Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a perda dos valores fundamentais, pela sociedade.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão sobre a perda dos valores fundamentais, pela sociedade.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2008 - Página 11204
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE, BRASIL, PREVALENCIA, INCENTIVO, EXCESSO, CONSUMO, RELEVANCIA, QUANTIDADE, QUALIDADE, BENS, FORMAÇÃO, CIDADÃO, DESVALORIZAÇÃO, FAMILIA, IGREJA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, INFLUENCIA, MANIPULAÇÃO, TELEVISÃO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, PREJUIZO, JUVENTUDE.
  • DEFESA, UNIÃO, EXPERIENCIA, POPULAÇÃO, APROVEITAMENTO, JUVENTUDE, REFORÇO, ETICA, SOCIEDADE, BRASIL, CUMPRIMENTO, LEIS, CONSTRUÇÃO, HISTORIA, PAIS.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querido Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, a sociedade brasileira nunca, em outro tempo, envolveu-se tanto em sentimentos de comoção, em sentimentos de indignação, como nos dias de hoje. De repente, parece que todos nós fomos chamados a participar de uma minissérie da vida real, como protagonistas de uma história de barbárie, no capítulo de maior audiência, aquele no qual, infelizmente, tudo indica, atingimos o tão temido “fundo do poço”.

            É por isso que, meus irmãos, eu me dirijo especialmente aos jovens, e falo dos jovens não mais como a geração do futuro, mas como pivôs da história, a mesma história que será vivida intensamente por eles e pelas gerações que haverão de vir.

            Eu não diria, evidentemente, que perdi a esperança na minha geração, Presidente. Acho, entretanto, que nós, maduros pelo tempo, já demonstramos algum sinal de fadiga. Quem sabe, “fadiga do imaterial”. Continuamos na luta, é claro, porque a nossa experiência se abastece da energia da juventude. Bem que gostaríamos de deixar, para as gerações que virão após nós, um País menos desigual, mais rico e mais honrado! Mas, pelo menos, justiça seja feita, a nossa luta, inclusive com a própria vida dos que tombaram nessa travessia de suor, lágrimas, sangue, chumbo e espinhos, devolveu a essa geração que engatinha a liberdade que nos foi roubada numa noite escura, na qual a maioria de nós semeava os mesmos sonhos de liberdade que, hoje, todos nós, de qualquer idade, estamos colhendo: a liberdade que conquistamos na luta contra a ditadura.

            Tenho certeza de que, em nenhum outro momento da nossa história, mostrou-se tão necessário unir a experiência ao vigor - a experiência de quem construiu os alicerces e o vigor de quem erguerá as paredes da nossa construção histórica.

            Na verdade, meus irmãos, eu acho que não perdemos, na intensidade que parece, os melhores valores. Tenho provas disso quando encontro e converso com os jovens de hoje, Presidente, pelos caminhos de todo o Brasil. O que eu sinto? O que eu sinto é que esses mesmos valores não têm sido disseminados, nem acatados como deveriam ser. Acho que passamos muito bem pela fase de diagnóstico. Diagnosticamos. A realidade já nos é conhecida, o que é necessário também. Mas ainda não conseguimos alcançar a melhor estratégia de multiplicar esses mesmos valores o suficiente e o necessário.

            Eu temo, como já disse tantas vezes, pela glamourização da barbárie.

            A família, a escola, a Igreja, até ontem fontes inspiradoras dos valores mais fundamentais para a formação do caráter, perderam, conjuntamente, lugar para a televisão e para o monitor.

            O grande círculo de discussão, capitaneado pelos pais, mestres, pastores de todos os credos, transformou-se num semicírculo de silêncio, quebrado apenas pela voz do locutor ou do ator na televisão, numa valorização absoluta da audição no lugar do diálogo, que muito informa, mas muito pouco forma a verdade brasileira.

            Hoje, a criança passa mais tempo em frente à televisão do que na escola. O jovem se encanta muito mais pelas salas da Internet do que pelas salas de aula. O ser humano, no seu melhor período de formação, tornou-se “plugado” no mundo, ao mesmo tempo em que se auto-encarcera entre quatro paredes. Desenvolveu linguagens novas e frias, confia suas emoções ou a falta delas a quem não conhece nem o corpo nem a alma. Tornou-se um solitário na multidão.

            Eu passei muito tempo sem conseguir a melhor explicação do porquê da glamourização da barbárie. Entre o noticiário e a novela, não sabia o que é causa, o que é conseqüência. Será a realidade que influencia a ficção, ou o contrário, a ficção que influencia a realidade?

            Aguinaldo Silva, o autor da novela do momento, por sinal chamada Duas Caras, disse textualmente: “Nós, que trabalhamos em televisão, sabemos que bons sentimentos não dão audiência”. “Bons sentimentos” - diz Agnaldo Silva - “não dão audiência”. Sílvio de Abreu, outro dramaturgo global, já havia afirmado: “Entre o mocinho e o bandido, a população fica com o vilão”.

            Eu, sinceramente, não acredito nessa tese, apesar dessas afirmações baseadas em supostas pesquisas qualitativas. Mas, se eu sair perguntando para a população, em todos os lugares, a sua opção entre o bem e o mal, acho que vai ser daquelas pesquisas esdrúxulas, das quais se sabe o resultado a priori e que não admitamos seja diferente da unanimidade.

            Mas acontece, meu Presidente, que, em muitas situações, embora acredite e mesmo pregue o contrário, a população percebe que, nessa verdadeira selva em que se transformaram as relações, os bons estão perdendo espaço. Nessas relações de hoje, os bons estão perdendo espaço. A competição sadia deu lugar à concorrência fratricida. O meu próximo já não é necessariamente um semelhante, mas um concorrente, pela fila do hospital, pela vaga na escola, pela vaga no trabalho, pela vida, enfim.

            O que vale - já disse e repito nesta tribuna, Sr. Presidente - é a lei de Gerson, segundo a qual se tem de levar vantagem em tudo. O ser humano é cada vez menos um cidadão e cada vez mais um consumidor. O verbo “ser” perdeu com rapidez deplorável lugar para o “ter”; ou, quem sabe, o verbo “ser” tenha modificado o seu significado. Agora, eu não sou pelo que eu sou, pelo que represento como cidadão, mas pelo que eu tenho como consumidor. Sou, na verdade, não o que sou, mas o que eu aparento ser. E, aí, ergue-se uma barreira que separa quem tem e quem não tem condição de comprar e de consumir. Mas também, aí, não se trata de adquirir o alimento, o básico, o necessário, que é importante para alguns, mas o supérfluo, tão necessário para tanta gente.

            Há um apelo mordaz pelo uso do tênis da moda, Presidente, pela roupa da grife, pelo carro mais possante, pela jóia mais cintilante, pelo status. Até a moda deixou de ser um estilo para se tornar uma manipulação. Quem vê a propaganda nos jornais e na televisão, páginas e páginas, para condomínios fechados e carros em 80 prestações, com prestações de R$300,00, R$400,00, fica a se imaginar que estamos num país das maravilhas.

            Os que ficam de fora, do outro lado da barreira, tentam, de qualquer maneira, obter o seu passaporte, nem que seja por meio do crime. Não importa.

            Se não há os melhores valores, por que o suor, de sol a sol, se é possível conseguir pelo cano de um revolver, num pequeno lapso de tempo? Se morrer, de que vale a vida? Se matar, nada lhe valia aquela vida roubada. Aprende-se, no real, que os meios justificam os fins e que, na ficção, o herói pode ser aquele que mais rouba, que mais fere, que mais mata.

            De repente, o discurso sobre valores outrora moldados na família, na escola e na Igreja, que parecia ultrapassado e folclorizado, infelizmente ganha força, depois de tragédias humanas, de comoções e de indignações.

            Mártires como o menino João Hélio e a menina Isabella, tudo indica, apesar da tamanha dor, não tiveram suas vidas ceifadas em vão. É nesses momentos que a emoção aguça a razão.

            O que deu errado, meus irmãos, no projeto humano? “Para onde viemos”, muito mais do que “aonde vamos chegar”?

            Como voltar e retomar o melhor caminho?

            Nunca, como agora, os especialistas de comportamento humano revisaram tanto pontos de vista que pareciam longe no tempo, ultrapassados, jurássicos.

            Na Veja da semana passada, por exemplo, um psicanalista francês, considerado um dos melhores do nosso tempo, é enfático ao dizer: “Assistimos, hoje, a um acontecimento que talvez não tenha precedentes na história, que é a dissolução do grupo familiar. Pela primeira vez” - diz ele - ,“a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis”, conclui.

            Quem sabe não previsível, ainda, ou por enquanto, na França! Aqui, basta ligar a televisão, em qualquer hora, em qualquer canal, e vamos verificar. Ano passado, nesta mesma época, o personagem principal do nosso semicírculo era o menino João Hélio. Ali, tínhamos dois lados muito bem definidos: o filho, os pais, impotentes frente à barbárie; e os bandidos, insensíveis a ela. Nunca se viu tamanha comoção. Mas, agora, temos Isabella. Só que, embora semelhantes na tragédia humana, parece que, nesse último caso, os dois lados se confundem. A mãe de João Hélio lutou para proteger o filho das garras do bandido. Não conseguiu. Tudo indica, se as perícias não estiverem falhas, que a Isabella teria lutado para se livrar exatamente de quem deveria dar-lhe proteção. Não teria conseguido. À emoção se somou a indignação.

            O pior é que os casos de João Hélio e de Isabella são apenas emblemáticos para os nossos sentimentos de comoção e indignação.

            A cada dez horas, Sr. Presidente, uma crianças é assassinada neste País. Uma parcela significativa é assassinada, segundo as pesquisas, vítima de alguém da própria família. Nunca tantos como agora preferiram que tudo fosse ficção. Mas, não. A realidade invadiu as nossas salas, e nós preferíamos que o mocinho não fosse o vilão.

            Nesses casos citados - João Hélio, Isabella -, a polícia agiu prontamente. Havia um apelo popular, turbinado por estes sentimentos, o de comoção e o de indignação, que são muito mais do que uma rima. Mas o que se dirá, por exemplo, do menino Jefferson, quase escondido numa página de um caderno, sintomaticamente chamado “Cotidiano”, de um jornal do interior? Ele tinha 11 anos, muito pouco para o tamanho dos seus sonhos, abortados por tiros certeiros na porta do barraco onde morava, um barraco num beco qualquer, quem sabe sem, nem mesmo, janelas e redes de proteção. Jefferson, ou Tartaruga, como ele era conhecido pelos amiguinhos, era preto e pobre. Ele e tantos outros que nem viraram notícia de jornal tomara que façam parte pelo menos da nossa comoção e da nossa indignação, sentimentos que, agora ampliados pelo caso da menina Isabella, creio que terão resposta.

            Volto a perguntar: o que deu errado no projeto do homem?

            Em primeiro lugar, se mantivemos, embora tamanhas pressões contrárias, os nossos mais dignos valores, não posso dizer o mesmo sobre as nossas melhores referências. Em todos os segmentos da nossa realidade, quebraram-se os espelhos que refletiam nossa melhor imagem. Não se construíram outros personagens pelos quais referenciávamos os nossos projetos de vida.

            Não conheço momento na história sem que houvesse uma referência a ser seguida, alguém que, em meio ao povo judeu escravizado no Egito, abriu as águas turbulentas, como Moisés e seu cajado, ou que “espalhou esperança e transformou sal em mel”, como Teotônio e sua bengala. Na Igreja, houve Dom Helder, Dom Aloísio, Dom Ivo; na política, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Mário Covas; na Academia, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Florestan Fernandes; nas demais representações civis, Barbosa Lima Sobrinho, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Raymundo Faoro, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E houve muitos outros, em todos os campos, como Sobral Pinto e como Betinho. Também posso incluir aqui aqueles que permanecem, felizmente, no nosso plano de vida, mas que, igualmente, não perderam a esperança, embora demonstrem, até mesmo no silêncio, no silêncio obsequioso, sinais de fadiga.

            Procuro, em tão diferentes campos, algo que seja comum em todos esses nomes que construíram e ainda constroem nossos sonhos e nossas utopias e que não se contentaram em viver a história, nem em contá-la, mas que decidiram construí-la. Construíram a história. Aí não tenho qualquer dúvida, meus irmãos: todos eles, em todos os segmentos, alinhavaram suas condutas pela coerência, pela dignidade, pela moral e pela ética.

            Na nossa história mais recente, podemos acrescentar outro sentimento à nossa comoção e à nossa indignação: a frustração. Quem sabe, em muitos casos, a frustração seria a causa das duas primeiras? Ou seria a conseqüência?

            Depositamos nossas melhores expectativas nas novas referências que se construíram nesses últimos tempos, mas elas, infelizmente, não pautaram suas condutas pela coerência e, muito menos, pela ética. Portanto, meus irmãos, se desejarmos outra realidade, a do ser, e se quisermos manter nossos valores mais preciosos, será preciso, urgentemente, que recuperemos dois princípios básicos e fundamentais, a coerência e a ética, principalmente daqueles que são escolhidos para dirigir nossos destinos ou que são pagos para projetar nossa Pátria.

            Como formar o caráter das gerações do futuro se a família, que deveria proteger, mata; se a escola não educa; se a Igreja vende indulgências; se o resultado do suor não é repartido, mas, pelo contrário, espoliado?

            Como construir um verdadeiro cidadão, se, desde muito cedo, ele percebe que aqueles escolhidos para prover coletivamente a proteção, a educação, a saúde e a própria soberania subtraem o que é de todos para proveito próprio e individual? Ao contrário do que deveria ser, ele também percebe que a vida hoje não se constrói com a contribuição de cada um para o proveito de todos, mas que acontece exatamente o oposto.

            Franca e infelizmente, aquela dúvida que eu alimentava até há pouco tempo - se era o noticiário que municiava a novela ou se era o contrário -, hoje essa dúvida já quase não tenho. Cada vez mais, formo a convicção de que, no caso, é a realidade que está alimentando a ficção. Teria sido mais fácil qualquer mudança se fosse o contrário. Se são tão poucos os dramaturgos em relação aos tantos personagens da vida real, bastaria mudar o enredo das novelas. Mas a realidade não se muda trocando ou escamoteando a notícia. E o noticiário, nos últimos tempos, se o assunto diz respeito às nossas referências, não tem sido alvissareiro. O que mais se vê são desvios de coerência e desvios de ética, maus exemplos, pobres valores, péssimas referências.

            Por isso, para que os jovens de hoje e os que ainda virão vivam na plenitude de sua cidadania, não há de se criarem novas leis. Uma lei pode ser a legalização de um costume, mas, se os costumes de quem elabora as leis, de quem as executa e de quem tem a função de fazê-las executar são maus, o que se esperar da lei que já existe?

            Tenho chamado a atenção para o fato de que ainda desconhecemos o tamanho da corrupção legalizada que tramita incólume pelos canais regimentais do Congresso, do Executivo e, desgraçadamente, também do Judiciário e que legitima interesses nem sempre meritórios, que igualmente transitam, também incólumes, pelos corredores e pelos gabinetes de todos os Poderes, repito, de quem faz a lei, de quem a executa, de quem a faz executar ou de quem deveria fazê-lo!

            Enquanto não se mudarem esses maus costumes, de nada adiantarão as leis e as novas leis. Pior ainda: elas poderão acobertar o que queremos eliminar. Enquanto isso, as boas leis não são cumpridas. Ao contrário, elas nascem quase como letras mortas, com traços bem definidos de impunidade.

            O cumprimento da lei também tem preço, depende da capacidade de pagamento de quem a transgride, depende da grife do advogado, depende de que lado estamos da tal barreira. As leis punitivas de desvios de conduta são feitas para alcançar quem conhece apenas a Polícia, nunca quem tem condições de interpretar, a seu favor e segundo a sua conveniência, a justiça na hora própria.

            Enquanto isso não mudar, minha esperança corre risco de inanição. Ainda bem que ainda me alimento de sonhos, mesmo que o tempo não permita que eu viva para vê-los se tornarem realidade. Afinal, o que seria de nós, meus irmãos, independentemente do tempo, não fossem nossos sonhos e nossas utopias?

            Portanto, não há apenas de se mudarem os valores do povo. Eles são bons. Há de se mudarem os costumes daqueles de quem se imaginavam as melhores referências. Eles são maus. Daí a comoção, a indignação e a frustração.

            Temo que este mesmo povo, ainda que não perca totalmente a esperança, também demonstre sinais de fadiga. Aí não importa a idade. Sinais nesse sentido também não faltam.

            Quando a comoção, a indignação e a frustração transbordam, o perigo é a justiça pelas próprias mãos. A sociedade percebe que não há freios necessários e suficientes parta limitar a ação das pessoas e que há um enfraquecimento das regras sociais e se sente desestimulada em respeitar as leis. Então, o único remédio seria a justiça pelas próprias mãos.

            No caso da menina Isabella, um grupo de pessoas, num pequeno lapso de tempo, na imaginação e, em alguns momentos, na tentativa concreta, investigou, julgou, condenou e deu sinais evidentes de que teria a coragem de cumprir a pena. Quer dizer, essas pessoas chamaram para si todos os poderes. Será que esse mesmo grupo é representativo da sociedade brasileira, nos nossos dias? Tomara que não!

            Se a justiça, nesse caso, fosse feita pelas próprias mãos, não haveria diferença com a barbárie em si nem com as atitudes do Estado paralelo, que, segundo a imprensa, também julga, condena e executa. É a barbárie alimentando ainda mais a barbárie. Precisamos, meu Presidente, do fortalecimento do Estado legal, que elabora as leis e que, principalmente, as faz cumprir.

            Como eu disse, os maus costumes de quem deveria se pautar pela virtude não mudarão com novas leis punitivas de desvios éticos. Na certeza da impunidade, essas novas leis nascerão mortas.

            Mais ainda, como também já disse outras vezes, o pior para o sentimento de frustração de um povo não é a falta de leis - o povo pode substituir a falta de leis pelos seus bons costumes -, mas o não-cumprimento das leis existentes, o que ele não deve substituir pela força.

            Então, o primeiro passo é, necessariamente, fazer com que as leis sejam cumpridas, redirecionar as energias, que, hoje, estão propensas a turbinar a justiça pelas próprias mãos ou algo parecido com a pena de Talião, para a obrigatoriedade de se cumprir o aparato legal que já existe. Ou seja, que se faça cumprir o “cumpra-se”.

            Essa mudança não virá de fora para dentro nem de cima para baixo. O poder não combina com auto-imolações. Ao contrário, o poder constrói mecanismos de auto-sustentação e de perpetuação. São fins que justificam meios. Poder e pudor não rimam; apenas coincidem nas iniciais.

            Nos últimos tempos, por exemplo, a Justiça Eleitoral brasileira tem-se preocupado, com sucesso, com a identificação do eleitor. Novas tecnologias, novos métodos, urnas eletrônicas nos colocaram como exemplos a seguir em todo o planeta na eliminação de fraudes, antes costume eleitoral, como os eleitores-fantasmas, porque fabricavam eleitores e tiravam a legitimidade do processo eleitoral. Mas poucos se preocuparam até aqui com a identificação dos candidatos. Além disso, essa mesma legitimidade política é arranhada pelas próprias regras eleitorais, com legendas, com coligações, com um mecanismo eleitoral que, com mil subterfúgios, impede a busca da verdade.

            Mas será que é necessário fazer uma lei determinando que os Partidos não aceitem candidatos que não possuam probidade, honradez ou qualquer outro sinônimo que possa significar, no popular, folha corrida, limpa e respeitosa? Os Partidos não podem fazer isso? A experiência mostra que, nesse caso, sim. Inclusive, já apresentei projeto nesse sentido. Mas quem sabe os partidos, se tomassem, eles próprios, essa bandeira e coibissem representar-se por quem tem maus costumes, certamente não seriam acompanhados, já na posse, por princípios éticos?

            Com a palavra os jovens do País, novos menestréis do nosso Brasil! “Quem é esse?” São todos aqueles que têm “ira santa, saúde civil”. É a todos eles que me dirijo neste momento. Sintam-se todos emancipados politicamente. Não se contentem com essa conversa de que vocês são o país do futuro. Esse discurso, neste momento, é uma forma sutil e, talvez, mal-intencionada, embora os discursos em contrário, de manietá-los, para que nada mude. Forcem as portas, forcem as portas dessa mudança de fora para dentro! Tomem as rédeas da história! Transformem realmente o sal em mel!

            Se não colocarmos em prática nossos bons valores, perpertuar-se-ão os maus costumes, por vezes transformados em lei, e aí nem mesmo as futuras gerações terão as melhores referências.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer, agradecendo a V. Exª a gentileza.

            São algumas reflexões que venho fazendo, meu Presidente, em relação a esta hora de tanta comoção! Estive em Mato Grosso do Sul. V. Exª deixou uma belíssima passagem. Nosso querido Senador pelo Mato Grosso do Sul e eu vimos, com alegria e com comoção, a presença de V. Exª, inclusive em Três Lagoas, onde V. Exª viu tantos e tantos trabalhadores do Piauí, que foram ali em busca de trabalho. Senti, falando aos jovens, em Campo Grande, que realmente vivemos uma hora de grande interrogação.

            Acho que esse domingo foi dramático. As informações que se têm são as de que, há muito tempo, não havia tantas estações de televisão ligadas todo o tempo em São Paulo, no acompanhamento da reconstituição do caso daquela menina. Algo que deveria ter sido feito, a rigor, quase em segredo gerou uma comoção nacional.

            Sr. Presidente, devemos parar para pensar, para refletir, para analisar, mas, nesta vida em que os fatos mais importantes são as medidas provisórias, o dia-a-dia não nos deixa fazer isso. Alguma coisa precisa ser feita. Tenho tentado, nesses longos tempos, fazer isso. Recebo manifestações do Brasil inteiro, e essas manifestações são de interrogação, são de preocupação, são de mágoa.

            É interessante, Sr. Presidente, que hoje vivemos, a rigor, um momento em que a economia vai bem. Pessoas dizem que, há muito tempo, não tinham um trabalho garantido, não tinham um pão no fim do mês, mas que, hoje, elas os têm. Mesmo assim, o sentimento é de angústia. Não sabem o que vai ser amanhã e para onde vão.

            Que a gente possa fazer e aprofundar esse debate! É esse o sentido do meu trabalho, agradecendo a V. Exª, Sr. Presidente, a sempre tão estimada tolerância.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2008 - Página 11204