Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A crise no comércio internacional e a escalada dos preços dos alimentos. As perspectivas brasileiras com o avanço do biocombustivel.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA AGRICOLA.:
  • A crise no comércio internacional e a escalada dos preços dos alimentos. As perspectivas brasileiras com o avanço do biocombustivel.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2008 - Página 11238
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, AMBITO INTERNACIONAL, POSSIBILIDADE, FALTA, ALIMENTOS, FOME, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, MUNDO.
  • COMENTARIO, ACUSAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PRODUTOR, PETROLEO, RESPONSABILIDADE, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, PRODUÇÃO, BRASIL, AUMENTO, PREÇO, ALIMENTOS.
  • REGISTRO, POSIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, PREÇO, PETROLEO, PREJUIZO, PRODUÇÃO AGRICOLA, UTILIZAÇÃO, MATERIA-PRIMA, GASOLINA, MAQUINA AGRICOLA, FERTILIZANTE, DEMONSTRAÇÃO, DEPENDENCIA, DERIVADOS DE PETROLEO.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na maioria das crises, há uma prevalência de mão dupla: além dos perigos, sempre aparecem também oportunidades.

            Esse é um verdadeiro mantra que se aprende nos cursos de Administração e que é preciso lembrar na mais nova crise por que passa todo o comércio internacional.

            Mal estabilizara a bolha imobiliária norte-americana, que tanta inquietação trouxera à economia internacional, a nova crise espalha temor. Afinal, ela aponta a escassez de alimentos. E nada pode trazer um risco maior do que a fome. Daí por que este debate está na televisão, nos jornais, na Internet, nas universidades, em todo lugar.

            Nas discussões travadas sobre o assunto, o que não tem faltado é acusação aos biocombustíveis como os vilões da história. Para muitos, a área agricultável estaria deixando de priorizar os alimentos, forçando a escalada de preços.

            Como se sabe, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido o maior baluarte dos biocombustíveis no plano internacional. Nesse sentido, ele tem promovido um respeitável enfrentamento contra poderosos lobbies de agricultores de países ricos, de produtores que não poupam críticas ao modelo brasileiro, mas que são beneficiários contumazes de generosos subsídios com os quais conseguem competir com a agricultura brasileira.

            Da mesma forma, Sr. Presidente, o Chefe de Estado brasileiro tem agido com indiferença às pressões das nações produtoras e exportadoras de petróleo, que tanto se incomodam com os avanços dos biocombustíveis do Brasil.

            Recentemente, o Presidente Lula pontificou que é preciso levar em conta a cotação do petróleo, em constante alta, nos custos dos produtos agrícolas.

            Tem razão o Presidente.

            Além dos combustíveis que movem máquinas, os defensivos agrícolas são componentes que pressionam os custos de produção. Ambos são derivados do petróleo.

            Para agravar o problema, há uma cartelização do setor.

            Aliás, não só os defensivos estão subordinados a esse mercado cartelizado. Os fertilizantes estão na mesma situação. E os cartéis só controlam tais setores porque o Governo tem sido leniente.

            Desde os anos noventa, o País submete-se a um inexplicável sistema de registro que não permite às pequenas e médias empresas a renovação de sua linha de produtos. Em conseqüência disso, dos 249 ingredientes ativos em comercialização no País em 1998, apenas 54 produtos estavam registrados por empresas independentes. Os demais ficavam sujeitos aos interesses de empresas multinacionais. Sem concorrência, Sr. Presidente, os preços tomam seu rumo, em prejuízo dos consumidores.

            É hora de se valer do exemplo do setor farmacêutico.

            Com dificuldades parecidas, o Governo instituiu o medicamento genérico. Será que não está na hora dos insumos genéricos também para a produção agropecuária? Como disse anteriormente, é preciso valer-se da crise e aproveitar a oportunidade. A oportunidade, neste caso, é enfrentar os cartéis, estimulando a livre concorrência e fomentando a produção independente.

            Na opinião do mandatário brasileiro, “o que acontece no mundo é que tem mais pobres comendo. Tem mais chineses, indianos, africanos, brasileiros, comendo. E a produção de alimentos não cresceu proporcionalmente à demanda”.

            Pelo sim, pelo não, a Organização das Nações Unidas conclama todos os países a manter a regularidade do comércio de alimentos. Mais que isto: classifica a alta nos preços das commodities como uma “crise global e real”.

            O maior receio é de que, nos países mais vulneráveis, os transtornos dos alimentos desencadeiem crises seriais. Isso pode acontecer se setores como saúde e educação, por exemplo, forem compelidos a redirecionar recursos para suprir carências alimentares das populações pobres.

            Na revista Veja desta semana, o jornalista J. R. Guzzo desvenda o que está por trás da ‘crise’ e, em alguma medida, dá sustentação à intuição do Presidente brasileiro. Com relação ao mercado de produtos primários, ele aponta uma mudança estrutural que faz os preços subirem em decorrência da alteração da natureza da demanda. De acordo com o jornalista, a demanda passou a subordinar-se à lógica de um aumento devido ao surgimento de um mercado comprador que o mundo jamais tinha visto antes.

            Nesse quadro, muda, além dos preços, o controle sobre a própria formação desses preços, e o Brasil deixa de ser um aceitador de preços para firmar-se como um fazedor de preços. Nesse cenário, o Brasil emerge como um fornecedor potencialmente competitivo. Afinal, somos um dos três principais produtores mundiais de alimentos, o que não é pouco para um país que ainda recentemente se debatia com o abastecimento interno.

            É certo, contudo, que o Brasil tem que enfrentar sérias e decisivas questões internas ainda não devidamente equacionadas e resolvidas. Preliminarmente, é preciso entender que a potencialidade do nosso País e a estatura que conquistou no mercado de alimentos exigem grandes investimentos em pesquisa.

            É preciso liberar todas as energias de uma instituição, por exemplo, como a Embrapa, que V. Exª conhece e todos nós respeitamos, para que ela possa avançar nas pesquisas e experiências que vem dominando, com muita maestria, por sinal.

            Se o Governo priorizar seus investimentos no conhecimento, e acreditar na inteligência de técnicos e cientistas da Embrapa e de outras instituições congêneres, a produtividade e a competitividade do Brasil serão imbatíveis no mercado internacional.

            É incompreensível que o Brasil seja o maior comprador mundial de trigo. Não produzimos sequer metade de nossas necessidades e vimos pagando um preço crescente pelo produto.

            Mesmo assim, o País ainda não conseguiu se decidir por alternativas à dependência, que seriam capazes de dar estabilidade aos preços internos dos alimentos derivados.

            Além da melhoria genética que só a pesquisa pode descobrir, e de subsídios que faltam para compensar os elevados custos do produto, é preciso encarar soluções nacionais a fim de baratear o pão nosso de cada dia.

            A utilização intensiva do amido de mandioca, por exemplo, pode ajudar o País a reduzir de forma considerável a dependência do trigo importado.

            Está tramitando nesta Casa o Projeto de Lei da Câmara nº 22, de 2007, de autoria de eminente Deputado Aldo Rebelo. A proposta prevê a adição de farinha de mandioca refinada, de farinha de raspa de mandioca ou de fécula de mandioca à farinha de trigo e seus derivados, na massa do pão. Prevê, igualmente, um regime tributário especial para a farinha de trigo misturada. Medidas simples, mas eficazes, como estas, não podem ser desprezadas.

            Enfim, é preciso também reconhecer que age corretamente o Governo Federal ao não se deixar impressionar pelo caráter supostamente alarmista da anunciada ‘crise’. Entretanto, ele não pode simplesmente apostar no artificialismo ou no caráter transitório dessa situação. Afinal, os preços dos alimentos - na gôndola do supermercado e no armazém da esquina - vêm-se alterando em prejuízo da sociedade.

            E o Governo não pode, também, deixar escapar pelos vãos dos dedos a grande oportunidade de negócios que a crise oferece a um país como o Brasil, marcado por uma exuberante potencialidade de produção.

            Era esse o nosso pronunciamento, Sr. Presidente. Espero que não tenha rompido tanto o prazo que V. Exª teve a tolerância de nos oferecer em garantia.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2008 - Página 11238