Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A violência contra os moradores da Ilha de Marajó. A crise mundial de alimentos e as suas conseqüências para o Brasil.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.:
  • A violência contra os moradores da Ilha de Marajó. A crise mundial de alimentos e as suas conseqüências para o Brasil.
Aparteantes
Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2008 - Página 11116
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, DIVULGAÇÃO, TELEVISÃO, PROGRAMA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), IMPORTANCIA, DEBATE, SOCIEDADE, PROPOSTA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, CONCLAMAÇÃO, POPULAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ELEIÇÕES.
  • SOLIDARIEDADE, MAGNO MALTA, SENADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, VISITA, ILHA DE MARAJO, ESTADO DO PARA (PA), APOIO, BISPO, VITIMA, AMEAÇA, MORTE, QUALIDADE, DENUNCIANTE, EXPECTATIVA, ORADOR, INVESTIGAÇÃO, CRIME, DENUNCIA, CONSELHO TUTELAR, CONVITE, CONGRESSISTA, REUNIÃO, GOVERNADOR.
  • ANALISE, CRISE, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, MUNDO, AUMENTO, PREÇO, TRIGO, ARROZ, SOJA, MILHO, SUPERIORIDADE, EFEITO, POPULAÇÃO, TERCEIRO MUNDO, AUTORIA, ESPECIALISTA, INEFICACIA, MODELO, AGRICULTURA, CAPITALISMO, DEPENDENCIA, PETROLEO, CRESCIMENTO, CUSTO DE PRODUÇÃO, PROVOCAÇÃO, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, CONTINENTE, AFRICA, ASIA, AMPLIAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, MATERIA-PRIMA, ALCOOL, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, DETALHAMENTO, SITUAÇÃO, CANA DE AÇUCAR, BRASIL, PERDA, AREA, CULTIVO, CEREAIS, QUESTIONAMENTO, LUCRO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, GOVERNO, TRANSPORTE COLETIVO, CONTRADIÇÃO, DESNUTRIÇÃO, FOME.
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, SACERDOTE, CONCLAMAÇÃO, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PRIORIDADE, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, ENERGIA SOLAR, ENERGIA EOLICA, ENERGIA HIDRAULICA.
  • PROPOSTA, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE AGRICULTURA, DEBATE, CRISE, ALIMENTOS.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, antes de falar sobre o assunto que me traz à tribuna neste momento, aproveito as referências feitas por V. Exª em relação ao programa do Partido Socialismo e Liberdade, veiculado ontem em cadeia nacional de rádio e televisão.

            Mais uma vez, apresentamos e discutimos com o País os grandes problemas que afligem o nosso povo, bem como apresentamos idéias e sugestões que devem fazer parte de um verdadeiro programa de mudanças para melhorar as condições do nosso País e construir, assim, uma sociedade onde prevaleçam os interesses da maioria, e não os interesses de uma minoria, como muitas vezes tenho observado nessa nossa triste realidade nacional.

            No momento em que o PSOL divulga suas idéias, também a nossa Presidente faz um chamado especial a uma participação consciente e cidadã no processo das eleições municipais de 2008, em que os 5.564 Municípios brasileiros vão escolher os seus novos dirigentes: prefeitos, prefeitas, vice-prefeitos, vice-prefeitas, vereadores e vereadoras.

            Portanto, agradeço a menção que faz V. Exª ao programa do Partido Socialismo e Liberdade levado ao ar no dia de ontem.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, nas últimas semanas as atenções mundiais se voltaram para a crise dos alimentos.

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Senador José Nery...

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - O Relator da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, qualificou a crise de verdadeira tragédia e apontou como causas prováveis da alta dos preços dos produtos alimentícios a transformação de alimentos em biocombustíveis e a especulação financeira.

            Concedo o aparte ao Senador Magno Malta.

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Eu pedi o aparte no início para não atrapalhar o seu discurso, porque a minha fala não tem, de fato, qualquer relação com o que V. Exª começou a falar. Quero apenas dar uma satisfação a V. Exª. Transmiti o seu recado aos Bispos do Marajó. Estive em seu Estado, como é do seu conhecimento. Fui ao Marajó me encontrar com o Bispo ameaçado de morte por denunciar o tráfico de pessoas, mulheres e crianças, o abuso sexual contra crianças e pedofilia. Estive com ele um dia inteiro, e as referências dele a V. Exª são as mais elogiosas em relação a sua luta em favor das minorias e no combate a esses desencontros. Estou estarrecido, pois tomei conhecimento de uma coisa que achei que não era verdade: que, infelizmente, aquela área não tem monitoramento do Sivam, e deveria ter. Mas fui levar a ele a nossa solidariedade, Senador Nery - e falei o seu nome -, e dizer do poder de que a CPI dispõe, tomando posse das denúncias dele para poder fazer valer algo que ele já vem denunciando há dois anos, no Ministério da Justiça, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e de que esta CPI tomou conhecimento. Há uma coisa muito grave realmente nas denúncias do Bispo. É preciso que todos nós nos fortaleçamos. Estive com a Governadora no momento seguinte. Eu vou voltar ao seu Estado e gostaria de convidá-lo, então, publicamente, neste plenário, para que esteja conosco numa reunião junto com a Governadora e os bispos, para que sejam colocadas em cima da mesa todas as denúncias feitas, e como nós podemos caminhar, a fim de punir aqueles envolvidos com essas ameaças e crimes que foram denunciados pelos bispos. Por isso eu fiz questão - e V. Exª me perdoe -, de fazer essa referência, até porque me comuniquei com V. Exª, pedindo autorização para entrar no Pará.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Magno Malta, eu agradeço o aparte e as ponderações de V. Exª. Realmente, lamentei não poder, ao final, acompanhá-lo na visita que fez, em nome da CPI, ao Bispo Dom Azcona, no Marajó. Efetivamente, há razão de sobra para a indignação que tomou conta da CNBB, que publicou uma nota durante a sua conferência nacional, denunciando a violência a que estão submetidas dezenas de milhares de crianças em nosso Estado, vítimas do abandono das políticas públicas, e todo um conjunto de situações que tem levado a perda da dignidade por essas crianças.

            Portanto, a solidariedade que o senhor levou em nome, com certeza, do Senado brasileiro, da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia, que o senhor preside. Diante da gravidade daquela situação, precisamos cobrar e ter a garantia de que ações efetivas serão realizadas não somente do ponto de vista da repressão e punição dos crimes denunciados, mas, também, da busca de um conjunto de alternativas econômicas e sociais para livrar aquela população do Marajó da pobreza, da miséria, da falta de condições de sobreviver com dignidade.

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Senador Nery, fiquei impressionado que cinco ou seis pessoas tocam um terror tão grande numa região tão imensa. Os criminosos são audaciosos, palavra que o Senador Mão Santa gosta de falar. Eles são audaciosos. Se os homens do bem tivessem a audácia dos homens do mal, a sociedade seria outra. Eles são audaciosos. Cinco ou seis pessoas tocam um terror tremendo, subjugam pessoas e as fazem cometer crimes por conta da força da imposição do terror. Mas fiquei feliz, também, por ter recebido da Governadora um programa pronto para ser implantado no Marajó. É importante que compartilhem com os bispos, com os religiosos de maneira geral, quer católicos, quer evangélicos, que estão na base, perto do povo, discutindo com as comunidades de base, que é a formação de V. Exª e da própria Governadora, que vieram dos movimentos populares, que, sem dúvida alguma, é a base de vocês, tem de ser mais fortalecida mesmo. Esse é um programa que a mim deixou satisfeito e não pode ser implantado sem a presença desses religiosos, sem que façam parte dele. V. Exª prossiga o seu discurso. Desculpe-me tê-lo cortado e ter feito esse debate. Mas eu precisava realmente falar isso para o País e com V. Exª na tribuna, que é parte daquele povo, e, sem dúvida alguma, a minha palavra tem mais valor e maior veracidade. Encerro dizendo o seguinte: a Polícia Federal começou a abrir os álbuns que nós quebramos do Google e do Orkut - três mil e duzentos. O pouquinho que já foi aberto... Senador Nery, eu quero dizer algo para o senhor, como pai de família, e eu sou pai de família. Eu estou vindo de lá agora. Eu saí da sala com vontade de vomitar com o que eu acabei de ver, do pouco que já começou a se abrir desse material que o Google entregou, a quebra dos Orkuts, a desgraça imposta a crianças. É preciso que nós tomemos providência muito rápido, muito ligeira, com coração e sentimento paterno de quem tem sentimento humano.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Magno Malta. Convidado por V. Exª para participar da reunião com os bispos e a Governadora Ana Júlia, para tratar das graves questões que afetam a população no Marajó, não só a questão da violência contra a criança e o adolescente, que é um dos aspectos mais graves desta realidade, tenho toda a vontade, a possibilidade de participar, até porque se o Senador Flexa Ribeiro tivesse me concedido um aparte há pouco, eu teria também me somado. Faço-o agora, para lamentar o fato de que a Governadora tenha se negado a receber Dom Luiz Azcona, quando, na verdade, ele pretendia levar essas questões e cobrar do Estado uma posição definitiva sobre esses fatos. E, ao fazer a crítica, Dom Azcona não se referia exatamente só aos fatos recentes. Verdade seja dita, os bispos do Marajó têm denunciado, ao longo do tempo, sendo que, durante os últimos dez anos, de forma insistente. Portanto, não é uma crítica...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Senador Mão Santa, fui eu que...

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Solicito ao Senador Mão Santa condescendência, porque o Senador Magno Malta abordou uma questão muito importante, tem relevância para o nosso Estado e para o nosso País. Mas V. Exª e todos que estão nos assistindo hão de convir que o pronunciamento que estou fazendo, tendo iniciado apenas o primeiro parágrafo, que trata da crise mundial de alimentos e as conseqüências sobre o nosso País, acabou...

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Eu estou lhe passando os meus dez minutos de Liderança, com a complacência do Presidente, que é complacente mesmo. Depois, vou até presidir a sessão para ele fazer seu discurso, e vou dar uns 45 minutos a uma hora para ele fazer o discurso. Pode fazer outro, então. Quero dizer, Senador Flexa...

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Nery.

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Quero dizer que senti boa vontade da Governadora. Dei uma coletiva junto com ela, falamos à imprensa. Ela falou ao povo do seu Estado da disposição de estar com os bispos, até porque ela não dispõe daquelas denúncias, que não chegaram a suas mãos. Ela precisa dessas denúncias, elas estão aqui. Eu fico triste, porque estão no Ministério da Justiça há dois anos e ninguém toma providências. A única diferença do seu Estado para o meu foi a coragem da denúncia. Para mim, se existe crime hediondo, a pedofilia é o crime mais hediondo. No meu Estado, agora, no sábado, foi preso um pedófilo no Município de Fundão, um Município pequenininho, Senador Renato Casagrande. Um pedófilo com um computador repleto de lama, de indignidade, de lágrima, de choro contra a criança. Ali, num Estado pequenininho. Então, está cheio de pedófilo precisando de punição, precisando ser descoberto. A diferença é esta coragem de fazer a denúncia.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Magno Malta, coragem também que é parte da ação dos conselheiros tutelares do Pará. Inclusive, encaminhei a V. Exª, no dia de hoje, uma denúncia do Conselho Tutelar de Canaã dos Carajás, no sul do Pará, em que relatam graves fatos que não foram nem investigados nem tratados pela polícia civil do Município.

            Estou encaminhando a V. Exª e espero toda atenção. Vamos investigar os fatos e, se possível, convidar, chamar as pessoas envolvidas em vários casos de pedofilia segundo avaliação e denúncia enviada pelo Conselho Tutelar de Canaã dos Carajás, no Estado do Pará.

            Eu queria, agora...

            O Sr. Magno Malta (Bloco/PR - ES) - Vou receber e vou dar celeridade. V. Exª tem os meus 10 minutos pela Liderança do meu Partido além dos 10 minutos de V. Exª.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Muito obrigado, Senador Magno Malta.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Permita-me interromper V. Exª, para anunciar que há um convênio do Senado com o Clube do Choro, musical, e que eles convidam os que quiserem a assistir um espetáculo que ocorrerá no Salão Negro.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Sr. Presidente, prossigo, então, tratando aqui do tema principal do nosso pronunciamento no dia de hoje, relativo à crise mundial dos alimentos e, efetivamente, das conseqüências sobre nosso País; uma questão tão vital e tão importante para a humanidade que convive hoje com a falta de alimentos provocando crises e reações populares, lutas e confrontos em várias partes do mundo.

            Segundo dados da FAO - Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, no último ano, o preço dos cereais - especialmente o trigo - aumentou 130%; o do arroz, 74%; o da soja, 87%, e o do milho, 53%.

            Uma família européia destina de 10% a 12% do seu orçamento à alimentação. No mundo em desenvolvimento, onde 2,2 bilhões de pessoas vivem em extrema pobreza, segundo o Banco Mundial, a proporção é de 85% a 90% da renda gasta com alimentos.

            Para o professor da Universidade da Califórnia e membro da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia, Miguel Altieri, “a humanidade está tomando consciência rapidamente de que o modelo industrial capitalista de agricultura dependente de petróleo não mais funciona para suprir os alimentos necessários”. Isso se deve ao fato de que os preços inflacionários do petróleo aumentam os custos de produção e os preços dos alimentos subiram a tal ponto que um dólar compra 30% menos alimento do que há um ano. Para o professor, essas pressões estão desencadeando uma crise sem precedentes no sistema alimentar global, que já começa a se manifestar em protestos por escassez de alimentos em muitos países da África e da Ásia. De fato, há 33 países à beira da instabilidade social devido à falta e ao preço dos alimentos.

            Contrariando o senso comum da grande imprensa, o professor titular de Geografia Agrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) Ariovaldo Umbelino é categórico: existem dois processos monopolistas que comandam a produção agrícola mundial.

De um lado, está a territorialização dos monopólios, que atuam simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. O principal exemplo é o setor sucroalcooleiro.

De outro lado, está a monopolização do território pelas empresas de comercialização e processamento industrial da produção agropecuária, que, sem produzir absolutamente nada no campo, controlam, por meio de mecanismos de sujeição, camponeses e capitalistas produtores do campo.

            Concordo com seus argumentos. Considero que a atual crise dos alimentos tem dois fundamentos: a alta dos preços internacionais do petróleo e, conseqüentemente, a elevação dos custos dos fertilizantes e agrotóxicos; e é conseqüência do aumento do consumo, mas não do consumo direto como alimento, como quer fazer crer o Governo brasileiro, mas, isso sim, daquele decorrente da opção dos Estados Unidos pela produção do etanol a partir do milho.

            E o Brasil? A questão dos agrocombustíveis e a produção de alimentos refletem diretamente no campo brasileiro. A área plantada de cana-de-açúcar na última safra chegou perto de 7 milhões de hectares e, em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, já ocupa a quase totalidade dos solos mais férteis existentes.

            Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, revelam a redução da produção dos alimentos imposta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municípios que tiveram expansão de mais de 500 hectares de cana no período, verifica-se que, neles, ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz.

            Para o professor Ariosvaldo Umbelino “essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional e um milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do País”.

            Vale lembrar que a produção dos três alimentos básicos no país - arroz, feijão e mandioca - também não cresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou o maior país importador de trigo no mundo.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, corremos o risco da previsão de Frei Betto acontecer: vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. Há 800 milhões de veículos automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem intocáveis.

            A desnutrição ameaça, hoje, 52,4 milhões de latino-americanos e caribenhos, 10% da população do Continente. Com a expansão das áreas de cultivo...

(Interrupção do som)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - ...voltadas à produção de etanol, corre-se o risco do biocombustível se transformar no que ele denomina de necrocombustível, ou seja, predador de vidas humanas.

            Precisamos de um paradigma alternativo de desenvolvimento agrícola que propicie formas de agricultura ecológica, sustentável e socialmente justa. Redesenhar o sistema alimentar para formas mais eqüitativas e viáveis para agricultores e consumidores vai requerer mudanças radicais nas forças políticas e econômicas que determinam o que vai ser produzido, como, onde e para quem.

            Precisamos de outra política econômica, que não permita que especuladores e rentistas fiquem com o principal dos recursos produzidos pelos brasileiros.

            Finalizo esse pronunciamento, Sr. Presidente, repetindo o alerta do Frei Betto:

Antes de transformar o País num imenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizar fontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os ‘heróicos usineiros.

            Além de empresários e principalmente esses que hoje se deleitam com o agronegócio brasileiro, que tem a sua importância, do ponto de vista econômico, para exportação e, sem dúvida, contribuir com a balança comercial do País, mas a verdade é que o direito à alimentação não pode ser superior ao direito ao lucro e à acumulação capitalista. É a nossa mensagem e a nossa visão, Sr. Presidente.

            Diante da gravidade deste assunto, estou propondo, por meio de requerimento na Comissão de Agricultura no Senado, a realização de uma audiência pública convidando as autoridades e organismos internacionais, bem como a representação de trabalhadores, para uma audiência pública onde a crise dos alimentos e as suas repercussões e conseqüências no País sejam analisadas e possamos assim nos adiantar sugerindo e construindo um conjunto de medidas que contribuam para que os efeitos da crise em nosso País sejam, senão eliminados, pelo menos minimizados.

            Isso é o que pretendemos fazer, Sr. Presidente, com a discussão que queremos realizar no âmbito da Comissão de Agricultura no Senado Federal.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2008 - Página 11116