Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos sistemas eleitorais e de governo adotados ao redor do mundo. Defesa das reformas política e eleitoral.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Análise dos sistemas eleitorais e de governo adotados ao redor do mundo. Defesa das reformas política e eleitoral.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2008 - Página 12106
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, AMBITO, TEORIA, DEMOCRACIA, COMPARAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, SISTEMA DE GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, VARIAÇÃO, SISTEMA MAJORITARIO, SISTEMA PROPORCIONAL, PARLAMENTARISMO, PRESIDENCIALISMO, COMENTARIO, SITUAÇÃO, BRASIL, HISTORIA, PROCESSO, EVOLUÇÃO.
  • AVALIAÇÃO, OBJETO, REFORMA POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, FIDELIDADE PARTIDARIA, RESTABELECIMENTO, CLAUSULA, RESTRIÇÃO, PARTIDO POLITICO, ALTERAÇÃO, SISTEMA ELEITORAL, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, PRAZO, ANTERIORIDADE, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, COMBATE, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, REFORÇO, ESTADOS, FEDERAÇÃO, VALORIZAÇÃO, REPUBLICA.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Augusto Botelho, Srªs e Srs. Senadores, sistemas eleitorais e sistemas de governo não oferecem muitas opções ao princípio do que se convencionou chamar de “engenharia política”. Os primeiros são proporcionais ou majoritários, ou são mistos, resultado da combinação das duas alternativas. É o caso do modelo alemão, em que o eleitor tem direito a dois votos: no primeiro, elege o candidato que disputa a vaga no distrito, pela modalidade de maioria simples, e no segundo, escolhe a lista partidária de sua preferência, votando no partido e não no candidato. Tenha-se em conta, contudo, que a regra de conversão é proporcional, isto é, o número de cadeiras de cada legenda no Bundestag, a chamada “Câmara Baixa” - ou seja, lá o sistema é também bicameral, como aqui, que temos a Câmara dos Deputados e o Senado Federal -, é rigorosamente simétrico com a proporção de votos dados nas listas partidárias.

            Os sistemas de governo admitem as mesmas três alternativas. São presidencialistas, parlamentaristas ou mistos, designados indistintamente de semi-presidencialistas ou semi-parlamentaristas. O presidencialismo em que se instituiu o cargo de Primeiro-Ministro, de livre escolha do Presidente da República, sem a ratificação da maioria parlamentar, como simples coordenador da ação administrativa do Executivo, pode ser chamado por essa prática de semi-parlamentarista. Da mesma forma como o parlamentarismo de países como a França, Portugal, Áustria, Finlândia e Irlanda, em que o Presidente da República não é escolhido indiretamente pelo Parlamento, mas pelo voto direto dos eleitores, pode, pela mesma razão, ser chamado de semi-presidencialista.

            Sistemas eleitoral e partidário com as configurações acima descritas são plenamente compatíveis com o modelo presidencialista que adotamos há 119 anos - é lógico que com interrupções, porque houve um pequeno interregno parlamentarista no período republicano -, da mesma forma como não são incompatíveis com nenhuma destas dos diferentes parlamentarismos hoje vigentes em diversos países. Em ambos os casos, eles permitem o controle da proliferação partidária e têm o objetivo primacial de admitir a formação de maiorias estáveis, garantindo a governabilidade, que outra finalidade não tem senão a de assegurar a capacidade de respostas às demandas da sociedade.

            A teoria da representação, aprimorada por Edmond Burke, em seu discurso aos eleitores de Bristol, na Inglaterra, em novembro de 1774, defendeu autonomia do mandato parlamentar e buscou atender simultaneamente a dois objetivos essenciais de todo o sistema de governo: assegurar a governabilidade e garantir a diversidade, que é também a chave do próprio processo democrático, ou seja, garantir a capacidade de o governo operar a serviço da nação e, ao mesmo tempo, assegurar a diversidade, fazer com que as diferentes tendências estejam devidamente representadas. Como são propósitos que dependem de uma só função, a da representação, torna-se impossível maximizá-las. Se aumentarmos as medidas que ampliam a diversidade, diminuiremos proporcionalmente a governabilidade. Na proporção em que aumentamos a governabilidade, constrangemos a diversidade. O seu equilíbrio, por conseguinte, é fundamental para a estabilidade e a funcionalidade de todo o sistema de governo.

            No sistema presidencialista, a existência de maiorias estáveis no Congresso é sempre útil e desejável. Em qualquer das modalidades do Parlamentarismo, à exceção do sistema inglês, mais do que desejável, ela é essencial porque, sem maioria parlamentar, não há governo. É lógico que fiz exceção ao sistema inglês, porque não exige, necessariamente, em nossos dias, que o primeiro-ministro tenha maioria no Parlamento. Ele precisa apenas que o seu partido tenha o maior número de cadeiras no Parlamento. De alguma forma, isso está acontecendo agora também na Espanha. No processo de reeleição de Zapatero, ele não fez a maioria absoluta sozinho, e, hoje, governa, após ter sido eleito no segundo turno, por ser o seu partido, o PSOE, o que mais Deputados elegeu.

            Disso resulta a vantagem que o presidencialismo pode ter sobre o parlamentarismo. O sistema de freios e contrapesos do presidencialismo norte-americano, que é o modelo de presidencialismo que conhecemos, é freqüentemente testado pela circunstância de que os mandatos presidenciais têm a duração de quatro anos e os de deputados de apenas dois, renovando-se, portanto, no início e no meio dos períodos presidenciais. Não são poucos os presidentes que, como Bill Clinton, governaram sem ter maioria na Câmara ou no Senado. Esta é, por sinal, também, a situação do atual Presidente George Bush, que, nos seus últimos anos, perdeu maioria no Congresso americano.

            A soma de poderes presidenciais nos Estados Unidos da América do Norte, inclusive o de ter seus vetos mantidos, a não ser quando rejeitados por dois terços, permite a existência de governo sem maioria no Congresso. Nessas condições, a variável eleitoral é condicionante do sistema partidário e ambos o são do sistema de governo.

            Venho agora ao Brasil para lembrar que, em 1821, data da primeira eleição levada a efeito em todas as Províncias para a escolha dos seus representantes às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, até o Código Eleitoral de 1932, o Brasil adotou o sistema majoritário, nas suas várias modalidades, com a Lei do Terço e a Lei dos Círculos, vigentes no Império. O sistema proporcional, por sua vez, vem sendo aplicado há pelo menos setenta e cinco anos, e nomeadamente a partir do Código Eleitoral de 1932.

            Aliás, é bom lembrar que, em 1932, não somente tivemos o Código Eleitoral, primeiro código eleitoral da República, como também tivemos a criação da Justiça Eleitoral. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma justiça só para as questões eleitorais.

            Quando falei que o sistema está em vigor há setenta e cinco anos, teria de excluir oito anos do período do Estado Novo, porque, no período de 1937 a 1945, não houve eleições e também não havia Congresso, posto que Getúlio Vargas o dissolveu e ignorou também as instituições federativas.

            Mas, Sr. Presidente, qualquer de suas modalidades, porém, não deve ocasionar grandes mudanças no perfil da representação política do País, no que tange às Câmaras Municipais, Assembléias legislativas, Câmara Legislativa do Distrito Federal e Câmara dos Deputados. O mesmo não se pode esperar de eventual mudança que implique adoção do sistema majoritário, na modalidade distrital, hipótese que, para muitos, inclusive eu, pode acarretar a municipalização das questões nacionais, uma vez que, sob essa ótica, provavelmente seriam tomadas decisões por representantes de forte vinculação aos interesses locais.

            Daí por que eu volto à questão da reforma política. Se considerarmos as hipóteses de trabalho sobre as quais o Congresso tomará as suas decisões na atual legislatura, como seria desejável, é possível concluir que ela se circunscreverá a poucos temas que mais despertam o interesse da opinião pública. A primeira é, seguramente, a transcendente questão da fidelidade partidária, sobre a qual já se pronunciou o Tribunal Superior Eleitoral, apoiando a tese, a meu ver, correta, de que os mandatos dos eleitos pelo sistema proporcional em vigor no País pertencem aos partidos e não aos candidatos. Aliás, isso já estava expresso no Código Eleitoral de 1932. Como se trata de matéria ainda pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal e também do conjunto de propostas já aprovadas no Senado e há tempo submetidas à decisão da Câmara, é possível estimar que a solução ou virá pelo poder judicial ou será pela via congressual. Ou seja, ou o Judiciário define a questão ou será por meio de votação aqui, no Congresso Nacional.

            O segundo problema que, a meu ver, também vai marcar muito a atual legislatura é o problema da cláusula de desempenho. Ela foi considerada inconstitucional pelo STF, mas uma emenda constitucional, da qual sou primeiro subscritor, já aprovada no Senado, permite o seu restabelecimento.

            O terceiro vincula-se a mudanças no sistema eleitoral - estou concluindo, Sr. Presidente -, a respeito do qual é possível estabelecer-se consenso, menos pela necessidade de adaptá-lo às contingências institucionais do País do que, igualmente, por se tratar de requisito para viabilizar o financiamento público das campanhas, considerado uma espécie de panacéia para pôr fim à influência do poder econômico.

            O quarto, como assinalamos acima, é exatamente o financiamento público das campanhas, conseqüência e não causa das mudanças que terão de ser feitas no sistema eleitoral para que ele possa ser viabilizado. Isto é, o financiamento público das campanhas.

            Mas não podemos, também, Sr. Presidente, deixar de registrar que mudanças nas regras que disciplinam o direito de voto só podem operar-se até o mês de setembro, no 1º e 3º ano de cada legislatura, em face do que dispõe o art. 16 da Constituição, que leio: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra um ano antes da data de sua vigência”. O objetivo disso é evitar o casuísmo, ou seja, leis aprovadas às vésperas das eleições para satisfazerem interesses partidários ou, também, interesses pessoais.

            Resta considerar por fim, Sr. Presidente, que as alterações projetadas podem contribuir para aprimorar esse ou aquele aspecto das chamadas reformas institucionais, mas, seguramente, estarão ainda longe de solucionar o contencioso que constitui uma ampla, necessária e recomendável reforma nos termos que a Nação reclama.

            As reformas institucionais, pelas quais me empenho ao longo desses últimos anos, devem, por conseguinte, ultrapassar o universo das alterações das leis eleitorais e partidárias, aprimorar o sistema de governo, removendo inclusive as áreas de atrito entre os poderes, promover o fortalecimento da federação - observamos cada vez mais um fortalecimento da União em detrimento dos Estados, conseqüentemente, um enfraquecimento da Federação. E falar em fortalecer a federação é algo indispensável à efetiva descentralização do exercício do governo num país de grande extensão territorial e de enorme expressão demográfica. Não deixo de me referir também à necessidade de revigorar os valores republicanos tão derruídos, o que levou, certa feita, um grande Senador do Império, Joaquim Murtinho, a dizer que era necessária “a republicanização da República”.

            Sr. Presidente, este parece constituir, a meu juízo, o nosso maior desafio: o de vertebrar instituições verdadeiras e duradouras.

            Disse certa feita Norberto Bobbio: “A nossa cura somente virá com boas instituições”.

            As reformas - concluo, Sr. Presidente -, frise-se, são impostergáveis para que nós possamos passar de uma democracia procedimental para uma democracia decisional, capaz de assegurar regras claras ao jogo político compatível com a estabilidade institucional e a segurança jurídica que a Nação reclama.

            Era o que eu tinha a dizer.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2008 - Página 12106