuba.

Inclusive, há pouco, tive conhecimento de que o Senador Magno Malta, Presidente da CPI da Pedofilia, marcou um encontro com Dom José Luiz Azcona, Bispo de Marajó, para o dia de amanhã. Se houver possibilidade, tendo em vista que, amanhã, em Belém, participarei de sessão especial da Assembléia Legislativa que vai tratar do combate ao trabalho escravo no Estado do Pará, muito provavelmente, acompanharei os membros da CPI na visita a Marajó para o diálogo e a tomada de depoimento de Dom Luiz Azcona, Bispo de Marajó.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao me reportar à memória dos trabalhadores assassinados em Eldorado dos Carajás, no Pará, há doze anos e ao movimento denominado Abril Vermelho, que, em diversas partes dos País, mobilizou centenas de trabalhadores para cobrar das autoridades políticas públicas o atendimento aos projetos ligados à reforma agrária, quero dizer que ouvimos, em vários momentos, inclusive no Senado, críticas muitos pesadas em relação à organização e à mobilização dos movimentos sociais, em uma clara tentativa de criminalizá-los. Pude ver, em várias manifestações, o desejo de que os tempos fossem outros talvez, como no período da ditadura, em que reclamar, organizar-se, denunciar e cobrar providência eram motivo para a prisão dos representantes dos movimentos sociais e para sua repressão. Sem dúvida, alguns manifestaram saudades daquele tempo, mas a liberdade que conquistamos para denunciar, para se expressar e para cobrar o direito do nosso povo não pode ser caracterizada como crime, como fez o Presidente da Companhia Vale do Rio Doce e como fizeram muitos Parlamentares ao encarar a luta e a organização do povo como ameaça, como terrorismo.

Falo principalmente para defender a liberdade de organização dos movimentos, trabalhando efetivamente para que o Brasil seja realmente um País democrático, próspero, onde todos os seus filhos possam ter acesso ao trabalho, à terra, à dignidade, enfim.

A Senadora Lúcia Vânia me pediu um aparte, e o concedo a S. Exª com muito prazer e com satisfação.

A Srª Lúcia Vânia (PSDB - GO) - Cumprimento V. Exª pelo discurso. Quero dizer que V. Exª tem sido, nesta Casa, um lutador em favor daqueles que desejam ter um lugar de destaque neste País, pelo menos um lugar onde possam abrigar sua família, seus descendentes. Gostaria de aproveitar o discurso de V. Exª, Senador Nery, para comunicar os 36 dias de greve dos auditores fiscais do trabalho. V. Exª tem sido aqui um defensor do programa de Governo de combate ao trabalho escravo, tem sido atuante nessa área. Apelo a V. Exª, neste momento, no sentido de que façamos aqui uma corrente forte em favor desses auditores que têm prestado um grande serviço à Nação, que têm procurado preservar a vida de centenas de pessoas que vivem em situação degradante. Eles dedicam sua vida à fiscalização do trabalho informal, à fiscalização da entrada de produtos no País. Hoje, nossas alfândegas estão com produtos acumulados, perdendo-se. São milhões de dólares parados sem nenhuma utilidade nessas alfândegas, em função dessa greve. E o Governo, que se diz preocupado com o combate ao trabalho escravo, não move um dedo, não move uma ação no sentido de ajudar a resolver esse problema, prestigiando principalmente aqueles que trabalham, aqueles que lutam e aqueles que nos dão a satisfação de poder dizer que este País busca, pelo seu trabalho, dignidade e busca ser respeitado naquilo que é fundamental na vida do ser humano, que é o trabalho. Portanto, apelo a V. Exª nesse sentido, como defensor dessa área, como homem preocupado com a questão dos direitos humanos. Que façamos algo, nesta Casa, para que esses fiscais possam ser ouvidos pelo Governo no sentido de ver suas carreiras valorizadas! Agradeço a V. Exª este aparte.

O SR. JOSÉ NERY (P-SOL - PA) - Agradeço à Senadora Lúcia Vânia por trazer uma questão que, sem dúvida, preocupa todos nós.

Servidores federais como os auditores fiscais do trabalho, os auditores da Receita Federal, os advogados da União, os defensores da União estão em greve há mais de três meses e reclamam pelo atendimento de suas justas reivindicações. Recebi também, nesses dias, uma comissão dos auditores fiscais da Receita Federal, dos auditores fiscais do trabalho, justamente com essa mesma preocupação da abertura de negociações que permitam o atendimento das suas justas reivindicações e o encerramento da greve.

Há pouco, o Senador Inácio Arruda nos informou, neste plenário, de uma reunião ocorrida com o Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em que essa questão foi tratada, e, segundo o Relator Senador Inácio Arruda, há a possibilidade de abertura real de negociações, para que haja o atendimento do pleito dos auditores e, evidentemente, o encerramento da greve e a continuidade do trabalho. Associamo-nos à iniciativa da qual participou o Senador Inácio Arruda, de formarmos uma comissão de Senadores - há pouco, o Senador Inácio Arruda já esteve no Ministério do Planejamento, Senadora Lúcia Vânia - para acompanhar essas negociações a partir do informe prestado aqui pelo eminente Senador Inácio Arruda.

Agradeço a V. Exª, Senadora, por trazer essa preocupação ao Plenário e, sem dúvida, com isso, mobilizar a todos nós por uma solução no mais curto espaço de tempo para a greve dos funcionários públicos federais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou me reportar a um assunto que vem sendo discutido desde a última semana. Inclusive, na semana passada, já fiz a defesa intransigente da demarcação das terras indígenas de forma contínua, tal qual em 2005, quando o Governo Federal - o Presidente Lula - demarcou, por decreto presidencial, a reserva indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Cumpriu-se com esse decreto o que diz a Constituição.

É de se lamentar que várias pessoas, várias personalidades políticas, inclusive aqui do Senado Federal, tenham, de forma bastante contundente, rechaçado aquela decisão e apoiado a iniciativa daqueles que, ao arrepio da lei, tentam manter-se na área indígena Raposa Serra do Sol, contrariando a Constituição e as leis do País.

Neste momento, mais uma vez, reafirmamos isso, esperando que o Supremo Tribunal Federal não venha a tomar decisão contrária ao que dispõe o decreto presidencial que trata da reserva Raposa Serra do Sol. Esse fato ensejou uma reação despropositada e equivocada e, a meu ver, uma grave transgressão do próprio regulamento militar, quando o General Augusto Heleno, em palestra a oficiais das Forças Armadas, insurgiu-se contra o decreto de demarcação de Raposa Serra do Sol de forma extemporânea, quando, na verdade, cabe a todos nós cumprir a lei, a Constituição. E a reserva Raposa Serra do Sol foi demarcada no estrito limite do que estabelecem as leis brasileiras.

Nesse sentido, quero aqui trazer minha preocupação diante da reação de alguns setores das Forças Armadas, em especial diante da reação do Presidente do Clube da Aeronáutica, o Tenente-Brigadeiro Ivan Frota, que lançou nota ao povo brasileiro com graves ameaças. Cobro publicamente explicações pelo que diz textualmente a nota do Tenente-Brigadeiro Frota, Sr. Presidente, referindo-se evidentemente ao Presidente da República:

Que o Presidente não se atreva a tentar negar-lhe o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro, cristalizado no juramento solene que, um dia, foi comprometido diante da Bandeira Nacional.

Caso se realize tal coação, o País conhecerá o maior movimento de solidariedade militar, partindo de todos os recantos deste imenso País, jamais ocorrido nos tempos modernos de nossa História.

Essa grave ameaça do Brigadeiro Ivan Frota é um acinte à democracia, aos Poderes instituídos.

Publicamente, o Presidente da República disse pedir explicações por intermédio do Ministro da Defesa, Nelson Jobim. Creio que esse ato de insubordinação contra uma decisão de Governo baseada na Constituição é gravíssimo. É preciso compreender e tentar entender se as palavras do Brigadeiro Ivan Frota representam uma ameaça de golpe à democracia. Em outra nota, refere-se ao Governo, dizendo: “[...] que o Governo não se omita e exerça sua responsabilidade constitucional de defender o legítimos interesses do País. Se não o fizer, haverá quem o faça, o que já poderá ter começado...”. Ao mesmo tempo, a nota diz:

O projeto alienígena de “balcanização” da Amazônia brasileira faz algum tempo encontra-se em plena marcha, ante a venal omissão e, talvez, conivência de órgãos governamentais dos mais elevados escalões, em particular, do Ministério do Meio Ambiente.

Desde a criação inconstitucional da “Reserva Ianomâmi”, de alcance binacional e de absurdas dimensões, o Brasil continua cedendo às mais leves pressões internacionais para o estabelecimento de novos “santuários” indígenas em seu espaço amazônico, como o recente caso da região Raposa Serra do Sol.

Sr. Presidente, essa ameaça precisa ser esclarecida e precisa ser repudiada. Diante de uma decisão governamental, da reação do comandante militar da Amazônia e da nota do Tenente-Brigadeiro Ivan Frota, creio que o País não pode se calar - e o Congresso muito menos -, para obter a exata explicação sobre o significado dessa ameaça, sobre o que é defender, a qualquer custo, como eles dizem, a segurança da Pátria e a integridade do território brasileiro. É preciso que as Forças Armadas entendam que a ameaça à soberania do País não se dá por ameaça externa do ponto de vista da invasão do nosso território. A ameaça ocorre justamente pela ocupação de vários espaços na Amazônia, como a compra de terra por empresas transnacionais, sem que alguém diga ou reclame dessa apropriação do território nacional por interesses internacionais.

Portanto, esse fato é grave. Trata-se de intromissão em assunto do Poder Executivo, porque cabe ao Presidente da República, como o fez, demarcar a terra e garantir que a lei seja cumprida e seja executada.

Portanto, essa questão vem acompanhada de uma ameaça às instituições. Qual é o levante? Qual é a atitude que vão tomar os representantes das Forças Armadas se o decreto for cumprido à risca?

Gostaria de pedir explicações oficiais às Forças Armadas. Que o General, ao vir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, possa explicar essas declarações! E que o Tenente-Brigadeiro Ivan Frota explique o porquê dessa ameaça, dado o grau de normalidade democrática que vive o País, que não suportaria de forma alguma qualquer atitude contrária a essa normalidade democrática!

Agradeço ao Sr. Presidente e às Srªs Senadoras e aos Srs. Senadores. Registro a presença do eminente Desembargador Edilson Cardoso, do Tribunal Regional do Trabalho do Piauí, na galeria de honra desta Casa.

Torço para que esses fatos aqui trazidos sejam efetivamente esclarecidos e para que o País não fique à mercê de ameaça de quem quer que seja, porque maior do que a palavra de um general ou de qualquer comandante, maior do que tudo isso são a Constituição e as leis do País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2008 - Página 10657