Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre os conflitos que estão ocorrendo na reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Manifestação sobre os conflitos que estão ocorrendo na reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2008 - Página 14426
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MAGNO MALTA, SENADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EXPLORAÇÃO SEXUAL, INFANCIA, DEFESA, AUMENTO, PUNIÇÃO, CIDADÃO, EXECUÇÃO, CRIME, ABUSO, CRIANÇA.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POSTERIORIDADE, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, DEFESA, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, HABITANTE, REGIÃO, CONTENÇÃO, INJUSTIÇA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ANALISE, DIREITOS, INDIO, DESCENDENTE, AGRICULTOR, HABITANTE, REGIÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), GARANTIA, JUSTIÇA, PAZ, INTEGRIDADE, TERRITORIO, BRASIL, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, RECEBIMENTO, MENSAGEM (MSG), DENUNCIA, PRESENÇA, ESTRANGEIRO, LIBERDADE, ACESSO, RESERVA INDIGENA, RESPONSABILIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INCITAMENTO, CONFLITO.
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PROTEÇÃO, INTERESSE NACIONAL.
  • ELOGIO, DISPOSIÇÃO, EXERCITO, BRASIL, INSTALAÇÃO, POSTO MILITAR, REGIÃO AMAZONICA, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Magno Malta, compartilho com o esforço que V. Exª está desenvolvendo para combater a pedofilia nessa CPI que veio em boa hora.

            Quero fazer uma confidência a V. Exª. Sempre entendia que o narcotráfico era o pior dos crimes e aquele que merecia a pena mais dura. Hoje, revejo meus conceitos. Acho que a pedofilia é que está no topo da gravidade e exige maior punição de todo nosso ordenamento jurídico.

            Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana, uma questão mal resolvida provoca uma grande inquietação entre índios e não-índios. Estou falando da área conhecida como Raposa Serra do Sol.

            Senadores que representam aquela região há muito tempo vêm se revezando nesta tribuna para advertir sobre as conseqüências de uma solução equivocada.

            De fato, o roteiro seguido para resolver a antiga disputa de suas terras está agravando a cada dia esse problema. Denúncias sobre grandes interesses que estão por trás de tais disputas vêm recheando discursos, noticiários e editoriais.

            No entanto, Sr. Presidente, nem essas manifestações nem o enfrentamento físico entre índios, não-índios, policiais têm despertado o Governo para a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre essa questão.

            Não há dúvida de que a demarcação das áreas é um pleito antigo e justo das comunidades indígenas. Conhecer a extensão e os limites de suas áreas é a garantia de desfrutá-las sem perturbação.

            Ao lidar com o direito das pessoas e das comunidades, entretanto, é preciso equilíbrio, discernimento e, sobretudo, sensatez. Afinal, o direito tem suas fronteiras.

            De sorte, Sr. Presidente, que o direito de um indivíduo termina onde começa o direito do outro. Quando se respeita esse limite, preserva-se a paz social.

            No conflito da Raposa Serra do Sol é preciso analisar o direito dos índios, o direito de descendentes de índios com não-índios, o direito de legítimos possuidores brancos e negros, o direito do Estado de Roraima e o direito à integridade territorial do Brasil.

            Se não foram considerados todos esses direitos, a solução não será completa nem justa. Em tais condições, não produzirá a paz social nem atenderá os interesses superiores do País.

            Por conseguinte, o reconhecimento das reservas indígenas não pode orientar-se por informações exclusivas de um levantamento topográfico, decorrente de informações meramente subjetivas e contaminadas por vícios ideológicos.

            Tudo indica que essa é a maior ameaça que pesa na peleja da Raposa Serra do Sol. Afinal, foi homologada uma área de 1,74 milhão de hectares, na qual se inclui quase a metade da superfície do Estado de Roraima, considerando-se as outras áreas de litígio que também existem naquele Estado. É uma área superior a numerosos países espalhados pelo mundo afora.

            Além da perda territorial de Roraima, as condições da reserva põem em risco a soberania do País.

            A área contínua, as restrições de acesso e controle sobre a reserva e a instigação de ONGs sobre autonomia da área conflituosa atestam com clareza que o perigo não é imaginário.

            A propósito, tenho recebido numerosos e-mails de pessoas do povo denunciando a crescente presença de estrangeiros com livre acesso à reserva, constrastando com injustificáveis restrições ao trânsito de brasileiros. Em um desses protestos, o cidadão chegou a dizer que, ao passar por aquelas paragens, teve a sensação de estar em território estrangeiro.

            Só não enxerga tais perigos quem não quer ver.

            No afã de aquinhocar um contigente de aproximadamente 18 mil indígenas dessa monumental reserva, utiliza-se de um aparato de guerra e igualam-se brancos, negros e até descendentes de índios a verdadeiros delinqüentes.

            Em meio a tanta gente, é bem provável que existam maus elementos, mas seguramente a maioria é composta de ocupantes de boa-fé, que dependem da terra para sobreviver.

            Com tamanha área é absolutamente incompreensível conflito de tal monta!

            É largamente sabido que um só índio é incapaz de explorar quase 97 mil hectares. E é isso o que está sendo destinado.

            Concordo com o Senador Jefferson Péres ao pontificar, aqui desta tribuna, que índios que precisam de grandes extensões de terras são aqueles que mantêm a índole nômade ou que não foram aculturados e dependem de métodos rudimentares de sobrevivência.

            Vale aqui reproduzir a opinião daquele bravo Parlamentar, daquele bravo Senador amazonense Jefferson Péres, que disse:

            “Populações indígenas precisam de grandes áreas quando são índios que vivem em estágio tribal, aldeados como foram os ianomâmis”.

            E esclareceu porquê:

            “Os ianomâmis são índios não-aculturados que vivem, com seu modo de vida tradicional, da caça e da pesca e precisam deslocar-se. É uma cultura itinerante, cujos indivíduos precisam de grandes espaços e só assim eles preservarão sua cultura e seu modo de vida”.

            Ao deparar com número tão eloqüente, Sr. Presidente, volto meu pensamento para os índios das etnias Guarani, Kaiowa e Terena, que habitam a região da Grande Dourados no meu Estado.

            É uma honra, Senador Augusto Botelho, o aparte. 

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Valter Pereira, fico feliz de ouvir V. Exª fazendo um discurso justamente de acordo com as coisas que ocorrem no meu Estado, trazendo a realidade do Estado de Roraima para cá. Eu faço este aparte a V. Exª só para lhe dizer de um fato que não é muito levado em consideração por aqui: é que, quando fizeram essa área contínua, colocaram, dentro da mesma área, cinco etnias diferentes! Cinco etnias diferentes, muitas com aldeias e várias aldeias de mesmas etnias que já tinham o território praticamente delimitado e tudo, criando condições para um conflito posterior violento, porque conflito já está existindo. Quando o índio que sai lá do Chumina faz uma casa lá na Raposa, perto de uma propriedade que ficou para a comunidade da Raposa, o pessoal da Raposa não gosta. Como não é definida a área de cada etnia e de cada aldeia, então, vai haver conflito. E parece-me que esse pessoal que está por trás da história, que está doido pelo minério e nem se preocupa com os índios, eles querem é que haja conflito mesmo que é para poder fazer uma intervenção, como fizeram lá no Iraque dizendo que tinha bomba química lá, bomba de não sei o quê, o que não foi comprovado. Imagine se começar uma briga entre os Macuxis e os Uapixanas lá, e os Ingaricós, e começarem a se matar lá por causa disso? Porque vai acontecer isso - como nós falamos várias vezes aqui que ia haver: derramamento de sangue e morte. Só não houve morte graças à lucidez do Supremo, que concedeu aquela liminar e parou as ações. Se não, hoje nós estaríamos discutindo aqui quantos haviam morrido, não quantos ficaram feridos. Muito obrigado, Senador.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Obrigado a V. Exª, Senador Botelho, que enriquece o nosso pronunciamento com a palavra abalizada que todos nós respeitamos nesta Casa.

            Sr. Presidente, são 16 mil índios que ocupam uma área total - lá no meu Estado, na região da Grande Dourados, os índios Kaiowas e Terenas - de 21.274 hectares espalhados pelos Municípios de Dourados, Juti, Douradina, Maracajú e Caarapó. Não chega, portanto, Sr. Presidente, a 1,5 hectare por cabeça, não chega a 1,5 hectare por índio.

            Uma política indigenista que trata tamanhas distorções com as mesmas concepções de centenas de anos merece toda a crítica feita em boa hora pelo General Augusto Heleno.

            Por que não oferecer um pouco de tamanhas áreas para as etnias que estão perecendo por falta de terras, como as que referi lá da Grande Dourados, em meu Estado?

            De fato, o maior defeito do modelo de proteção aplicado pela Funai decorre da visão primitiva que essa instituição tem do índio. Ao fazer vistas grossas dos diferentes estágios de evolução de cada etnia, o órgão promove uma uniformização tola de suas demandas.

            A Constituição Federal, Sr. Presidente, confere aos índios o direito sobre terras por eles habitadas em caráter permanente. Isso é verdade. Também lhes garante as áreas utilizadas em suas atividades produtivas e as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais indispensáveis ao seu bem-estar.

            Será que os índios da Raposa Serra do Sol vêm ocupando efetivamente 1,7 milhão de hectares dessas terras? Essa é uma indagação que precisa ser respondida.

            Por que, Sr. Presidente, a insistência de que toda essa reserva tem que ser contínua, quando se sabe que há ocupantes não-índios entre as comunidades indígenas, entre uma e outra dessas comunidades, como muito bem apontou aqui o Senador Augusto Botelho? Por que essa mesma insistência se a reserva, mesmo fatiada ou descontínua, em nada prejudica a atividade produtiva dos índios, mas causa grandes prejuízos a agricultores que há muito exploram a áreas?

            Pelo que me consta, Sr. Presidente, e hoje foi confirmado numa audiência sobre este mesmo tema aqui no Congresso, os índios Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona não são possuidores do perfil nômade que possa explicar tamanha reserva. São etnias que precisam de terras, sim, especialmente para a produção de alimentos e para geração de renda. Para atender a tais demandas não se faz necessário esse verdadeiro território que está gerando tanto conflito.

            O que está faltando para solucionar o problema é encontrar o ponto de equilíbrio entre os legítimos interesses que estão em jogo. É sabido que certas ONGs conspiram contra uma solução equilibrada e justa. Acredito que o Supremo Tribunal Federal, ao qual caberá julgar as ações propostas pelos interessados, vai acabar prolatando a decisão que mais atende aos interesses do País.

            Como já soou o alerta de vários Parlamentares, existem interesses que transcendem os de natureza pessoal ou grupal. A Suprema Corte haverá de conciliar o direito individual com os superiores interesses do Estado brasileiro.

            Outra informação muito positiva que não podemos deixar de aplaudir é a disposição do Exército brasileiro de instalar postos na região, a fim de que o território brasileiro seja preservado e que escape imune a esta cobiça internacional sobre a Amazônia, o que a muitos tranqüiliza aqui. Contudo, aqueles que têm clareza cristalina sobre o andar dessa carruagem sabem que o risco existe sim e é grande. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2008 - Página 14426