Discurso durante a 60ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário da fundação da Associação Brasileira de Imprensa.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. IMPRENSA.:
  • Comemoração do centenário da fundação da Associação Brasileira de Imprensa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2008 - Página 10726
Assunto
Outros > HOMENAGEM. IMPRENSA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, CENTENARIO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), ELOGIO, COLABORAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, NATUREZA POLITICA, AUTORITARISMO, OBJETIVO, VITORIA, LIBERDADE DE IMPRENSA, DEFESA, DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS, SAUDAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, PERSONAGEM ILUSTRE, JORNALISTA, ESPECIFICAÇÃO, BARBOSA LIMA SOBRINHO, EX PRESIDENTE.
  • DETALHAMENTO, ATUAÇÃO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), CAMPANHA, NACIONALIZAÇÃO, PETROLEO, CRIAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, LUTA, REDEMOCRATIZAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, IMPRENSA, ATUAÇÃO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL, PRESERVAÇÃO, DIVULGAÇÃO, CULTURA, AMBITO REGIONAL.
  • APREENSÃO, SUPERIORIDADE, DIVIDA, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), MOTIVO, CASSAÇÃO, REGISTRO, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, TRAMITAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, ISENÇÃO, TRIBUTOS, INCLUSÃO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAFICO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu querido Presidente Garibaldi, que tem honrado esta Casa, buscando recolocá-la no seu devido lugar; meu querido Senador Inácio Arruda, autor desta homenagem; grande brasileiro Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Sr. Fernando Tolentino de Sousa Vieira, Diretor-Geral da Imprensa Nacional; Srª Julieta Cavalcanti de Albuquerque, Subprocuradora da República; Sr. Joaquim Campelo Marques, jornalista, editor e Vice-Presidente do Conselho Editorial do Senado; senhoras e senhores; estamos, hoje, reunidos nesta sessão especial. O Congresso, a Câmara e o Senado realizam muitas sessões especiais, importantes, mas esta é uma sessão ultra-especial, daquelas que marcam a história desta Casa, Sr. Presidente, porque estamos aqui, neste momento, fazendo história.

Estamos aqui homenageando uma entidade que escreveu seu nome na história brasileira em letras maiúsculas: a Associação Brasileira de Imprensa. Em todos os momentos importantes da vida pública brasileira, da história deste País, nos últimos cem anos, a Associação Brasileira de Imprensa atuou de forma decisiva e corajosa. Com a sua postura ética, as ações, muitas vezes, próximas do heroísmo, sofrendo perseguições e até mesmo sendo alvo de atentados, atentados terroristas, a ABI merece a admiração do povo brasileiro e se impôs ao respeito de todos os poderosos.

Hoje, homenageamos uma instituição histórica da imprensa brasileira e, no dia 3 de junho próximo, em nova sessão especial do Senado, vamos comemorar os 200 anos da fundação do primeiro jornal brasileiro e o Dia da Imprensa. Na ocasião, será homenageado o Patrono da Imprensa, Hipólito José da Costa, o primeiro jornalista brasileiro. Em 1º de junho de 1808, em Londres, onde estava exilado, fugindo da Inquisição portuguesa, fundou o Correio Braziliense. Foi o nosso primeiro jornal, com distribuição mensal no Brasil e em Portugal. Pioneiro na profissão, Hipólito foi também o primeiro jornalista perseguido por suas opiniões, críticas e idéias.

Meus irmãos, a imprensa e os jornalistas brasileiros conhecem então, desde sua origem, a intolerância dos governos autoritários.

A imprensa livre não foi uma dádiva, mas uma conquista dos povos que anseiam por liberdade.

O jornada da ABI começou em 7 de abril de 1908, no Rio de Janeiro, quando foi criada pelo repórter catarinense Gustavo de Lacerda. A entidade, a princípio, foi pensada nos moldes de um sindicato, com a finalidade de defender interesses específicos da categoria nas relações de trabalho. Durante sua trajetória, porém, a ABI ganhou uma estatura diferente, ultrapassou as fronteiras da atuação meramente corporativa, chegando aos dias de hoje como uma instituição que participou de forma destacada da história política brasileira, defendendo as bandeiras da liberdade de imprensa, os direitos humanos e a democracia

Foi na sede da ABI, por exemplo, que nasceu a emocionante e memorável campanha nacionalista “O petróleo é nosso”, movimento que culminou com a confecção da lei que criou a Petrobras, a grande empresa brasileira e uma das grandes do mundo, emblema de nossa soberania.

A instituição também abrigou, em tempos mais recentes, manifestações nacionalistas contrárias à privatização do patrimônio público. A ABI atuou sempre com equilíbrio e de forma democrática em cenário de disputas políticas e ideológicas acirradas. Foi assim na campanha pelo monopólio do petróleo, quando o mundo atravessava uma era de extrema polarização e antagonismo. O Brasil também sofreu influência do espírito de intolerância vigente no quadro da Guerra Fria, o conflito permanente não declarado que sucedeu à Segunda Guerra Mundial e colocava em campos opostos os Estados Unidos e a União Soviética, envolvendo as nações de suas respectivas áreas de influência. Duas lideranças mundiais representativas dessa época estiveram na ABI, que democraticamente, abriu as portas para Fidel Castro e Robert Kennedy.

A intolerância contra a diversidade de opiniões e ao papel crítico e fiscalizador da imprensa, na realidade, foi uma constante na maior parte da nossa história. A instauração da República, em 1889, veio acompanhada de fortes restrições à liberdade de imprensa. Jornais foram depredados, jornalistas e tipógrafos, perseguidos e, alguns, até assassinados. Uma história que ainda vai-se desfazer.

Eu cada vez tenho mais carinho e respeito pela figura de Dom Pedro II e cada vez tenho mais restrições às fórmulas com que a República, com um golpe de estado, foi implantada. Sofreram os jornais, apedrejados. Jornalistas e tipógrafos, perseguidos e alguns até assassinados. Nada parecido com os ventos de liberdade de opinião que a introdução do sistema republicano de governo gerou em outros países.

Hipólito José da Costa confessou em seu livro Diário de Minha Viagem para Filadélfia (1789-1799) sua admiração pela liberdade de imprensa que encontrou lá nos Estados Unidos, país que conheceu quando a ex-colônia ainda dava seus primeiros passos como uma nação independente.

Temos hoje - tenho repetido muito aqui, meu bravo Presidente da ABI - que o Brasil vive uma hora de falta de referências da sua vida republicana. Pois é aí que o papel da ABI na história brasileira deve ser compreendido e analisado inclusive nas escolas, para que as futuras gerações tenham referência nas quais possam inspirar-se para a condução dos destinos deste País.

A educação deficiente de nosso povo é um problema grave, com profundas conseqüências para o desenvolvimento do Brasil e sua posição no cenário mundial no momento atual e nos próximos séculos.

Sim, essa falta de referência é importante. E a ABI tem um papel histórico. Entendo que a imprensa tem um importante papel a cumprir na educação do povo brasileiro, principalmente a televisão e o rádio. Aqui abro um parêntese para citar Roquette Pinto, pioneiro no uso do rádio na educação. Considerava ele, com propriedade, que “o rádio era o jornal de quem não sabia ler; o mestre de quem não pode ir à escola; e o divertimento gratuito do pobre”. Hoje, podemos estender para a televisão esse pensamento. O rádio e a televisão constituem, juntamente com o jornal, veículos fundamentais para a educação e a cultura de um povo. Ainda mais num país com a imensidão territorial do Brasil.

A televisão, comprometida com a sociedade e o País, devia reservar bom espaço, em horários adequados, para estimular e participar da gigantesca obra que é a educação. Há muitos projetos nesta Casa nesse sentido. No entanto, é difícil que sejam cumpridos.

Tem a televisão a responsabilidade de preservar e difundir a cultura regional, cujos elementos, em sua riqueza e diversidade, formam a alma de uma nação.

Também nesse aspecto, foi importante o papel histórico da Associação Brasileira de Imprensa, que funcionou desde muito cedo como pólo aglutinador da cultura nacional. Em sua sede, reuniam-se para debates e manifestações grandes nomes representativos da cultura nacional. Alguns deles: da música, o grande maestro Villa-Lobos; do teatro, a encantadora figura de Tônia Carrero; da literatura, escritores como Graciliano Ramos e Rubem Braga; sem falar no cinema, pois o primeiro cine-clube do Brasil projetava suas seleções de filmes exatamente na sede da ABI.

A luta pela anistia a presos e exilados políticos; o fim da censura prévia, que mantinha o povo na ignorância dos fatos relevantes para a sociedade; e a campanha pelas Diretas Já, a luta pelo voto direto, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, marco fundamental da Nova República - essas foram as bandeiras que unificaram a oposição, fortaleceram, junto com a ABI, a luta popular e acabaram por derrubar a ditadura. Esse movimento, que se constituiu no eixo da resistência democrática, teve a participação sagrada e sacrossanta, ativa e permanente da Associação Brasileira de Imprensa, que, em conseqüência, sofreu muito pela sua corajosa posição.

Em 1976, uma onda de atentados terroristas atinge instituições democráticas: jornais, editoras e opositores do regime, vitimando jornalistas, políticos e religiosos. Entre eles, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, torturados e assassinados nos porões da ditadura.

Um dos alvos foi a ABI. Um atentado a bomba destruiu o sétimo andar do seu edifício-sede, no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava a administração e se reunia o Conselho da entidade. Os executores e mentores da empreitada ainda permanecem desconhecidos, mas a investida foi considerada uma represália pelo fato de a ABI ter realizado em seu auditório um ato cívico-ecumênico em memória da história do jornalista Vladimir Herzog. 

Eram tempos de luta, tempos difíceis que, no entanto, também ofereciam exemplos de extrema coragem cívica e destemor. Realmente, era preciso coragem pessoal, idealismo e sólida convicção democrática para se opor ao regime que, enquanto perseguia opositores, por outro lado também tratava de cooptar consciências, tendo benesses como moeda principal.

Apesar da truculência, o regime não dispunha de força suficiente para simplesmente impedir totalmente a manifestação da oposição. Pressionado pela forte resistência democrática, o governo autoritário foi obrigado a permitir a existência de uma oposição organizada.

Assim, admitiu o funcionamento de dois partidos, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que abrigava os beneficiados pelo regime, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reunia as oposições.

A história da resistência, a consolidação das oposições, o voto em branco, a luta armada, a proposta de extinção, a Carta de Porto Alegre, a vitória nas urnas do Colégio Eleitoral, a consolidação da democracia: bandeira do povo, bandeira das oposições, bandeira da ABI.

Senhoras e senhores, até aqui eu falei da instituição, mas devo reverenciar homens que a dirigiram, entre os quais pessoas como o grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que esteve à frente da instituição como presidente em duas ocasiões, mas pertenceu aos seus quadros de dirigente durante muito tempo e deixou sua marca para a história brasileira.

O jornalista Barbosa Lima Sobrinho assume a presidência da ABI em 1926, ainda antes de completar 30 anos. Voltou duas vezes ao cargo, de 1930 a 1931, quando fortaleceu a ABI com a fusão com outras entidades; e de 1978 a 2000, quando, já octogenário, estava consagrado como jornalista e escritor, com mais de 70 livros, além de político competente e habilidoso (foi Governador de Pernambuco, entre outros cargos). Poderia recolher-se ao convívio dos seus livros e levar uma aposentadoria tranqüila, mas não se acomodou, permaneceu à frente da entidade, resistindo ao arbítrio e à violência de uma ditadura que parecia não ter fim.

Barbosa Lima Sobrinho foi o primeiro brasileiro a assinar o inédito pedido de impeachment constitucional de um Presidente da República. Pela primeira vez na história mundial, um governante é afastado do poder por meio de um processo absolutamente democrático conduzido pelo Congresso.

Foi Barbosa Lima Sobrinho quem melhor encarnou e traduziu o espírito democrático e lutador da ABI, ao lado de personalidades como Herbert Moses, o presidente que consolidou materialmente a entidade e construiu seu edifício-sede, marco na arquitetura moderna brasileira; o Senador Danton Jobim, que tentou evitar a criação da famigerada Lei de Imprensa, ainda vigente; Prudente de Moraes, neto, jornalista e poeta, que com sua coragem e determinação não hesitou em comparecer a quartéis para defender jornalistas presos e processados. Foi na sua gestão que a ABI realizou o ato cívico em memória a Vladimir Herzog. Prudente de Moraes viajou a São Paulo para hipotecar solidariedade ao Sindicato dos Jornalistas, presidido por Audálio Dantas, outra figura destacada na luta democrática, atual vice-presidente da ABI.

Em sua existência, a ABI teve vinte presidentes, homens que, dentro de suas limitações, estilo e convicções, mantiveram a instituição atuante durante todo esse centenário. Alguns chegaram a assumir posições temerárias, com risco da própria vida, para defender a entidade. É o caso do maranhense João Dunshee de Abranches, seguidor de Gustavo de Lacerda, terceiro dirigente da ABI. Diante de ameaças de depredação do prédio por seguidores de Hermes da Fonseca, Presidente da recém-proclamada República, Dunshee não hesitou em permanecer em vigília por dias seguidos, de arma na mão, num gesto heróico e surpreendente.

Atualmente, a instituição é dirigida pelo jornalista Maurício Azêdo, que é o grande responsável pelo processo de revitalização que vive a entidade. Foi editor do Boletim da ABI, nos temerosos anos 70, quando transformou o veículo num órgão de denúncia dos desmandos da ditadura.

Ao Maurício, seus companheiros de diretoria, funcionários e tantos outros que gostaria de citar, rendo minhas homenagens sinceras e profunda admiração.

Essa é a Associação Brasileira de Imprensa, instituição que completa cem anos e permanece aberta, modernizando-se, do ponto de vista tecnológico, com uma página na Internet e com o Cine ABI em pleno funcionamento e um serviço de assistência médica invejável.

Um problema, entretanto, preocupa a ABI e a nós todos. A entidade teve cassado, pelo Governo, o seu registro de entidade beneficente de assistência social, obtido há décadas. Esse ato, obtido em 1917, um excesso de zelo do atual Governo, gerou uma dívida impagável.

O mesmo Governo que já repassou - sem licitação pública - R$12,6 bilhões às organizações não-governamentais, está cobrando da ABI uma dívida de cerca de R$3 milhões.

Fica aqui o meu apelo ao Governo, ao Presidente Lula, para que seja devolvido o registro da ABI, de forma a garantir a permanência dessa instituição - esta, sim, não-governamental -, que tantos benefícios trouxe à democracia no País.

Aqui no Senado já tramita projeto de lei que isenta não só a ABI, mas também a Academia Brasileira de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico do pagamento desse tributo. Ao mesmo tempo, essa proposta, de autoria do Senador José Sarney, cancela os débitos fiscais e previdenciários dessas instituições.

A ABI, de fato, nunca se afastou dos princípios definidos em seu primeiro estatuto, redigido em 1908, mas sempre atual. A instituição nasceu para defender os jornalistas e “zelar pelo patrimônio material e espiritual da pátria”.

Atendendo ao imperativo da defesa do patrimônio material da Pátria, a ABI defendeu o monopólio do petróleo e das riquezas nacionais, protestando contra a privatização do patrimônio público e repudiando a entrega de empresas como a Vale do Rio Doce, a segunda maior mineradora do mundo, vendida praticamente de graça.

Quanto ao segundo mandamento, o educador e escritor Fernando Segismundo, recente presidente da instituição, definiu o que deve ser entendido “como patrimônio espiritual da pátria”, sempre defendido pela ABI: “É o civismo, é a cidadania”.

Sim, é o civismo, é a cidadania! Assim, diz tudo. Assim é a ABI.

Por isso, neste momento em que o Congresso vive uma hora tão difícil, quando nos interrogamos sobre o que fazer e como fazer, estamos aqui, meu bravo Presidente, para agradecer à ABI, que, nas horas mais dramáticas, esteve conosco. Foi o presidente da ABI e o presidente da OAB que assinaram o requerimento e que vieram a esta Casa nos apontar o caminho.

Agradecemos a V. Exª, agradecemos à Associação Brasileira de Imprensa e voltamos a dizer que, numa hora em que o Brasil vive sem referências, numa hora em que o Brasil fica a se perguntar realmente o que é, o que somos e o que queremos, prestamos uma homenagem cívica às nossas referências mais queridas, mais puras e mais proféticas: a Associação Brasileira de Imprensa, orgulho do Brasil, orgulho do nosso povo.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2008 - Página 10726