Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao plebiscito a ser realizado em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para decidir se a região vai tornar-se um país independente.

Autor
Inácio Arruda (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/CE)
Nome completo: Inácio Francisco de Assis Nunes Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Comentários ao plebiscito a ser realizado em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para decidir se a região vai tornar-se um país independente.
Aparteantes
José Nery.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2008 - Página 11122
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, EMIR SADER, SOCIOLOGO, ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, TENTATIVA, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, SEPARAÇÃO, DEPARTAMENTO, COMENTARIO, HISTORIA, DOMINIO, DESTRUIÇÃO, CIVILIZAÇÃO, AMERICA DO SUL, COLONIALISMO, ELOGIO, DESENVOLVIMENTO POLITICO, ATUALIDADE, ELEIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, REPRESENTAÇÃO, MAIORIA, GRUPO ETNICO, POPULAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • REPUDIO, REFERENDO, PROVINCIA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, SEMELHANÇA, GOLPE DE ESTADO, DENUNCIA, INTERESSE, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DIVISÃO, AMERICA LATINA, CONCLAMAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, ATENÇÃO, SENADO, APOIO, DEMOCRACIA, INTEGRAÇÃO, SOBERANIA, DESENVOLVIMENTO, REFORÇO, CONTINENTE.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Além desses fatores todos, estamos ligados ali, na Parnaíba, a Bitupitá, àquelas ilhas todas que existem ali. Além dessa ligação litorânea, temos a ligação do Parnaíba direto com a serra da Joanina, lá nas regiões de Crateús e Quiterianópolis, que vai formar o rio Poty.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - E nós permutamos.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Claro.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Muita gente fala isso. E é importante saber por que a capital não é no litoral. Saraiva era um baiano inteligentíssimo. E ele, com 20 e poucos anos, já era interventor em Sergipe, chegou ao Piauí, mudou a capital. Aí indagam: por que Saraiva não a colocou no litoral? O litoral não era nosso; o litoral era do Ceará.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Do Ceará.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Então, ele cravou Mesopotâmia e fez a primeira capital planejada do País.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Planejada. É verdade.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - No meio das terras, no meio da área do Piauí, como Brasília foi, depois, construída pela inspiração...

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Então, nós estamos ligados pelo litoral e pelo sertão.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - É. Aí, nós cedemos a vocês Crateús.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Crateús.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - De valorosa gente cearense.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - Toda aquela região: Novo Oriente, Crateús. E o Piauí ficou com o Delta do Parnaíba, aquela coisa belíssima. Há muitas ilhas. Eu citei Bitupitá porque V. Exª conhece muito bem aquela região.

            Mas, Sr. Presidente, é recorrente o tema, nesta Casa e, principalmente, no dia de hoje, porque já foi abordado pelo ex-Presidente da República e atual Senador pelo Estado de Alagoas, Collor de Mello, o tema da situação política na América do Sul e a particularidade do caso da Bolívia.

            Solicito a V. Exª, de início, que a gente possa recepcionar, nos Anais do Senado, um importante artigo publicado há pouco pelo sociólogo Emir Sader, que trata desse episódio da Bolívia. Ele dá as tinturas, as letras para examinarmos o que ocorre nesse nosso País vizinho. E eu quero fazer uma relação. Primeiro, o que vai ocorrer no domingo, em Santa Cruz de La Sierra, é um ato de separatismo. Porque poderíamos examinar uma situação especialíssima em que um povo organizado há mil, dois mil anos, como é o caso dos palestinos, dos curdos e de algumas minorias que percorrem o mundo, pede para ter o seu território, ter o seu Estado, ter o seu País. Os judeus viveram essa saga. Tiveram lá. Está lá o seu Estado. Mesmo criado em cima da Nação palestina, está lá o Estado de Israel. Os palestinos pleiteiam também o seu Estado, a sua Nação, o seu País. Os curdos pleiteiam a sua Nação.

            Mas, Sr. Presidente, esse não é o caso da Bolívia. O caso da Bolívia é o contrário. Se formos examinar do ponto de vista mais profundo, os proprietários do País, os donos do País são outros, são as grandes Nações que ali estão, de nativos daquela terra, alguns dos quais se miscigenaram com os brancos, espanhóis especialmente. Esses são os verdadeiros donos da Bolívia. Esses lutam há décadas - podemos dizer há séculos -, para reaver parte do seu País para o seu povo, para essas Nações nativas. E os silvícolas nativos ficaram conhecidos entre nós como índios, porque os portugueses e os europeus da Península Ibérica queriam chegar à Índia, então, na sua ignorância, chamaram os nativos de índios. Esses nativos, as suas tribos, as suas nações, principalmente os grandes impérios - Inca, Asteca e Maia -, esse povo boliviano tem como nação ancestral a nação incaica. É daí que eles vêm. Faziam parte dessa grande nação.

            Incas nos Andes; Astecas no México; os Maias na América Central, já entrando um pouco por onde hoje é a Venezuela. Eram grandes nações e grandes civilizações; foram massacradas e destruídas. Esses são remanescentes desses povos. E, depois de um esforço gigantesco, um deles passa a fazer política, estrutura-se, cria organizações partidárias, disputa as eleições e, em um movimento fortíssimo do seu povo, ganha pelo voto do povo. Não foi um golpe, não foi uma insurreição armada; foi pelos métodos que o próprio Ocidente estabeleceu como a grande regra do processo democrático. Foi aí que Evo ganhou a eleição. Ganhou a eleição e busca reordenar o seu País, para poder melhorar a vida do seu povo, que vive, mesmo em cima de grandes riquezas, na miséria. Esse é o problema da Bolívia.

            E uma parte do País, Santa Cruz de La Sierra, situada onde se localizam as principais reservas de gás, de petróleo, e, digamos assim, a elite conservadora, a elite de direita boliviana, especialmente branca, que diz: “Não, nós não aceitamos esse índio. Nós não aceitamos ser governados por povos que, até agora, eram povos subalternos, que viviam sob o domínio dessa meia dúzia de bolivianos”.

            Quando Evo chega ao poder: “queremos que os nossos nativos sejam respeitados, que sejam tratados como seres humanos, que melhorem a sua qualidade de vida e que todos os outros, descendentes dos espanhóis que ocuparam nossos territórios, sejam tratados também como iguais. Não queremos separação de raça, não queremos um racismo na Bolívia, não queremos que se mantenha esse tipo de política”.

            Sr. Presidente, esses dirigentes da elite branca, do grande empresariado daquela região de Santa Cruz de La Sierra, resolvem, então, fazer um referendo por cima do País. Não é um referendo de uma etnia, de um povo, etc. Não. É uma espécie de um golpe através de um referendo. É isso que se tenta fazer na Bolívia.

            Sr. Presidente, considero essa atitude inaceitável. O Brasil, com a sua cautela, com a sua tranqüilidade, com a política que é feita pelo Itamaraty, deve interferir, no sentido positivo, é claro. Não queremos uma guerra civil na nossa fronteira; não queremos um atrito de grande monta na nossa fronteira. Mas o Brasil precisa dizer com todas as letras: a quem interessa esse referendo? Não por acaso, Senador Mão Santa, Senador José Nery, os que promovem o referendo têm o apoio da embaixada norte-americana em La Paz. Não por acaso! Não é um acidente! Não é um raio partindo do céu azul! Não é nada disso! É uma atitude, aí sim, essa, de intervenção nos assuntos internos daquela Nação.

            Por que essa onda na América do Sul? Por que a América do Sul foi varrida por esse sentimento dos seus povos de que precisa se auto-afirmar no cenário político internacional? Por que as eleições têm sido ganhas sucessivamente por setores mais progressistas, do campo da esquerda, do campo popular, do campo democrático? É por isso? Quer se criar uma cizânia na América do Sul para, talvez, a quarta frota americana, que acaba de ressurgir - estava amortecida em algum lugar e acaba de ressurgir -, para que os submarinos e os porta-aviões passem a varrer os mares do Atlântico e do Pacífico na costa da América do Sul? É para isso que se quer essa cizânia na Bolívia? Considero, Sr. Presidente, que nós deveríamos denunciar essa manobra.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Inácio Arruda, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Com grande satisfação, Senador José Nery.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Inácio Arruda, primeiro desejo cumprimentar V. Exª pelo tema que traz neste momento, tendo em vista que a realização de um referendo para aprovar o estatuto de autonomia para a província de Santa Cruz é uma tentativa inaceitável de quem não respeita as regras do jogo democrático, que fez um dos mais legítimos líderes da luta indígena e popular na Bolívia, o Presidente indígena Evo Morales, chegar à Presidência do País, tomando como deliberação a luta para garantir a soberania e o direito das maiorias que, historicamente, durante séculos, tem sido não só negado, mas, Senador Mão Santa, tem sido massacrado pelos sucessivos governos da elite boliviana. Portanto, hoje eles não suportam a idéia de que um indígena, de que um aliado da luta mais correta e mais justa, no sentido de fazer com que a maioria do povo boliviano seja representada e seja dirigente de um processo de mudança e de transformação que a Bolívia vem experimentando, mude a Constituição para democratizar o acesso e a participação no poder, do ponto de vista social e econômico, para garantir a soberania do povo boliviano, massacrado durante séculos. Essa mesma elite, no rico Estado de Santa Cruz, se rebela contra a Carta Constitucional discutida e votada pelo Parlamento boliviano e propõe um referendo separatista que tem como objetivo, na verdade, que aquele departamento rico possa, separado do país, inclusive porque pode contribuir com suas riquezas, com impostos para o melhor desenvolvimento do povo boliviano, ter essa riqueza só para ele, só para os ricos, brancos, da província de Santa Cruz. Associo-me à manifestação de V. Exª para condenar a atitude daqueles que, apoiados, inclusive, por forças externas que tanto mal têm feito à América Latina, com sua forma de intervenção autoritária e violenta, como temos presenciado diversos episódios patrocinados pelos Estados Unidos... Portanto, associo-me às suas preocupações para dizer que nós, do Partido Socialismo e Liberdade, estamos solidários com o governo popular de Evo Morales, solidários com os movimentos populares que estão se posicionando em relação ao referendo, solicitando a abstenção, na esperança de que essa atitude e principalmente a mobilização dos interesses populares consigam vencer o dinheiro, a mobilização e a campanha dos ricos de Santa Cruz, para prevalecerem os interesses não do povo boliviano. Portanto, esperamos que o povo boliviano, especialmente da província de Santa Cruz, possa cerrar fileiras para derrotar os intentos daqueles que só sabem dominar, massacrar, humilhar e violentar o direito do nosso povo, seja na Bolívia, seja em qualquer país da América Latina onde eles pensam que podem se considerar donos. Portanto, minha solidariedade ao pronunciamento de V. Exª e a certeza de que o povo boliviano, especialmente da província de Santa Cruz, dê a resposta adequada aos algozes que, durante longos séculos, só sabem lucrar, espoliar e maltratar o digno povo boliviano. Muito obrigado.

            O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Eu que agradeço as assertivas de V. Exª ao pronunciamento que faço no sentido de também mostrar o que importa para o Brasil. Um processo democrático e popular conduzido no Brasil tem de examinar. Não vamos fazer interferência na Bolívia, não vamos nos imiscuir nos assuntos internos da Bolívia, mas queremos uma Bolívia una, uma Bolívia só. Não queremos a divisão da Bolívia, principalmente num momento em que a Bolívia cria condições excepcionais para o seu povo poder ter o controle de sua própria Nação e exercer a sua própria soberania; soberania do seu subsolo, das suas riquezas, que são enormes, da produção agropecuária do seu país. Quando se fala em crise de alimento, eu digo: pois aqui temos um potencial, na América do Sul inteira, de produção de alimentos de toda sorte, sem prejuízo do etanol, até porque o etanol o Brasil produz há mais de trinta anos, e nunca foi problema para a produção de alimentos. Não o seria agora.

            O que temos de fazer é permitir que essas nações tenham garantida a sua soberania. A Bolívia pode produzir muito alimento, mas a Bolívia não tem só alimentos; a Bolívia tem gás, a Bolívia tem petróleo, a Bolívia ainda tem um restinho de estanho que as empresas americanas deixaram por lá e que o povo conseguiu reconquistar.

            Tudo isso são riquezas daquele povo, para permitir o seu desenvolvimento, o seu crescimento, para que eles possam ter acesso às escolas, para que eles possam melhorar sua saúde, para que eles possam melhorar sua renda e adquirir os bens que a ciência e a tecnologia possibilitam aos homens hoje. É para isso que queremos uma Bolívia desenvolvida, unida, forte. Ela sendo forte, fortalece a América do Sul, e não podemos aceitar que a América do Sul seja acossada pelas tropas alienígenas que se posicionam não só no Pacífico, no Atlântico, mas que têm suas bases incrustadas em nosso território.

            Por isso, Sr. Presidente, considero que, mesmo sendo a política externa brasileira conduzida pelo nosso Chefe de Governo, pelo Presidente da República, que assume as duas funções no Brasil - ele é o Chefe de Governo e o Chefe de Estado -, que ela seja feita então pelo Itamaraty. Mas o Senado da República, que escolhe os embaixadores brasileiros para tudo quanto é posto neste mundo afora, deve estar atento para o que ocorre nos nossos países vizinhos, que são irmãos nossos, e com os quais devemos colaborar para que o processo democrático se consolide. A democracia é o que temos almejado no País, no nosso Brasil, e que está sendo conquistada pelo voto. Talvez esteja acontecendo na América do Sul uma espécie de insurreição pelo voto, e insurreição pelo voto parece que também não é aceita. Não se quer aceitar. O Evo foi eleito. O povo boliviano elegeu Evo Morales. Então, não dá para admitirmos que se conteste o processo político da Bolívia, porque esse povo deseja ter soberania, deseja viver com altivez e sendo respeitado pelos seus irmãos da América do Sul e por todos no mundo.

            Então, Sr. Presidente, essa é uma preocupação de quem participa da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República. Penso que devemos dar opinião, devemos ter posição, e a nossa posição, na minha opinião, do meu partido, o Partido Comunista do Brasil, pelo que tenho examinado e visto na nossa atuação no Congresso Nacional, é a de que a Bolívia é uma só, e nós não devemos aceitar nenhum tipo de separatismo na Bolívia; não devemos reconhecer esse referendo, que é contra a constituição boliviana, contra a lei boliviana e contra os interesses daquele país. Não devemos aceitar, nem a OEA nem o Brasil, essa atitude de uma meia dúzia de pretensos donos de Santa Cruz de la Sierra. Santa Cruz de la Sierra é da Bolívia, é do seu povo e deve ser mantida dessa forma.

            Essa era a questão que gostaria de levantar, nesta noite de terça-feira, no Senado da República brasileira.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR INÁCIO ARRUDA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Emir Sader: Bolívia é palco de racismo separatista.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2008 - Página 11122