Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o transcurso dos 120 anos da abolição da escravatura no Brasil.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Considerações sobre o transcurso dos 120 anos da abolição da escravatura no Brasil.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2008 - Página 13970
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • APOIO, SUGESTÃO, APARTE, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, DISCURSO, PAULO PAIM, CONGRESSISTA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, POLITICA, COTA, DEFESA, ORADOR, IMPORTANCIA, ESTATUTO, IDOSO, IGUALDADE, RAÇA, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA.
  • OPORTUNIDADE, DATA, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ANALISE, VIOLENCIA, ESCRAVATURA, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, LIBERDADE, MANIPULAÇÃO, VALOR, SOCIEDADE.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, CONCLUSÃO, ABOLIÇÃO, BRASIL, CONCLAMAÇÃO, RESPONSABILIDADE, PROCESSO, AMPLIAÇÃO, DIGNIDADE, VALORIZAÇÃO, BRASILEIROS, COBRANÇA, COMPROMISSO, CLASSE POLITICA.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, saudar também os Senadores Eduardo Suplicy e Paulo Paim, que, além de amigos, são pessoas totalmente dedicadas à dignidade, ao respeito, à construção da cidadania.

            Destaco o respeito que tenho pela figura do Senador Eduardo Suplicy, pela sua trajetória. É uma pessoa conhecida no Brasil inteiro pelo caráter, pela transparência, pelos posicionamentos. E o Senador Paulo Paim também é um batalhador, um lutador.

            E como membro da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da qual nós três somos membros, já apóio, de imediato também, a iniciativa sugerida pelo Senador Eduardo Suplicy.

            Cumprimento V. Exª também pelo requerimento para a sessão solene do dia de hoje, uma sessão de repercussão, de reflexão sobre a Lei Áurea, sobre a abolição da escravatura no Brasil. Destaco também em relação a V. Exª o esforço para a sistematização - eu diria - do conjunto de leis a favor dos setores da população mais vulnerados, mais marginalizados, como é o caso do Estatuto do Idoso, do Estatuto da Igualdade Racial, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que foi aprovado aqui no Senado Federal e está na Câmara dos Deputados, num debate necessário para o seu aprimoramento. Foram necessárias dezenas de reuniões aqui no Senado Federal para se chegar a um texto que convergisse em relação às idéias todas.

            Sabemos que isso é importante porque valoriza os setores com mais dificuldades em nosso País.

            Parabéns!

            Eu gostaria também, Sr. Presidente, de ler um texto a respeito da Lei Áurea e da Abolição da Escravatura no Brasil, para contribuir com essa reflexão importante que se faz hoje aqui no Senado Federal e, que, certamente, está sendo também desenvolvida por muitos setores da nossa sociedade, pensando, principalmente, no conceito de escravidão.

            O que é escravidão? Será que realmente se extinguiu a escravidão no Brasil? Nesse sentido, eu acho que temos que pensar muito. As crianças, os jovens, os adultos, principalmente aquelas pessoas que estão preocupadas com a construção de valores. Valores que orientam a caminhada pela vida, as atitudes pessoais de solidariedade, de fraternidade - como foi lembrado pelo Presidente -, o diálogo que o Senador Eduardo Suplicy acabou de colocar - e falta tanto diálogo -, a justiça, a construção da paz.

            A promulgação da Lei Áurea e a Abolição da Escravatura no Brasil, acontecidas há 120 anos, são fatos históricos de relevante importância. Tal importância é proporcional à irracionalidade e violência que é a escravidão: submeter alguém à privação da sua liberdade, impedindo a sua auto-determinação. Isso é escravidão.

            Além dessa violência que frustra o projeto de realização por que almeja e a que tem direito toda pessoa humana, a escravidão tem como objetivo a exploração do trabalho, caracterizando uma das condições mais desumanas, que reduzem o ser a escravo explorado.

            A imagem mais representativa de tal crueldade é a da pessoa trabalhando acorrentada. Porém, mais fortes e profundas do que as correntes de aço são aquelas que acabam aprisionando o entendimento e a alma.

            O processo da escravatura busca, primeiro, destruir o sentimento de auto-estima e de autovalorização para, em seguida, criar o falso sentimento da inexorável dependência do bem que lhe proporciona quem escraviza e explora.

            Nesse processo tão desumano e aniquilador de todo o sentimento de compreensão e de justiça, manifesta-se o desejo incontrolável de possuir sempre mais, de acumular bens materiais, de absolutizar o progresso, mesmo que às custas do sofrimento e da exploração dos outros. A perda do senso da dignidade de toda pessoa e da justiça conduz ao flagelo da escravidão.

            Sabemos que o fato histórico que estamos realçando não aconteceu num lance isolado, nem esteve pronto de um dia para o outro. Como a história registra de modo abundante, não se pode pisar e destruir pessoas indefinidamente. Sempre, no interior da pessoa humana, apesar de todas as opressões e explorações, permanece acesa a chama da dignidade e a força do resgate da liberdade e da construção de uma vida humana com dignidade.

            Por certo, no seio da própria sociedade, entre pessoas com lucidez e entre os próprios escravos, o germe da libertação permaneceu vivo e cresceu lentamente. Um dia essa força viria à tona e se tornaria incontrolável.

            Algumas questões, todavia, surgem e nos interrogam diante do fato histórico da abolição da escravatura no Brasil. Estão todos os brasileiros realmente e definitivamente libertos? É universal e evidente o estado de auto-estima e de autovalorização do povo?

            Há no seio do povo como questionamento a consciência de sua força, quando organizado, na conquista de todas as condições que propiciem uma vida com dignidade? As condições de trabalho de todo o povo são aquelas que conduzem à realização como pessoa, quando também retribuem o esforço com um salário justo?

            Tudo isso nos deve levar a pensar o sentido profundo e verdadeiro da necessária libertação. Libertação de tudo o que nos diminui como pessoa e de tudo o que torna as relações interpessoais não um caminho de realização e de convivência fraterna e solidária, mas uma história de violência e de desamor.

            Como a abolição da escravatura é ainda um processo em marcha, cabe a todos nós, brasileiros, em especial aqueles que têm responsabilidades de mandatos representativos, assumir, com coragem, atitudes que representem passos eficazes e seguros de libertação.

            É uma reflexão que eu faço e que se aplica nesse conceito, nesse tipo de abordagem, aos dias de hoje, porque o que nós queremos realmente para o povo brasileiro é libertação; libertação como sinônimo de auto-estima, como sinônimo de dignidade, de respeito, de valorização. E os questionamentos que devemos todos nos fazer, particularmente, como foi dito, em relação a nós, aqui no Senado, Deputados, Vereadores, Prefeitos, Governadores: como que nós, que temos cargos representativos, estamos contribuindo com coragem e independência para a verdadeira libertação do povo brasileiro e da humanidade? Incluo também a humanidade porque nós temos de ser construtores da paz não só no Brasil, mas no mundo.

            Obrigado, Sr. Presidente. Aliás, desculpe-me. O Senador Paulo Paim gostaria de falar.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Eu quero só cumprimentar V. Exª, Senador Flávio Arns. Eu acho que encerramos a sessão de hoje dos 120 anos da Abolição da Escravatura de forma brilhante com o seu pronunciamento; um pronunciamento qualificado, tranqüilo, que busca unidade de todo o povo brasileiro. Essa unidade, respaldada pela sua fala, em igualdade de oportunidades para todos: negros, índios, brancos, deficientes, idosos, mulheres e crianças. Essa é a concepção que passa o seu pronunciamento. Por isso, neste fim de noite, nesta data dos 120 anos da Abolição não-conclusa, o seu pronunciamento fecha, para mim, com muita alegria e felicidade, porque sei do seu compromisso com todos os seres humanos. Por isso, tenho alegria de dizer: eu gosto muito quando, de público, tenho que falar de V. Exª, quando digo que a maior alegria minha é dizer que sou seu amigo e que V. Exª é meu amigo. Muito obrigado, Senador Flávio Arns.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Com certeza, Senador Paulo Paim. Eu me orgulho muito disso também.

            Sr. Presidente, quero deixar como lido o presente pronunciamento, para constar dos Anais.

            Obrigado.

 

************************************************************************************************SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR FLÁVIO ARNS.

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O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs Senadores, a promulgação da Lei Áurea e da Abolição da Escravatura no Brasil acontecida há 120 anos é um fato histórico de relevante importância.

            Tal importância é proporcional à irracionalidade e violência que é a escravidão: submeter alguém à privação de sua liberdade, impedindo a sua auto-determinação.

Além desta violência que frustra o projeto de realização a que almeja e tem direito toda pessoa humana, a escravidão tem como objetivo a exploração do trabalho, caracterizando uma das condições mais desumanas que reduz o ser a escravo explorado.

A imagem mais representativa de tal crueldade é a da pessoa trabalhando acorrentada. Porém, mais fortes e profundas que as correntes de aço, são aquelas que acabam aprisionando o entendimento e a alma.

O processo da escravatura busca, primeiro, destruir o sentimento de auto-estima e de auto-valorização para, em seguida, criar o falso sentimento da inexorável dependência do bem que lhe proporciona quem escraviza e explora.

Neste processo tão desumano e aniquilador de todo sentimento de compreensão e de justiça, manifesta-se o desejo incontrolável de possuir sempre mais, de acumular bens materiais, de absolutizar o progresso mesmo que às custas do sofrimento e da exploração dos outros. A perda do senso da dignidade de toda pessoa e da justiça conduz ao flagelo da escravidão.

Sabemos que o fato histórico que estamos realçando não aconteceu num lance isolado, nem esteve pronto de um dia para o outro. Como a história registra de modo abundante, não se pode pisar e destruir pessoas indefinidamente. Sempre, no interior da pessoa humana, apesar de todas as opressões e explorações, permanece acesa a chama da dignidade e a força do resgate da liberdade e da construção de uma vida humana com dignidade.

Por certo, no seio da própria sociedade, entre pessoas com lucidez e entre os próprios escravos, o germe da libertação permaneceu vivo e cresceu lentamente. Um dia, esta força viria à tona e se tornaria incontrolável.

Algumas questões, todavia, surgem e nos interrogam diante do fato histórico da abolição da escravatura no Brasil. Estão todos os brasileiros realmente e definitivamente libertos? É universal e evidente o estado de auto-estima e de auto-valorização? Há no seio do povo a consciência de sua força, quando organizado, na conquista de todas as condições que propiciem uma vida com dignidade? As condições de trabalho de todo o povo são aquelas que conduzem à realização como pessoa, quando também retribuem o esforço com um salário justo?

Tudo isso nos deve levar a pensar o sentido profundo e verdadeiro da necessária libertação. Libertação de tudo o que nos diminui como pessoa e de tudo o que torna as relações interpessoais não um caminho de realização e de convivência fraterna e solidária, mas uma história de violência e de desamor.

Como a abolição da escravatura é ainda um processo em marcha, cabe a todos nós brasileiros e, em especial, àqueles que têm responsabilidades de mandatos representativos assumir, com coragem, atitudes que representem passos eficazes e seguros de libertação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2008 - Página 13970