Discurso durante a 64ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Quadragésimo Oitavo Aniversário de Brasília.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Quadragésimo Oitavo Aniversário de Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2008 - Página 10995
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), REGISTRO, HISTORIA, INICIATIVA, CONSTRUÇÃO, NOVA CAPITAL, CUMPRIMENTO, PROMESSA, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RENOVAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

            A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicio meu pronunciamento contando uma história que aconteceu no dia 04 de abril do, já distante, ano de 1955, portanto, há cinqüenta e três anos e que foi, de certa forma, responsável pela construção de Brasília.

            Tudo começou com uma chuva inesperada, numa segunda-feira, que amanheceu cheia de sol e mudou a rotina de Jataí, cidade do sudoeste goiano.

            Era feriado municipal, decretado por um orgulhoso prefeito que receberia às 10h, pela primeira vez na história da cidade, um candidato à Presidência da República.

            Não era fácil ao jataiense entender por que o então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, decidira começar sua campanha presidencial por uma modesta cidade de 10 mil habitantes.

            Jataí chegou em boa hora às ambições eleitorais de JK. O generalato já tinha deixado claro sua insatisfação com a candidatura do governador mineiro.

            Morto Getúlio Vargas, a UDN queria um candidato único às eleições. As Forças Armadas falavam em ''colaboração interpartidária'', mas o PSD tinha encontrado fôlego próprio. Para não desafiar as Forças Armadas, Juscelino começou a comer o mingau pelas bordas.

            JK lembrou-se de um velho amigo e correligionário, Serafim de Carvalho, colega na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, que tinha pleno domínio dos cinco mil eleitores de Jataí (metade da população!).

            Dizia-se, à época, que 'quando doutor Serafim tocava o berrante, o pessoal batia atrás'. Juscelino decidiu fazer o comício na cidade a 320 quilômetros de Goiânia.

            Jataí parou para receber JK. Uma comitiva foi recepcioná-lo no aeroporto, os estudantes tinham sido convocados ao comício, o palanque estava pronto, o alto-falante anunciava a chegada do candidato e o povo aglomerava-se na Praça Tenente Omar Menezes, no centro da cidade.

            Inesperadamente, o tempo fechou e a chuva parecia dissolver os planos de JK, que pensara num comício com entusiasmo suficiente para que seus ecos chegassem ao Rio de Janeiro, sem no entanto soar como risco ao regime tão instável daqueles tempos.

            Decidiu-se, na correria das águas, que o comício seria transferido para um galpão de oficina mecânica ali perto. Para palanque foi eleita a carroceria de um velho caminhão à espera de conserto.

            O povo, que ainda continuou na praça, se espremeu no barracão de não mais de 100 metros quadrados.

            Deu-se início ao comício, Juscelino falou de sua candidatura, remeteu-se ao Sermão da Montanha, e repetiu seu compromisso com a Constituição e o respeito a ela - recado destinado aos desconfiados generais a mil e quinhentos quilômetros dali.

            Disposto a ouvir o que o povo de uma cidade dedicada à plantação de arroz queria de um presidente eleito, JK abriu a palavra ao público.

            Deu-se um silêncio constrangedor, ninguém se manifestou. No gargarejo, bem na frente do candidato, estava um rapaz de 29 anos, funcionário de uma companhia de seguros, e parente dos caciques políticos da cidade.

            Num sopetão, lhe veio a pergunta que entrou para a história. Levantou o dedo e, de pronto, perguntou:

            - O senhor mudará a capital do país para o Planalto Central, como está previsto nas Disposições Transitórias da Constituição?

            Pego pelo contrapé, Juscelino olhou para um lado, e para o outro, deu-se alguns segundos para pensar e finalmente respondeu:

            - Acabo de prometer que cumprirei, na íntegra, a Constituição e não vejo razão para que esse dispositivo seja ignorado. Se for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo.

            Aplausos e mais aplausos ecoaram daquele povo que estava acostumado a ser esquecido pelos governos. O autor da pergunta, Antônio Soares Neto, o Toniquinho, se assustou com o repentino sucesso. Havia pouco anos, ele tinha estudado a Constituição para um curso de tabelião de cartório.

            Juscelino Kubitschek foi eleito presidente da República e cumpriu sua promessa.

            Durante a construção da cidade, JK tinha como hábito chegar a Brasília, para suas visitas de vistorias às obras da futura capital, pela madrugada.

            Saía direto do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, para a futura Brasília. O vôo, num Douglas DC-3, levava em torno de quatro horas normalmente.

            Em uma dessas visitas, já com o dia nascendo na vastidão do Planalto Central, o presidente JK caminhava pelas obras do Congresso quando se deparou com um grupo de operários.

            Uns preparavam massa de cimento, outros organizavam os tijolos e os ladrilhos que seriam erguidos e esquadrinhados.

            Israel Pinheiro cuidava de tudo e ia à frente. O coronel Afonso Heliodoro, ajudante de ordem de JK, também estava junto.

            Para descontrair o ambiente, JK perguntou ao grupo de candangos no lusco-fusco da madrugada:

            - E aí amigos, como anda a construção desse muro?

            Para sua surpresa, e de todos que faziam parte daquela comitiva, o operário que estava com a mão na massa respondeu:

            - Desculpa, moço, mas não estamos somente erguendo um muro. Estamos, sim, construindo a futura capital do Brasil.

            Srªs e Srs. Senadores, foi o escritor Nelson Rodrigues quem bem definiu a missão do presidente que nos presenteou a cidade de Brasília.

            Disse ele: "Juscelino mudou o homem brasileiro. Deu-lhe uma nova e violenta dimensão interior. Sacudiu dentro de nós, insuspeitas possibilidades. A partir de Juscelino, surge um novo brasileiro".

            Brasília, portanto, tem para todos nós esse sentido de mutação.

            Estamos iniciando hoje, às vésperas de seus 48 anos de existência, as comemorações e todas as possíveis reflexões sobre o significado do seu cinqüentenário. Historicamente será em 2010, mas, concretamente falando, a epopéia da construção começou mesmo em 1957, com o início das obras.

            Naquele mesmo ano, o poeta Vinícius de Moraes escreveu: "Vinham de longe através de muitas solidões" As forças vivas da nação foram convocadas a erguer "num tempo, o novo tempo".

            Josés, Raimundos, Severinos e Franciscos perdiam a identidade no barro vermelho da futura capital. Coletivamente eram candangos - palavra originária da língua quimbundo/angolano.

            Nos canteiros de obras passavam a ser chamados de Bahia, Piauí, Paulista, Pará, Gaúcho ou Mineiro. Goianos, então, tinha aos montes.

            Multidões caminhavam em busca da Canaã de uma nova era. Tudo era alegria, entusiasmo e idealismo. A esperança nascia em um país desesperançado. Era o toque de reunir para a grande batalha. Todos foram chamados sem distinção de raças, credos, níveis culturais ou sociais.

            Artistas, engenheiros, peões se irmanando para a realização do sonho que pulsava no coração de cada um.

            As avenidas começaram a ser abertas. Os prédios se erguendo como mãos postas agradecendo aos céus. A cidade nascia e com ela, um novo tempo de prosperidade.

            Um poema urbano de ousadas curvas e belezas arquitetônicas preenchia o espaço vazio do cerrado. A genialidade de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer transformava o marco zero em cidade do futuro.

            O mundo, atônito, olhava de longe, admirado, o milagre que acontecia. O sonho de Dom Bosco começou a se concretizar na vontade patriótica e confiante do presidente Juscelino, tornando realidade o grande monumento do século XX.

            Brasília, a cidade que fez o povo brasileiro sentir orgulho de sua pátria. Abstrata e concreta, esta cidade nos induz a profundas reflexões.

            Agora, às vésperas de completar seu quadragésimo oitavo (48º) aniversário, já quase cinqüentona, Brasília merece todas as nossas atenções.

            Aqueles candangos iniciais, aqueles operários que tiveram a coragem de dizer a Juscelino Kubitschek que estavam construindo, não um simples muro, mas a futura capital do Brasil, cresceram e se multiplicaram junto com Brasília.

            O mar de oportunidades que a cidade proporcionou a milhares de brasileiros que vieram dos mais longínquos rincões brasileiros, se transformou em riqueza material, social e cultural.

            Surgiram os núcleos de trabalho, firmaram-se as famílias, constituíram-se escolas, universidades, firmas, empresas, partidos políticos, estilos, enfim; uma maneira de ser totalmente brasiliense que está muito bem representada, por exemplo, nos azulejos de Athos Bulcão, que a todos nós encanta e ilumina e hoje é um símbolo da nossa cidade para o resto do país e para o mundo.

            A dimensão que aquele operário anônimo e candango deu ao seu trabalho, aparentemente simples e cotidiano, foi realmente transcendental.

            Este sentido de grandeza, aliás, é uma das grandes lições que o presidente JK conseguia transferir para todos aqueles que vieram participar da epopéia da construção da nova capital.

            Após o término de seu mandato, como presidente, JK se elegeu, pelo voto direto, senador da República pelo meu querido Estado de Goiás, onde foi detentor de seu último cargo público.

            Juscelino Kubitschek é, ainda, uma sensação viva em cada um de nós, 48 anos depois da inauguração da nova capital.

            E pensar que Brasília, hoje, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, começou com uma pergunta de um humilde cidadão jataiense, há exatos cinqüenta e três anos.

            Parabéns Brasília! Parabéns a todos que aqui vivem! Parabéns a todos os brasilienses de nascimento ou de coração.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigada.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2008 - Página 10995