Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a situação política e econômica do País.

Autor
Jarbas Vasconcelos (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PE)
Nome completo: Jarbas de Andrade Vasconcelos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Reflexão sobre a situação política e econômica do País.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2008 - Página 10775
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, PROCESSO, DEMOCRACIA, EVOLUÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, COMENTARIO, CRISE, POLITICA NACIONAL, FALTA, ETICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, CONCESSÃO, OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, MAIORIA, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, SINDICATO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PERDA, QUALIDADE, POLITICA, APARELHAMENTO, PODER PUBLICO, SUPERIORIDADE, CORRUPÇÃO, REPUDIO, PROPOSTA, RENOVAÇÃO, REELEIÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, OPOSIÇÃO, COMBATE, ERRO, GOVERNO, PRESERVAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.

O SR. JARBAS VASCONCELOS (PMDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre acreditei e torci para que o Brasil pudesse viver um bom momento na sua economia, sem que isso excluísse o exercício virtuoso da política.

No início da década de 1970, o País vivia o chamado “milagre econômico”, mas sofria na pele o período mais obscuro da repressão política.

A redemocratização chegou na década de 1980, com o resgate das liberdades individuais e o respeito aos direitos do cidadão, mas a economia patinava na hiperinflação.

Essa falta de sintonia entre política e economia fez com que durante algum tempo especialistas chegassem a duvidar de que o nosso País pudesse conjugar essas duas agendas civilizatórias.

Com o Plano Real, o Brasil deu sinais de que poderia fazer isso, provando que a estabilidade econômica é, sim, compatível com a estabilidade política, demonstrando que a competência no exercício do poder político pode incluir também o desenvolvimento econômico.

Em síntese: o Brasil caminharia a passos largos para se tornar uma democracia no mundo desenvolvido.

Infelizmente, Sr. Presidente, não é isso que podemos vivenciar nos últimos anos. A verdade é que o País acumula resultados positivos na chamada macroeconomia, mas, na política, a marca principal tem sido a da mediocridade.

Nos dicionários da Língua Portuguesa, está escrito que medíocre é aquele que está abaixo da média no que toca a qualidade, originalidade; algo que é inexpressivo, ordinário, sem expressão ou originalidade; mediano, pobre, banal, passável.

Não é de surpreender que a política, em especial no Parlamento, passe por uma fase de tão baixo respaldo da opinião pública, pois os valores que deveriam nortear a prática política estão completamente desvirtuados.

Mente-se da forma mais descarada, sem qualquer sinal de timidez ou de vergonha. O cinismo e a desfaçatez está se transformando em virtudes anunciadas.

Manipula-se escancaradamente a verdade olhando nos olhos do manipulado. Tamanho desvio não pode resultar em coisa boa.

A mediocridade campeia.

Se o fato é desfavorável ao poderoso de plantão? Muda-se o fato.

Agressores se transformam em agredidos; vítimas, em criminosos.

Assina-se embaixo da máxima nazista de que uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade.

Não há respeito pela história, Senador Mão Santa. Não há respeito pelo que veio antes. Não há respeito pelo que herdamos de bom dos nossos antecessores. É o que existe de mais velho e retrógrado, travestido de novidade. É a preferência pelo jogo do mais esperto, no qual a trapaça é a única forma de vencer.

Srªs e Srs. Senadores, tenho o maior respeito pela história de vida do Presidente da República. De identidade com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não guardo apenas o fato de ter nascido em terras de Pernambuco. Vai além disso.

Na década de 1970, estávamos - eu no MDB, ele no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo - lutando para que o Brasil voltasse a ser uma democracia. Sua atuação na hoje histórica Greve dos Metalúrgicos do ABC paulista terminou levando-o à prisão. Fui um dos primeiros integrantes da Oposição a visitar Lula, após ser libertado em 1980.

Nove anos depois, em 1989, no segundo turno da eleição presidencial, voltamos a nos encontrar e apoiei sua candidatura.

No entanto, em 2002, quando Lula finalmente venceu a disputa presidencial, eu estava em um palanque oposto, do então ex-Ministro José Serra, hoje Governador de São Paulo.

Como Governador do Estado de Pernambuco, em segundo mandato, entre 2003 e 2006, mantive uma relação de respeito recíproco com o Presidente da República. Quer seja no Recife ou aqui mesmo em Brasília, construímos um diálogo produtivo, que colocava os interesses do nosso Estado e do País acima das divergências partidárias.

Já no primeiro mandato, o Governo Lula dava sinais de que não saberia valorizar as duas agendas: a política e a econômica. Enquanto manteve corretamente os pressupostos macroeconômicos, traçados nos Governos Itamar Franco e Fernando Henrique, o Governo petista se perdeu na hora de negociar a montagem da sua base de apoio no Congresso Nacional.

Esse “atalho” para obter a maioria parlamentar foi o caminho mais curto para o escândalo do “mensalão”, no qual o apoio parlamentar foi comprado como se compra um pacote de manteiga no supermercado.

Mesmo não tendo votado em Lula e no PT, tinha a expectativa de que as coisas pudessem avançar; de que a prática política entrasse na sua nova fase e que a nossa agenda democrática não sofresse solução de continuidade.

O que vimos, Sr. Presidente, foi o pior da política minúscula, da troca de apoio por recursos do Orçamento, por diretorias de empresas estatais. O que vimos foi o aparelhamento da máquina federal e a cooptação notória de entidades da chamada “sociedade civil”.

Os sindicatos, as organizações não-governamentais, ONGs, por exemplo, que deveriam ser a vanguarda da sociedade, foram transformadas em meros instrumentos de manutenção do statu quo. Tudo muito bem azeitado pelo repasse de recursos públicos dos “companheiros” encastelados na máquina pública. A manipulação se transformou em regra de comportamento.

Será que é mera coincidência que setores do PT voltem a defender um terceiro mandato para o Presidente da República num momento no qual a imagem da atividade parlamentar está abaixo do nível do mar, quase sem forças para reagir?

Será que é mera coincidência que um grande empresário venha de público afirmar que um terceiro mandato representa a vontade da maioria?

Será que é mera coincidência o Presidente da República barrar a fiscalização da aplicação dos recursos repassados aos sindicatos?

Será que é mera coincidência que um ministro considere normal a montagem de dossiês contra adversários políticos?

Será que é mera coincidência que o sigilo bancário de um simples caseiro, que o sigilo de dados de um ex-Presidente da República e de sua esposa e que o sigilo do descobrimento de um novo campo de petróleo venham à tona como se isso fosse normal? 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mediocridade campeia. Nada, absolutamente nada, é coincidência. É tudo fruto do mesmo caldo medíocre, da cultura do aparelhamento escancarado do Poder Federal.

A lista de desvios ou desvarios é imensa. Precisaria de um dia inteiro para relacioná-los.

Srªs e Srs. Senadores, por todo esse cenário preocupante, cresce em responsabilidade o papel das forças de Oposição.

A pauta dessa agenda continuísta já está posta, quer seja por meio de uma oportunista re-reeleição,quer seja por meio de um candidato - poste ou não - a ser “ungido” pelo Presidente da República.

Cabe à Oposição deixar claro que democracia e personalismo não combinam. Nunca combinaram. Aí está a História da Humanidade repleta de exemplos de que o messianismo provoca efeitos devastadores sobre o desenvolvimento coletivo de uma sociedade.

Permitam-me transcrever texto de Norberto Bobbio:

“A soberania popular não pode se basear na mera autoridade do número: a maioria é tão arbitrária quanto o arbítrio individual. A soberania não pode ser senão a soberania do direito, de uma ordem jurídica racionalmente organizada, mediando entre liberdade e organização, entre espontaneidade social e poder”.

Para tanto, a Oposição, na minha modesta opinião, precisa se organizar.

Como disse, certa vez, o cantor e compositor pernambucano, desaparecido muito cedo, Chico Science: “Eu me organizando, posso desorganizar”.

Não há outro caminho para enfrentar essa máquina que aí está.

Em 2005 e 2006, a Oposição cometeu, de forma reincidente, o erro fatal de subestimar as forças que hoje se encontram unidas no Poder Federal. Se não conversarmos, se não dividirmos missões e responsabilidades, vamos condenar o País a manter essa mesmice que aí está.

Em tempos estranhos como os de hoje, quando as pessoas se digladiam para comprar cuecas usadas de um traficante de drogas, a mediocridade precisa ser combatida diuturnamente como se fosse uma doença contagiosa.

Precisamos, Sr. Presidente, combater o que este Governo tem de pernicioso, seus desvios, seus abusos; precisamos enfrentá-lo com altivez e firmeza quando são agredidas outras instituições da República, o que virou rotina nos últimos meses.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Jarbas, eu queria participar.

O SR. JARBAS VASCONCELOS (PMDB - PE) - Pois não, Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Suplicy, V. Exª tem uma sensibilidade extraordinária, não é? A lei foi feita para servir o homem, e esse homem está servindo a democracia, que é a maior conquista da humanidade na história política do mundo. Eu queria parabenizar V. Exª. Eis aí a diferença: a nossa geração. Eu estava vendo por que o Suplicy está ali - o Camata foi muito vivo -: pela idade, como está no Regimento. Então, ele nasceu antes de nós. Mas a nossa geração estudou O Homem Medíocre, do filósofo argentino José Ingenieros, aquele livro O Homem Medíocre. V. Exª sintetizou. Essa geração não estuda. O nosso Presidente - e o exemplo arrasta - disse: “Ler uma página de livro dá uma canseira! É melhor fazer uma hora de esteira”. Nós lemos O Homem Medíocre, do filósofo argentino José Ingenieros. Nós aprendemos. Eu devo ter lido três vezes e V. Exª sintetizou. Eis aí, eu recebi um e-mail, Suplicy, a mulher brasileira inteligente. V. Exª diz que a ignorância é audaciosa. Mas a sabedoria é coragem; é Jarbas. Ele simboliza essa coragem e foi buscar, com sabedoria, Norberto Bobbio, aquele teórico político italiano que foi senador vitalício por escolha do regime. Ele disse que o mínimo que o povo pode exigir do governo é o direito à segurança, à liberdade e à propriedade. Então, esses dois filósofos citados são suficientes para nos preocuparmos. E V. Exª é homem de luta. V. Exª não é a esperança; é a certeza, porque nos anos 70 V. Exª estava aqui nos autênticos, lançando anticandidatos, inspirando a redemocratização.

O SR. JARBAS VASCONCELOS (PMDB - PE) - Eu lhes agradeço, Sr. Presidente e nobre Senador Mão Santa. Inclusive, aproveito a oportunidade, porque falar em combatividade a V. Exª é falar do óbvio, pois V. Exª utiliza quase diuturnamente esta tribuna para fazer o bom combate. Mas estava faltando ainda uma palavra, senão da Casa, de amigos seus, de integrantes da Bancada da Oposição, para lhe prestar solidariedade pública. V. Exª não se submeteu à chantagem que lhe queriam impor na semana retrasada - faz 15, 20 dias - sobre o seu discurso; manteve-se firme, altivo e não teve receio algum da ameaça de Conselho de Ética. Há muita gente que precisa ser julgado pelo Conselho de Ética, antes de V. Exª. Por isso que V. Exª se manteve aqui com altivez, com coragem, não arrefeceu seus ânimos e muito menos suas idas à tribuna para condenar aquilo que considera errado por parte do Governo.

Sr. Presidente, fico muito alegre e satisfeito de tê-lo como Presidente neste discurso. É um privilégio ter V. Exª, que sempre dialoga com a Oposição, nesta Casa, presidindo com as suas qualidades - morais, políticas -, que são conhecidas não somente do Senado e em São Paulo, mas no Brasil inteiro.

Vou concluir, Sr. Presidente! Sei que V. Exª não concorda em nada com o meu discurso e que, se tivesse em lugar oposto, estaria contestando!

Esse bom combate, Sr. Presidente, por parte da Oposição - tenho cobrado isto reiteradamente - a imprensa é testemunha: a Oposição tem que se organizar, tem que dividir tarefas. Esse bom combate por parte da Oposição é essencial para que o País não seja contaminado por essa praga da mediocridade. Não devemos permitir que o comportamento da sociedade brasileira, em especial das novas gerações, seja pautado por esses exemplos nocivos.

Era isso, Sr. Presidente, que tinha a dizer nesta tarde.

Muito obrigado pela sua benevolência!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2008 - Página 10775