Discurso durante a 74ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 120 Anos da promulgação da Lei Áurea no Brasil e da Abolição da Escravatura.

Autor
César Borges (PR - Partido Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comemoração dos 120 Anos da promulgação da Lei Áurea no Brasil e da Abolição da Escravatura.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2008 - Página 13854
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEGISLAÇÃO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, DADOS, INICIO, DIVULGAÇÃO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SITUAÇÃO, NEGRO, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA BAHIA (BA), REGIÃO, PORTO, SUBSIDIOS, ESTUDO, HISTORIA, TRABALHO ESCRAVO, AVALIAÇÃO, CONTINUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, ATUALIDADE.
  • ANALISE, HISTORIA, ABOLIÇÃO, AUSENCIA, ASSISTENCIA, ESCRAVO, NECESSIDADE, POLITICA, COMPENSAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA.

            O SR. CÉSAR BORGES (Bloco/PR - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs Senadores, hoje, quando se completam os 120 anos da Abolição da Escravatura, o IBGE está divulgando o seu Mapa da Distribuição Espacial da População Negra, com base em dados do Censo 2000.

Esses dados serão melhor detalhados com a divulgação completa do trabalho, mas algumas conclusões já foram divulgadas hoje pela imprensa.

A pesquisa deve confirmar algumas informações que todos já sabem, algumas das quais muito me orgulham, como a alta percentagem de negros na população do meu estado e, particularmente, em Salvador.

Mas essas informações demográficas, relacionadas às informações históricas, podem explicar muito da nossa realidade social e econômica atual e serve de oportunidade par nos fazem pensar sobre os graves problemas que enfrentamos.

Por exemplo, as áreas apontadas no mapa do IBGE como de maior ocorrência da população negra corresponde às mesmas áreas em que a ocupação territorial foi feita pelo trabalho escravo (Maranhão, Zona da nordestina, Recôncavo Baiano e larga porção do Sudeste).

Na Bahia, em algumas cidades, este índice chega a 85% da população.

Segundo os pesquisadores, há ainda maior coincidência entre a alta concentração de população negra (negros e pardos auto-declarados ao IBGE) e os portos que atuaram como receptores de escravos: São Luís (MA), Salvador (BA), Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ).

Justamente por isto, o jornal Folha de S.Paulo deu o título de “Negro ainda vive em região do porto”, na reportagem de hoje, que trata desse trabalho do IBGE.

Ora, se nós levarmos em conta que o Maranhão é o Estado mais pobre do nosso País; que Recife e o Rio de Janeiro enfrentam a violência social dos que não têm acesso aos bens de consumo; vamos entender que a comemorada Emancipação dos Escravos ainda não ocorreu, justamente porque onde a população negra está mais concentrada, maior é a desigualdade social.

Srªs e Srs. Senadores, não devemos nos conformar com isto. O País precisa se mobilizar contra a desigualdade. E aí temos uma relação causal: a desigualdade entre brancos e negros leva à desigualdade regional, porque mais pobres são as regiões onde a parcela da população negra é mais representativa.

Eu gostaria de lembrar o grande abolicionista Joaquim Nabuco, que, na sua obra de memórias chamada “Minha Formação”, cunhou a frase que, de certa maneira, resume todo o seu pensamento. Disse Nabuco: “A escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil”.

A escravidão não foi um problema só do Brasil - ontem assisti ao filme Amazing Grace, sobre a luta na sociedade inglesa pela abolição da escravatura. Mas foi só no Brasil e no império português que ele resistiu, porque o Brasil foi o último País a abolir a escravidão; por isto, seus traços, como vaticinou Nabuco, ainda permanecem.

É também Nabuco, na sua obra O Abolicionista, quem defendeu a entrega de terras para os negros libertados, no que seria o primeiro protótipo de ação afirmativa em nosso país ou, pelo menos, de uma ação de reparação.

E vejam que até hoje nosso País se debate nesta questão, mesmo quando se propõem ações afirmativas razoáveis, nem um pouco radicais, como aquelas inscritas no Estatuto da Igualdade Racial, do qual tive orgulho de ser um dos Relatores.

Srªs e Srs. Senadores, quando venho pedir aos brasileiros providências contra a desigualdade entre brancos e negros no País, venho porque sei que, desenvolvendo as áreas mais carentes do Brasil, estaremos também fazendo um País racialmente mais justo.

Quando venho pedir aos brasileiros por políticas que combatam a desigualdade entre brancos e negros, venho também com o orgulho de representar um Estado que nunca se conformou com a escravidão.

Venho aqui em nome de uma herança deixada por Castro Alves, por Rui Barbosa, por André Rebouças, este um engenheiro negro reconhecido e admirado na sua época, todos eles líderes abolicionistas, atuando lado a lado com nomes como o próprio Nabuco, Tobias Barreto e Luis Gama.

Nem os baianos nem os negros baianos se conformaram e se conformam com esta situação. Os primeiros sinais de resistência à escravidão também foram localizados no meu Estado da Bahia, quando o Império recebeu notícias de negros fugitivos, ainda em 1575.

Outra forte ação negra aconteceu na Revolta dos Malês, de 25 a 27 de janeiro de 1835, quando centenas de escravos africanos adeptos do Islã lutaram nas ruas de Salvador contra tropas de cavalaria e milícias.

Nos confrontos ocorridos, morreram sete integrantes das tropas oficiais e 70 negros. Outros 281 foram presos. Portanto, a Bahia pela sua origem e formação cultural, herança da raça negra, sempre esteve como um Estado pioneiro nessa luta que ainda é atual.

Claro que a abolição da escravatura foi um processo secular resultante de mobilizações sociais, morais, políticas e econômicas, e envolveu trabalho de brasileiros de todas as regiões. Mas é preciso que a Abolição continue. Seu processo não está encerrado.

Hoje, quando comemoramos um feito histórico, os 120 anos da abolição da escravatura no País, é importante se fazer uma justiça histórica à Lei Áurea, que foi aprovada em tempo recorde na Câmara e no Senado e foi o instrumento legal indispensável para o resgate da liberdade da raça negra no Brasil.

Como sabemos, as Leis anteriores à Lei Áurea, tais como a que abolia o tráfico de escravos, a Lei do Ventre Livre e a dos Sexagenários tiveram pouco efeito prático na condição do negro no Brasil. Foi daí que surgiu a expressão “para inglês ver”, porque se faziaM leis contra a escravidão que nunca saíram do papel, apenas para responder às pressões políticas e militares da Inglaterra.

Entretanto, mesmo com a Lei Áurea, os negros sofrem mais com baixos salários, constituem maioria entre os desempregados, têm os menores índices de educação, necessitam de programas específicas de saúde.

Portanto, a abolição precisa prosseguir. Vamos continuar de onde a Lei Áurea parou. Vamos aprovar o Estatuto da Igualdade Racial!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2008 - Página 13854