Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o vazamento de informações sobre os gastos do Governo FHC. Comentários sobre os conflitos entre arrozeiros e índios na reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.

Autor
João Pedro (PT - Partido dos Trabalhadores/AM)
Nome completo: João Pedro Gonçalves da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CARTÃO DE CREDITO. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre o vazamento de informações sobre os gastos do Governo FHC. Comentários sobre os conflitos entre arrozeiros e índios na reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2008 - Página 13521
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CARTÃO DE CREDITO. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANDAMENTO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CARTÃO DE CREDITO, GOVERNO FEDERAL, DEFESA, EMPENHO, POLICIA FEDERAL, CONFIRMAÇÃO, NOTICIARIO, DIVULGAÇÃO, POSSIBILIDADE, PARTICIPAÇÃO, SERVIDOR, CASA CIVIL, DENUNCIA, DOCUMENTO SIGILOSO, GASTOS PESSOAIS, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTENÇÃO, INJUSTIÇA.
  • REGISTRO, RELEVANCIA, PRONUNCIAMENTO, DILMA ROUSSEFF, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, VISITA, SENADO, ESCLARECIMENTOS, DESPESA, CARTÃO DE CREDITO, GOVERNO FEDERAL.
  • CONDENAÇÃO, POSIÇÃO, EMPRESARIO, REGIÃO NORTE, DESRESPEITO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ATENTADO, VIDA, HABITANTE, REGIÃO AMAZONICA, INCITAMENTO, VIOLENCIA, CONFLITO, REGIÃO.
  • CONGRATULAÇÕES, GOVERNO FEDERAL, CONCLUSÃO, PROCESSO, DESOCUPAÇÃO, PRODUTOR, CEREAIS, TERRAS INDIGENAS, GARANTIA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), CONFIRMAÇÃO, AUSENCIA, PREJUIZO, ECONOMIA.
  • DEFESA, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, INDIO, BRASIL.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente Mão Santa.

            Srªs e Srs. Senadores, na realidade, não só o nosso Deputado, o PT tem muitos militantes valorosos, virtuosos, que orgulham a militância política no Brasil. Tenho muito orgulho do meu Partido. É verdade que temos erros nessa caminhada, mas tenho muito orgulho do Partido dos Trabalhadores.

            Sr. Presidente, o noticiário de ontem à noite divulgou essa conexão das informações já com nomes: um servidor da Casa Civil e, possivelmente, um servidor do Senado. É preciso que se esclareça essa situação do Sr. André, que não sei se tem uma ligação formal. Inclusive, a CPI, Senador Paulo Paim, deve convocar os dois servidores para que os membros da Comissão discutam isso. Esse Sr. André parece-me que é do Tribunal de Contas da União e que tem uma relação com o gabinete do Senador Alvaro Dias. É preciso saber se ele é servidor ou está prestando serviço para o gabinete, se está nos quadros do Senado da República. É preciso esclarecer isso! A CPI precisa fazer esse debate, precisa fazer esse esclarecimento.

            Quanto ao próprio Senador Alvaro Dias, o nosso colega, não quero fazer nenhuma acusação precipitada, como já foi feito contra a Ministra Dilma.

            Ainda bem que o Senado travou um debate de quase dez horas com a Ministra Dilma. O Brasil assistiu esse debate, acompanhou-o, e não tenho dúvida da postura de S. Exª como Ministra de Estado.

            Agora, a Polícia Federal - é preciso confirmar todo esse noticiário - divulga informações sobre os dois funcionários, do computador de um para o computador de outro. Essa conexão veio para cá, para o Senado da República. Nós precisamos esclarecer, e esclarecer agora, sem a Ministra Dilma, porque S. Exª já prestou os seus esclarecimentos aqui no Senado, em debate olho no olho, frente a frente com todos os Senadores. Temos, então, um dado novo, e a CPI precisa ouvir os dois servidores: este, que não sei se é servidor do Senado - inclusive, o Senador Alvaro Dias precisa esclarecer a relação desse servidor com o seu gabinete, pois ele o freqüenta -, e o servidor da Casa Civil.

            Então, penso que os esclarecimentos vão clareando toda essa polêmica de dossiê.

            Concedo um aparte a V. Exª, Senador Paulo Paim, que o solicitou primeiro.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador João Pedro, faço um aparte a V. Exª, porque, da mesma forma transparente como V. Exª traz esse assunto ao Plenário, eu agora dava uma entrevista sobre o mesmo tema. Terminei-a e percebi que V. Exª estava na tribuna. Toda a Casa sabe da minha ligação respeitosa e carinhosa com a Ministra Dilma. Eu a conheço há mais de 35 anos. Ela participou da minha primeira disputa eleitoral sindical, e sei do seu compromisso com a verdade, com os fatos, na construção de um país melhor para todos. Um dia antes de ela ser ouvida na CPI, fui entrevistado por essa mesma emissora que mencionei agora. Eu disse o seguinte...

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Quero dizer que ouvi a entrevista de V. Exª pelo rádio.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Eu disse: “Conheço a Ministra; tenho certeza de que ela sairá, depois desse debate na Comissão, muito mais respeitada, muito mais conhecida, porque é uma grande gestora, competente, preparada, qualificada. A Ministra é que nem pão: quanto mais amassa, mais cresce.” Então, para mim, o resultado não foi nenhuma surpresa. Mas, hoje pela manhã, me perguntaram sobre essas informações que vieram de um funcionário do Tribunal de Contas, lotado na Casa Civil, para um outro colega seu, de nome André, do Senado. Conforme o próprio Senador, chegaram às suas mãos aqueles documentos. Perguntaram-me: “Não complica mais a situação da Ministra?” Eu acho exatamente o contrário! O que nós queremos saber, uma vez que havia documentos sigilosos no Palácio, é como um funcionário - aí, sim, de forma, para mim, irresponsável - desloca esses documentos para o Senado. Que interesse teria a Ministra nesses fatos? A Ministra não teria interesse nenhum. O que a Ministra disse ao longo do debate para o qual foi convidada na Comissão de Infra-estrutura? Ela disse: “O que há é um banco de dados, inclusive correspondendo à expectativa criada pela CPI, que nós vamos remeter no momento em que for convocado, até quem sabe numa sessão secreta.” Bom, se alguém, fazendo um jogo que não interessava, com certeza absoluta, ao Palácio, ao Governo, resolve publicar os documentos, são eles que têm de explicar da onde vieram e por que publicaram. Os fatos que estão aí, para mim, não são novos. O único fato novo é que agora se sabe o nome de quem imprimiu e para onde mandou. São esses dois nomes que V. Exª levanta muito bem: um é André e sei que o outro é um funcionário do Tribunal de Contas lotado na Casa Civil. Eles vão ter de responder por que fizeram com que esses documentos viessem a ser publicados pela imprensa. Quero cumprimentar V. Exª. Tenho convicção de que, a partir desse fato, fica mais uma vez claro que a Ministra não teve nenhuma atitude de divulgar dados dos ex-Presidentes da República, como os do agora citado ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Agradeço a V. Exª a oportunidade de fazer um aparte, Senador João Pedro. V. Exª tem tido posições firmes. Podemos até discordar de algumas delas, mas V. Exª tem mostrado uma honestidade de propósitos que todos nós devemos respeitar. A minha pergunta é se V. Exª acha que esse vazamento do ex-assessor do Ministro José Dirceu tem participação do Ministro José Dirceu.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - De forma alguma. A tinta tem de ser...

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Pois é. Eu quero ir exatamente nessa linha. Ledo engano de quem quiser jogar lixo atômico em quem já deixou função de Governo. Sabemos todos nós que, para a maioria das pessoas, Senador Paim, a gratidão é a esperança do favor futuro. No primeiro dia, Senador João Pedro, em que esse caso estourou, eu disse aqui que era fogo amigo. Já está provado que é. Agora, é preciso saber onde está o lança-chamas, que é alimentado e motivado exatamente por colegas de V. Exª que não concordam com a candidatura eventual da Ministra, agora já lançada oficialmente pelo Líder de V. Exª, o Senador Romero Jucá, que passou a ser o pai da candidatura, oficialmente, a partir de agora. Mas eu quero chamar a atenção para um fato. Veja bem - o Senador Mão Santa diz sempre “Atentai bem” -: a Folha de S. Paulo de domingo, 6 de abril, traz uma matéria, assinada pelo Leonardo Souza, que diz: “Dossiê começou a ser montado logo depois do carnaval.” Vou chegar ao ponto, Senador Paim: “Da reunião participaram a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Alves Guerra, o Secretário de Administração, Norberto Temóteo Queiroz, o secretário de Controle Interno, José Aparecido Nunes Pires, a chefe-de-gabinete de Erenice, Maria de La Soledad Castrillo, que também responde pela Dilog (Diretoria de Logística), e o responsável pela Dirof (Diretoria de Orçamento e Finanças), Gilton Saback Maltez. Na segunda-feira seguinte, 11 de fevereiro, segundo arquivo digital gerado dentro da Casa Civil, ao qual a Folha teve acesso, os trabalhos de desarquivar os documentos do arquivo morto e lançá-los nas planilhas paralelas começaram a ser feitos nas dependências da Dilog.” Senador João Pedro, cautela e caldo de galinha são recomendados numa questão como essa. Esse fato é mais grave do que V. Exª possa imaginar. Aliás, as grandes crises no País, historicamente, são geradas por traidores. Conterrâneo de Paulo Paim, Getúlio Vargas suicidou-se por traição. Jango caiu por traição. Jânio renunciou por traição. Traição é um fato histórico inerente ao poder. Só que os motivos geralmente são ideológicos. Os traidores, os vazadores querem chegar ao poder. Neste caso, atente bem para o que estou dizendo: além das questões ideológicas, há por trás disso questões financeiras, questões econômicas, ONGs, fundos de pensão. V. Exª preste bem atenção no que estou lhe dizendo: cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. É um conselho de amigo. Os fatos estão começando a clarear, vão-se avolumando, fique bem V. Exª consciente disso, à medida que este processo de definição eleitoral se aproxima. De forma que esse é apenas o começo, meu caro Senador. Como, além da importância de Senador, V. Exª tem a importância de ser aqui dentro a pessoa mais ligada ao Presidente Lula, eu lhe sugiro: o homem é dono da palavra guardada e é escravo da palavra anunciada (Eclesiastes, 10). Muito obrigado.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Obrigado, Senador Heráclito Fortes. Eu gostaria de consultar a Mesa dos trabalhos acerca do meu tempo. Eu sei que há vários Senadores para falar.

            Quero dizer aos dois Senadores que me apartearam, Heráclito Fortes e Paulo Paim, primeiro...

            O SR. PRESIDENTE (Geovani Borges. PMDB - AP) - Senador João Pedro, V. Exª tem vinte minutos e já usufruiu treze minutos; restam sete minutos. Mas sigo o exemplo do Senador Mão Santa, deixo V. Exª à vontade para a conclusão do seu pronunciamento.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Está bem. É que eu tenho um pronunciamento escrito acerca dessa discussão sobre Roraima e quero deixar nos Anais do Senado a minha opinião sobre esse debate.

            Senadores que me apartearam, eu não tenho dúvida, está muito claro esse processo todo, até porque a Ministra Dilma, como Chefe da Casa Civil, respondeu a um documento do Senado, provocado pelo eminente Senador Arthur Virgílio, solicitando informações sobre gastos nos cartões corporativos. E ela fala - e isso ficou claro no debate com a Ministra Dilma - que desde 2005 a Casa Civil vem se organizando para responder às auditorias nas contas da Presidência da República. Ela respondeu ao Senado da República.

            Ou seja, banco de dados existe, a questão é quem roubou. E agora a investigação está mostrando que houve, sim, já há o nome do servidor, o computador do servidor. Perdão, não sei se é um servidor do Senado, mas ele freqüenta o gabinete, o Sr. André, do Tribunal de Contas da União.

            Então, nós estamos nos aproximando. A vinda da Ministra Dilma e a investigação vão mostrar fatos palpáveis, cristalinos acerca dessa discussão.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil volta-se hoje para Raposa Serra do Sol, em Roraima, por conta dos incidentes que envolvem a desocupação de terras indígenas por parte dos plantadores de arroz, e a devolução delas aos seus legítimos e históricos donos. É condenável que empresários inescrupulosos afrontem a determinação do Governo brasileiro com atentados contra a vida de brasileiros que há séculos habitam a Amazônia. Mais preocupante ainda é a constatação de que detentores de cargos públicos que deveriam zelar pelo cumprimento da lei estejam incitando a participação em ações violentas contra os índios e delas participando. Isso é condenável, Sr. Presidente.

            Todos nós sabemos que se trata de uma questão delicada. De um lado, estão os indígenas, os primeiros habitantes do Brasil, os primeiros habitantes da Amazônia, que, como é do conhecimento de todos nós, são vítimas de extermínio e do escravismo desde os primeiros momentos da colonização européia. Ou não é verdade? Ou não é verdade, Srs. Senadores?

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador João Pedro...

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Senador Mozarildo, eu peço licença, mas eu tenho que ler o meu pronunciamento. Estou na primeira lauda, e o Presidente já me chamando a atenção.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Se V. Exª democraticamente quiser que eu o aparteie...

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - A história registra que, ao menos, 1,5 milhão de índios foram massacrados a cada século do pós-Descobrimento.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Democraticamente, se V. Exª quiser me dar o aparte, estou pedindo.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - A população indígena do Brasil está reduzida, hoje, a aproximadamente quinhentos mil índios...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - A 740 mil, conforme o IBGE.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Aumentou o número.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - São dados oficiais.

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Do outro lado, estão brasileiros que se dedicam ao agronegócio e que, por meio da violência explícita ou velada, ampliam suas plantações e criações de gado sobre terras de domínio das populações tradicionais.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E os outros 458 familiares que moram lá?

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Sr. Presidente, por favor. Senador Mozarildo, por favor. V. Exª é um médico...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - V. Exª não vai me dar o aparte?

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Não, não vou dar. A sua indisciplina me....

            Que fique bem claro que esse não é um problema apenas de Raposa Serra do Sol, uma vez que conflitos desse gênero ocorrem em toda a Amazônia. Certamente que esse tipo de apropriação ocorreu em razão da ausência ou conivência de setores do Estado, ao longo dos séculos, ou facilitada por ambas as situações.

            O que o Estado faz hoje em Raposa Serra do Sol e em outras terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação ou ainda na legitimação jurídica dos quilombolas ou das reservas extrativistas é simplesmente garantir o direito de existência de povos que sobreviveram às práticas e ideologias motivadas apenas pela exploração dos recursos humanos e naturais em benefício do lucro fácil e farto.

            Penso que é hora de o País pagar essa horrorosa dívida que acumula com os negros e com os índios do nosso País.

            Nunca mais haverá momento para ampliá-lo.

            Não é o Brasil que quer passar uma borracha sobre esse débito histórico. É a própria humanidade que não suporta mais erros e equívocos que comprometam a convivência plural, diversa, tolerante, sem preconceito e democrática entre as pessoas e povos.

            Parabenizo, por isso, o Governo do Presidente Lula, pela determinação de concluir o processo de desocupação da Raposa Serra do Sol, por plantadores de cereais, que há alguns anos se arrastava. Esse processo vem, mais ou menos, por 20 anos, Sr. Presidente. Parabenizo os índios que, nesses longos anos, se utilizaram dos meios legais, como a mobilização da sociedade em beneficio dessa causa, para reconquistar suas terras e, assim, terem asseguradas as referências culturais e materiais que lhes permita existir como pessoas, como etnias e como brasileiros. Os índios de Roraima são índios brasileiros, Sr. Presidente.

(Interrupção do som.)

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Lamento e condeno a incompreensão daqueles que teimam em não devolver bens que foram obtidos por meios que, após longo processo judicial, foram considerados ilegais.

            O uso de arma de fogo por esse tipo de gente contra os índios só reforça a minha convicção de que o Governo e a Justiça precisam agir rapidamente para impedir que a violência se sobreponha ao bom senso - falta bom senso, inclusive, para algumas pessoas compreenderem esse processo, Sr. Presidente - , e para que a Amazônia seja salva dos que querem vê-la como terra arrasada, sem lei e sem ordem, para que possam usufruir das suas riquezas sem distribuí-las com as suas populações.

            Srªs e Srs. Senadores, V. Exªs sabem perfeitamente que o capital tem a capacidade de se adaptar às multirrealidades.

            Não será a devolução da Raposa Serra do Sol aos seus legítimos donos que acabará com a produção de grãos ou com a economia de Roraima. Não será com a definição, Sr. Presidente, que vai acabar com a economia.

            Se for equilibrada, sim. Mas V. Exª não tem nenhum equilíbrio para fazer esse debate.

            Não tem. Então, é melhor V. Exª ouvir. Por favor.

            Sr. Presidente, garanta-me a palavra.

            V. Exªs sabem perfeitamente que o capital tem a capacidade de se adaptar às multirrealidades. O Brasil ainda tem mais de 900 milhões de hectares de terras disponíveis para a agricultura. Roraima, certamente.

(Interrupção do som.)

            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco/PT - AM) - Eu gostaria que V. Exª me desse mais alguns minutos para eu concluir isso aqui. Sei que incomoda alguns ouvidos, mas preciso registrar isso. É o jogo democrático.

            Roraima certamente tem outras terras para grandes plantações de soja, milho e arroz. Eu estou dizendo: Roraima tem terras, Sr. Presidente, para plantar arroz, milho e soja e respeitar os povos indígenas. Precisamos ter a grandeza de reconhecer que é possível, sim, naquele território, compatibilizarmos os direitos indígenas, as terras indígenas, a cultura indígena, o direito das etnias indígenas e o arroz, a soja e a pecuária. É possível, Senador Gim, fazer tudo isso. O que não dá é escondermos que grupos encapuzados atacaram os índios nesses últimos dias com armas de fogo.

            Sr. Presidente, ontem mesmo, no lançamento do Programa Amazônia Sustentável, o Presidente Lula recomendava àqueles que imaginam os índios atrelados a interesses forasteiros que visitassem os quartéis de São Gabriel da Cachoeira, para constatar o ânimo, a experiência e o empenho dos guerreiros indígenas na defesa das fronteiras do nosso Brasil. São Gabriel da Cachoeira é um Município amazonense, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, com 90% da sua população composta por índios. Os jovens indígenas se destacam entre os melhores guerreiros da selva. Em muitos lugares da Amazônia, são os índios que se impõem como sinal da presença brasileira, mesmo, em muitos casos, sob a ausência dos serviços e equipamentos sociais do Estado brasileiro.

            O Presidente Lula decidiu sobre uma questão que demorou, em decorrência da complexidade e até mesmo de vontade política, mais de 20 anos para ser resolvida, Sr. Presidente. Os índios resistem na luta, porém dentro dos limites impostos pelas leis do País. Evidentemente que se tratou sempre de uma demanda tensa, conflituosa e com momentos radicalizados. Não tenho conhecimento de que nesse litígio os índios tenham recorrido, de modo sistemático, a armas de fogo e táticas de guerrilha para recuperar suas terras. Recorrem, sim, à Justiça, ao Governo e à sociedade, para que compreendessem que eles precisavam de suas terras para continuar existindo como brasileiros, pertencentes a uma etnia que habita a Reserva Raposa Serra do Sol há vários séculos.

            Sr. Presidente, quero deixar o restante destas páginas do meu pronunciamento para que sejam publicadas. Solicito a V. Exª que o meu discurso seja inserido nos Anais da Casa.

            Espero que o Supremo Tribunal Federal, já que há uma ação no Tribunal, se manifeste do ponto de vista da sociedade brasileira, do ponto de vista de um Estado democrático, do ponto de vista do respeito aos povos indígenas do nosso País. Seis milhões de índios existiam no Brasil quando os europeus chegaram aqui, no início do século XVI.

            Seis milhões!

            E é preciso que hoje o Estado brasileiro tenha uma relação democrática, respeitosa, um olhar antropológico, um olhar de quem pode, sim, conviver com diferenças culturais dentro do País.

            Um olhar de quem pode, sim, conviver com diferenças culturais dentro do País. Este é o desafio: convivermos com os índios, com os europeus, com os negros.

            Espero que o Supremo decida com esse olhar; um olhar no presente, mas um olhar no futuro. Não estou aqui, não venho aqui para defender o arroz. Estou aqui fazendo este pronunciamento para defender a dignidade e a história dos povos indígenas do Brasil.

            É isso, Sr. Presidente, o que tinha a dizer acerca desse debate que penso o Senado deve travar. O Senado representa os Estados, representa a sociedade. Espero que possamos compreender a magnitude e a importância do respeito aos povos indígenas.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOÃO PEDRO.

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            O SR. JOÃO PEDRO (Bloco PT - AM Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil volta-se hoje para Raposa Serra do Sol, em Roraima, por conta dos incidentes que envolvem a desocupação de terras indígenas, por parte dos plantadores de arroz, aos seus legítimos e históricos donos. É condenável que empresários inescrupulosos afrontem a determinação do Governo brasileiro com atentados contra a vida de brasileiros que há séculos habitam a amazônia. mais preocupante ainda é a constatação de que detentores de cargos públicos, que deveriam zelar pelo cumprimento da lei, estejam incitando e participando de ações violentas contra dos índios. isso é condenável!

            Todos nós sabemos que se trata de uma questão delicada. De um lado, estão os indígenas, os primeiros habitantes do Brasil, que, como é do conhecimento de todos nós, são vítimas de extermínio e do escravismo desde os primeiros momentos da colonização européia. A história registra que ao menos um milhão e meio de índios foram massacrados a cada século do pós-descobrimento. A população indígena do brasil estáreduzida hoje a aproximadamente 500 mil pessoas.

            Do outro lado, estão brasileiros que se dedicam aos agronegócios e que, por meio da violência explícita ou velada, ampliam suas plantações e criações de gado sobre terras de domínio das populações tradicionais (que fique claro que esse não é um problema apenas da Raposa Serra do Sol, uma vez que conflitos desse genero ocorrem em toda a Amazônia). Certamente que esse tipo de apropriação ocorreu em razão da ausência ou conivência de setores do Estado ao longo dos séculos, ou facilitada por ambas situações.

            O que o Estado faz hoje em Raposa Serra do Sol e em outras terras indígenas demarcadas ou em processo de demarcação, ou ainda na legitimação juridica dos quilombolas ou das reservas extrativistas, é simplesmente garantir o direito de existência de povos que sobreviveram às práticas e ideologias motivadas apenas pela exploração dos recuros humanos e naturais em benefício do lucro fácil e farto. Penso que é hora de o País pagar essa horrosa dívida que acumula com os negros e com os índios. Não haverá, nunca mais, momento para ampliá-la.

            Não é o Brasil que quer passar uma borracha sobre esse débito histórico; é a propria humanidade que não suporta mais erros e equívocos que comprometam a convivência plural, diversa, tolerante, sem preconceito e democrática entre as pessoas e povos.

            Parabenizo, por isso, o Governo do Presidente Lula pela determinação de concluir o processo de desocupação da Raposa Serra do Sol por plantadores de cereais, que se arrastava há alguns anos. Parabenizo os índios que, nesses longos anos, se utilizaram dos meios legais, como a mobilização da sociedade em benefício dessa causa, para reconquistar suas terras e, assim, terem asseguado as referências culturais e materias que lhes permitem existir como pessoas, como etnias e como brasileiros.

            Lamento e condeno a imcompreensão daqueles que teimam em não devolver bens que foram obtidos por meios que, após longo processo judicial, foram considerados ilegais. O uso de arma de fogo por esse tipo de gente contra os indios só reforça a minha convicção de que o Governo e a Justiça precisam agir rápido para impedir que a violência se sobreponha ao bom senso, e para que Amazônia seja salva dos que querem vê-la como terra arrasada, sem lei e sem ordem, para que possam usufruir das suas riquezas sem distribuí-las com as suas populações.

            Srªs e Srs. Senadores, V. Exªs sabem perfeitamente que o capital tem a capacidade de se adaptar às mutirealidades. Não será a devolução da Raposa Serra do Sol aos seus legitimos donos que acabará com a produção de grãos ou com a economia de roraima. O Brasil ainda tem mais de 900 milhões de hectares de terras disponíveis para a agricultura. Roraima, certamente, tem outras terras para grandes plantações de soja, milho e arroz.

            Já os índios, sem suas terras, estarão condenados a uma vida sem sentido, sem referências históricas, sem referências culturais e sem meios de sobrevivência dignos. Se não exergamos nem reconhecemos a importância da diversidade étnica e cosmológica dos povos indígenas, então não podemos nos vangloriar de que somos um País plural. A devolução da Rapossa Serra do Sol está embasada no princípio de que o Brasil é uma nação que se fundamenta na convivência harmoniosa das diversas etnias que o compõe; e que cada uma delas tem o direito de viver conforme a sua visão de mundo. É isso que se pode difinir como brasilidade.

            Ontem mesmo, no lançamento do programa Amazônia Sustentável, o Presidente Lula recomendava àqueles que imaginam os indígenas atrelados a interesses forasteiros que visitassem os quartéis de São Gabriel da Cachoeira, para constatar o ânimo, a experiência e empenho dos geurreiros indígenas na defesa das fronteiras amazônicas. São Gabriel da Cachoeira é um Município amazonense, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, com 90% da sua população composta por índios. Os jovens indígenas se destacam entre os melhores guerreiros de selva. Em muitos lugares da Amazônia, são os indígenas que se impõem com sinal da presença brasileira, mesmo, em muitos casos, sob a ausência dos serviços e equipamentos socias do Estado brasileiro.

            O Presidente Lula decidiu sobre uma questão que demorou, em decorrência da complexidade e até mesmo de vontade polítiva, mais de vinte anos para ser resolvida. Os índios resistiram na luta, porém, dentro dos limites impostos pelas leis do País. Evidentemente que se tratou sempre de uma demanda tensa, conflituosa e com momentos radicalizados. Não tenho conhecimento de que, nesse litígio, os indíios tenham recorrido, de modo sistemático, a armas de fogo e táticas de guerrilha para recuperar suas terras. Recorrem, sim, à Justiça, ao Governo e à sociedade para que compreendessem que eles precisavam de suas terras para continuar existindo como brasileiros pertencentes a uma etinia que habita a reserva Raposa Serra do Sol há vários séculos.

            A devolução dessa reserva aos índios implicará a recuperação de rios, igarapés, solos e florestas que foram degrados pela garimpagem, pela criação de gado e pela agricultura predatórias. Tais medidas se constituem um benefício para toda a sociedade brasileira, que, neste momento, empenha-se na correção de politicas públicas que não levaram em conta a proteção de ecossistemas relevantes para manutenção da habitabilidade do planeta.

            Aliás, é importante destacar que, nessa questão, o próprio capitalismo reformula seus conceitos e práticas produtivas para se adequar à realidade imposta por fenômenos naturais e sociais derivados dos erros que cometeu como processo civilizatório a partir da chamada cultura ocidental. Nem a humanidade nem o planeta suportam mais a exploração danosa da natureza e dos recursos humanos. Não há mais espaço para degradação do solo, os rios, da floresta, da qualidade do ar, nem para a degradação da vida.

            Por tudo isso, estou aqui para exigir que os Poderes da República garantam a devolução das terras da Raposa Serra do Sol aos seus legítimos donos, e para pedir à sociedade brasileira que se mantenha vigilante na condução desse processo, para evitar que os valores repúblicanos sejam vilipendiados. Ao Supremo apelo para que faça valer a justiça.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2008 - Página 13521