Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a repercussão internacional da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, em segundo julgamento, como mandante do assassinato da Missionária Dorothy Stang. (como Líder)

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.:
  • Considerações sobre a repercussão internacional da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, em segundo julgamento, como mandante do assassinato da Missionária Dorothy Stang. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2008 - Página 13464
Assunto
Outros > JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DECISÃO JUDICIAL, ABSOLVIÇÃO, ACUSADO, MANDANTE, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, ESTADO DO PARA (PA), EFEITO, IMPUNIDADE, FALTA, SEGURANÇA, CIDADÃO, AMEAÇA, MORTE, MOTIVO, ENGAJAMENTO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, CAMPO, CONTRADIÇÃO, CONDENAÇÃO, EXCLUSIVIDADE, CRIMINOSO, EXECUÇÃO, CRIME, COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, ASSUNTO, IMPRENSA, BRASIL, EXTERIOR.
  • ANALISE, ATRASO, BRASIL, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, VIOLENCIA, CAMPO.
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REPUDIO, ABSOLVIÇÃO, DUPLICIDADE, JULGAMENTO, ANTERIORIDADE, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DECISÃO, CONDENAÇÃO, MOTIVO, ALTERAÇÃO, JURI.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, SENADO, ALTERAÇÃO, ARTIGO, CODIGO DE PROCESSO PENAL, APERFEIÇOAMENTO, TRIBUNAL DO JURI, EXPECTATIVA, EXAME, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • EXPECTATIVA, MINISTERIO PUBLICO, APRESENTAÇÃO, RECURSO JUDICIAL, DECISÃO, JUSTIÇA, ESTADO DO PARA (PA).

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna, em nome da Liderança do PT nesta tarde, é uma reflexão sobre o julgamento dos acusados pelo assassinato da Irmã Dorothy Stang, com a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, julgamento este que teve grande repercussão não só no nosso País, mas também uma grande repercussão internacional.

            ... Eu sei que o Senador Sibá também irá se referir a este assunto. Ontem não tivemos oportunidade de tratar do tema porque estivemos envolvidos por praticamente durante dez horas na Comissão de Serviços de Infra-estrutura.

            Essa absolvição, num segundo julgamento, obviamente, causa uma grande perplexidade. A decisão adotada na noite de terça-feira, dia 6 de maio, é uma espécie de repetição de outros episódios, nos quais, infelizmente, a ação judicial, o julgamento, acaba se transformando num sinônimo de impunidade e trazendo uma insegurança muito grande a uma série de pessoas que continuam ameaçadas de morte nos embates pela questão da terra no nosso País, que ainda continua sendo um dos centros de disputas que levam a mortes, levam a conflitos e levam a situações extremas.

            É inconcebível, porque condena o matador de aluguel no primeiro e no segundo julgamento. Agora, ao matador de aluguel alguém pagou, alguém mandou; enfim, alguém determinou a morte. Portanto, não se consegue entender que se condene o matador de aluguel e que se absolva o já anteriormente condenado mandante do crime.

            Por isso, essa situação foi relatada em páginas e páginas de todos os jornais, de ontem e de hoje, com manifestações muito contundentes. E vejam que, neste caso, as manifestações contundentes não são apenas das instituições, das personalidades envolvidas com a disputa e com os conflitos fundiários que enfrentamos, infelizmente, há muitas e muitas décadas, há séculos no Brasil. Não é à-toa que somos um dos últimos países a buscar concluir o processo de reforma agrária. Há países que já fizeram o processo de reforma agrária há mais de dois séculos, e o Brasil ainda continua tendo o Movimento dos Sem Terra; continua fazendo uma série de reivindicações que se baseia na disputa pela terra, num país continental como o nosso. É absurdo haver disputas que levam à morte de pessoas na questão da terra num país com dimensão continental, mas temos.

            Agora, não houve somente manifestações de indignação pela impunidade, pela insegurança das pessoas ligadas, das pessoas que atuam, das instituições que reivindicam uma distribuição mais justa da terra no nosso País; não. Nós tivemos manifestações inclusive de ministros do Supremo Tribunal Federal. Nada mais nada menos do que o Ministro Celso de Mello e o Ministro Marco Aurélio Mello se pronunciaram sobre o absurdo que foi essa absolvição.

            O que permitiu absolver alguém que já havia sido condenado à pena máxima? Aliás, é algo que por si só é para deixar qualquer um perplexo. O primeiro julgamento, feito pela mesma instituição, pelo mesmo nível judicial, condena à pena máxima o Sr. Vitalmiro Bastos de Moura, o fazendeiro conhecido como Bida; e a mesma Corte que dá a pena máxima em um julgamento, no seguinte, absolve.

            Não tem cabimento isso, porque ou está errada a condenação, ou está errada a absolvição! Isso é óbvio. Mas volto a dizer: como pode haver a absolvição do mandante, mantendo-se a condenação do executor? Ou seja, o matador de aluguel foi condenado nos dois julgamentos, mas o mandante é condenado em um e no outro é absolvido.

            E isso se dá por algo cuja mudança nós, aqui no Senado, inclusive já aprovamos, que é o tal do protesto por novo júri, que está no Código de Processo Penal, no art. 607. O que diz esse art. 607 do Código de Processo Penal? Que quando alguém é condenado à pena máxima, ou seja, a mais de vinte anos, ele automaticamente tem direito a um novo júri. Frise-se, automaticamente, mesmo que ninguém recorra, mesmo que ninguém requeira, mesmo que não haja nada levando à discussão, ao debate sobre um novo julgamento. É automático!

            Já aprovamos, inclusive com muito orgulho coordenei aquele grupo de trabalho, cinco matérias para modificar o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil. Esse projeto - inclusive, o Relator foi o Senador Demóstenes Torres - modificou profundamente a questão do Tribunal do Júri. E, entre as medidas aprovadas aqui no Senado, estava exatamente a revogação do art. 607, não impedindo que um novo júri pudesse acontecer, mas não obrigatoriamente, não automaticamente. Um novo júri, um novo julgamento poderia acontecer, sim, por meio de um recurso muito bem fundamentado, levando em consideração a situação que exigiria a abertura de um novo julgamento. Infelizmente, aprovamos, mas ainda não tivemos a deliberação da Câmara. Está inclusive entre os projetos que pedimos que a Câmara, naquele esforço concentrado das duas Casas, aprovasse. Pedimos a aprovação não só do PLC nº 20, de 2007, mas também de outros projetos que estão tramitando há muito tempo no Congresso Nacional para agilizar, para modificar o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, tornando a Justiça mais justa, mais ágil e mais rápida.

            Por isso, as manifestações que ouvimos ontem dos Ministros da mais alta Corte foram todas no sentido de exigir que façamos o mais rapidamente possível a mudança do art. 607 do Código de processo Penal.

            Ouço, com muito prazer, o Senador Cristovam Buarque.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Ideli Salvatti, fico feliz que a senhora tenha trazido aqui este assunto, que é tão trágico para todos nós. Melhor que não precisássemos discutir isso nem passar essa vergonha. Mas, já que passamos, fico feliz que a senhora traga esse assunto aqui. Pergunto-me hoje o que estão pensando os candidatos a mandante de assassinato neste País. Quantos não estão hoje pensando: “Eu posso fazer isso sem nenhum problema; depois quem paga o pato é o assassino, não o mandante”. Além disso, há o agravante de ter sido uma freira, que tinha uma postura combativa, que fazia uma defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores rurais. Eu creio que, das tantas vergonhas que a gente tem passado ultimamente por causa da violência, talvez nenhuma tenha sido tão grande, entre as que foram até o fim do problema, quanto essa. Porque não é a vergonha só do crime, é a vergonha de uma Justiça que, como a senhora bem disse, ou condenou errado, ou absolveu errado. Ou seja, uma Justiça em que a gente perde a confiança. Essa é a verdade. Sei que devemos nos concentrar nos que fizeram diretamente o julgamento, mas isso termina se espalhando para todos. Parabenizo a senhora por ter trazido esse assunto. E é com muita tristeza que vejo que uma coisa como essa acontece na Justiça brasileira.

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Cristovam Buarque.

            Senador Sibá Machado, por favor.

            O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Somente para complementar, pois iria também abordar este assunto; porém, como V. Exª já o fez, falo por meio de aparte. Conhecia a irmã Dorothy desde 1984 e posso ser uma testemunha da sua simplicidade. E, já em 1984, participei de uma tentativa de reintegração de 22 famílias que foram despejadas por um fazendeiro, que tinha cerca de vinte pistoleiros. Naquele momento, houve um conflito muito forte, com dez pessoas baleadas, um verdadeiro escarcéu. Houve uma tentativa de matar a Irmã Dorothy naquele instante, porque havia um ódio cego contra ela, que sempre tentava fazer justiça no campo, naquele setor do Estado. Em todos esses anos, a relação da Irmã Dorothy sempre foi a mesma, nunca se preocupou em se encontrar com qualquer pessoa, tanto que os dois pistoleiros que atiraram contra ela a viram tirando de dentro da bolsa uma Bíblia, segundo informação do próprio pistoleiro. Ela dizia que iria ler um versículo da Bíblia, porque não acreditava que ele pudesse fazer mal a qualquer pessoa. Esse julgamento que faz essa absolvição é muito preocupante, porque, em seu depoimento, o pistoleiro disse que acertou, que combinou e que recebeu para fazer aquele trabalho, e assim por diante. A Justiça não considerar uma coisa dessas é muito preocupante! Penso que ali só faltou ele ser réu confesso. À época da CPMI da Terra, estivemos lá e pudemos colher os depoimentos. Naquele momento, saímos da CPMI convencidos da culpabilidade de Vitalmiro...

(Interrupção do som)

            O Sr. Siba Machado (Bloco/PT - AC) - (...) conhecido lá como Bida. Com relação a essa decisão da Justiça, rogo, mais uma vez, ao Ministério Público que cumpra a sua função de pedir uma revisão do julgamento, para que possamos ouvir, quem sabe, outras pessoas que tenham conhecimento dos fatos para demovermos essa situação, que passa a imagem, sim, de impunidade, de que vale a pena fazer qualquer coisa, de que vale a pena ficar rico a qualquer custo. Na verdade, o que há lá é grilagem mesmo. Ele é um grileiro de terra e não pode, no meu entendimento, ficar livre da forma como ficou. Então, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento que faz sobre esse assunto, mesmo sem conhecer, digamos assim, o fato como eu conheço. Mas agradeço muito a indignação que V. Exª aqui apresenta a todos nós, a insatisfação de V. Exª com essa decisão tomada no Pará.

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Sibá. Aqui só podemos lamentar, porque a Justiça no Pará é useira e vezeira nesse tipo de procedimento. Do contrário, já teríamos tido a punição de massacres que aconteceram naquele Estado. Infelizmente, ainda continuamos tendo a impunidade.

            Por isso, nós só podemos esperar, como o Senador Sibá Machado disse, que o Ministério Público recorra, que haja agilidade no recurso, que efetivamente se dê a derrubada dessa decisão absurda de absolvição do fazendeiro no segundo julgamento.

            Para completar, quero registrar as palavras do Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, que afirmou: “A decisão pode transmitir a sensação de que o júri não teria cumprido o seu dever e não teria agido de acordo com a alta responsabilidade que se espera de seus integrantes”. E o Ministro Marco Aurélio Mello foi além, foi mais contundente e disse: “Esse duplo julgamento pelo mesmo órgão é inconcebível. Isso gera uma certa perplexidade. Por que o mesmo órgão condenou anteriormente e depois chegou à absolvição? De duas uma: ou a culpa não estava formada e a decisão se mostrou errada ou a segunda decisão é que estava errada”.

            Agora, não posso deixar de registrar, inclusive, o viés de classe que existe, porque o pequeno, o matador de aluguel, esse que provavelmente é um pobre coitado, uma pessoa talvez muito humilde, esse foi condenado nas duas vezes; mas o fazendeiro, grileiro, como bem observou o Senador Sibá Machado, esse não: condenado no primeiro, é absolvido no segundo júri.

            Então, só posso esperar que o Ministério Público recorra, que a justiça seja feita, que consigamos eliminar essa sensação de impunidade e insegurança de uma vez por todas em nosso País, e, principalmente, que a Câmara vote rapidamente a modificação do art. 607, que permite esse absurdo de haver automaticamente um novo julgamento se a pessoa foi condenada à pena máxima. Ora, se ela foi condenada à pena máxima, realmente é muito grave a causa de sua acusação. Então, acho que ela não mereceria essa condescendência de ter uma revisão automática. Se houvesse motivo, sim, haveria um recurso e poderíamos ter um novo julgamento. Mas fazer isso de forma automática é algo absurdo que infelizmente está no Código de Processo Penal.

            Era isso, Sr. Presidente. Agradeço.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2008 - Página 13464