Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao projeto que estabelece novas regras para a concessão e a certificação das entidades do terceiro setor.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários ao projeto que estabelece novas regras para a concessão e a certificação das entidades do terceiro setor.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2008 - Página 14440
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, EXECUTIVO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ESTABELECIMENTO, NORMAS, CONCESSÃO, CERTIFICADO, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL.
  • DETALHAMENTO, DEFINIÇÃO, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, EXIGENCIA, DOCUMENTO, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, LEGALIDADE, FUNCIONAMENTO, COMENTARIO, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, DIVERSIDADE, SETOR, SOCIEDADE, APOIO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, CRIANÇA, EDUCAÇÃO, SAUDE.
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, SUPERIORIDADE, BUROCRACIA, OBTENÇÃO, CERTIFICADO, SOCIEDADE CIVIL, SEPARAÇÃO, SETOR, ATUAÇÃO.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEMONSTRAÇÃO, REPUDIO, PROJETO.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Não, Sr. Presidente. Acho que tem muitos Senadores e Senadoras que lutam bastante, assim como muitas pessoas da comunidade, para construção de dignidade, respeito, cidadania. É a marca, felizmente, de tanta gente pelo Brasil.

            Quero, Sr. Presidente, aproveitar esses minutos aqui para até pensar junto com a sociedade brasileira a respeito de um projeto enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei nº 3.021.

            Esse projeto de lei do Poder Executivo, que está na Câmara dos Deputados, vai ser apreciado por aquela Casa e pelas várias Comissões e depois chegará ao Senado, estabelece novas regras para a concessão e para a certificação das entidades do terceiro setor.

            Entidades do terceiro setor são aquelas que prestam, na minha ótica, um extraordinário serviço para o Poder Público, para a sociedade, substituem, muitas vezes, o Poder Público, inclusive. Em muitos casos, fazem algo melhor do que o Poder Público poderia fazer em termos de cidadania e, ao mesmo tempo, de uma maneira economicamente mais acessível.

            O primeiro setor é o público; o segundo setor é o privado; e o terceiro setor é o comunitário, confessional, sem fins lucrativos. A expressão correta é “sem fins lucrativos”. Ou seja, as entidades não distribuem lucros, não distribuem dividendos, e os resultados financeiros positivos são revertidos integralmente para os objetivos dessas entidades. Se um dia uma dessas entidades encerrar suas atividades, todo o patrimônio dela terá de ir para uma entidade congênere ou para o patrimônio público.

            Entre essas entidades do terceiro setor estão muitas da assistência social, como, por exemplo, as Apaes, meninos de rua, grupos que atendem a pessoas em doenças específicas, santas casas, escolas, pastorais, Pastoral da Criança. Quer dizer, a legislação permite que o povo se reúna, se organize, se associe para fins considerados, pela legislação, lícitos, quer dizer, legais, possíveis. Ninguém pode se unir, se associar para fins ilícitos.

            E essas entidades, essas associações que prestam um extraordinário serviço para a sociedade brasileira têm de ter um conjunto de documentos para serem consideradas legalmente instituídas. São elas as santas casas, instituições mais do que centenárias, as Apaes, que estão há quase 60 anos atendendo a pessoas com deficiência, as pastorais, a Pastoral da Criança, por exemplo, que atende a um milhão e meio de crianças em bolsões de pobreza no Brasil, tantas escolas confessionais ou comunitárias, ou universidades que por este Brasil afora trabalham a favor da educação em nosso País.

            Têm de possuir utilidade pública municipal, utilidade pública estadual, utilidade pública federal. Aqui em Brasília, têm também de ter os atestados no Conselho Nacional de Assistência Social, o atestado de chamado, o atestado de registro; têm de possuir o Cebas, que é o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, concedido só depois de três anos de funcionamento. Também o certificado de utilidade pública federal só é concedido após três anos de funcionamento. Essas entidades, a cada ano, têm de apresentar relatório detalhado para o Ministério da Justiça, para o Ministério da Previdência, para o Conselho Nacional de Assistência Social; têm de estar filiadas aos conselhos locais, ou da Criança e do Adolescente, ou de Assistência, ou da Saúde, enfim, dos conselhos que regem suas atividades.

            E o ponto fundamental dessas entidades é que prestam um extraordinário serviço para a sociedade. E sempre acho uma tristeza, uma pena, e a sociedade tem de pensar nisso também, quando surgem essas notícias de falcatruas e de desmandos em ONGs, Organizações Não-Governamentais. E dizemos que toda picaretagem, toda “pilantropia”, todo desvio, todo desmando têm de ser, na verdade, combatidos. Exige-se transparência, exigem-se bons trabalhos, participação da comunidade, envolvimento das pessoas, mas não é possível a gente misturar essas entidades.

            Adoto a posição: vamos punir quem merece ser punido, mas vamos reconhecer, valorizar, apoiar o extraordinário trabalho que milhões de pessoas fazem neste País.

            Basta dizer que na Pastoral da Criança, por exemplo, são duzentos mil voluntários no Brasil. Se a gente considerar que nas Apaes, Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais - existem duas mil entidades no Brasil -, em cada entidade, só na sua diretoria, conselho de administração, conselho fiscal são trinta, quarenta diretores, teremos oitenta mil pessoas envolvidas voluntariamente na condução dessas entidades, organizando, indo atrás de recursos, apoiando as famílias, vendo o que é necessário.

            Então é uma riqueza do País! A gente tem de cuidar dessa riqueza, e o Poder Público tem todos os instrumentos a sua disposição para que possa assim vigiar e fiscalizar essas entidades.

            O que acontece com esse Projeto nº 3.021, que o Governo, sem consultar a sociedade, sem discutir com essas entidades todas, mandou aqui para o Congresso Nacional? Há um sentido de desvalorização, de desprestigiamento, porque ninguém sabia que um projeto desses viria para cá. Isso está na contramão daquilo que deve ser feito no sentido de “vamos construir juntos, vocês são importantes, vamos discutir como é que as coisas podem ser melhoradas, venham dar uma lida nesse projeto para ver se é bom”. Nada disso aconteceu, ou seja, a desvalorização.

            Por trás de tudo isso, está um problema sério no Brasil que é a tentativa de estatização da comunidade. Isso é sério, porque existem muitas pessoas no segundo e terceiro escalões que dizem assim: “Não, a comunidade não precisa, ela não faz um bom trabalho”. Se nós não ajudarmos em nada, se ficarmos omissos naquilo que compete ao Poder Público, a comunidade vai continuar ajudando porque é uma vocação de grupos comunitários e confessionais continuarem ajudando à comunidade.

            Não houve diálogo. Ao mesmo tempo, o Governo diz: “Entidade, agora, se você atende educação, saúde, assistência, você precisa tirar um CNPJ para cada uma dessas atividades, você precisa esquartejar o ser humano para fazer o CNPJ”.

            Então, ficamos pensando: uma universidade que tem um hospital universitário, esse hospital universitário é educação? Claro que é educação porque é hospital universitário, de ensino. É de saúde? É de saúde também, porque está atendendo à população. É de promoção social para atender à comunidade carente que necessita de apoio, de uma atividade extra para sua dignidade? Também é. Então, esse hospital vai ter de ter três CNPJs: um para educação, um para saúde e um para assistência, quer dizer, um absurdo absoluto quando temos de pensar no ser humano como um ser integral, completo, que precisa de educação, saúde, assistência, esporte, lazer, cultura, trabalho, tudo junto. Como é que vamos dizer que isso que estou fazendo aqui é educação, mas se eu tomar mais uma atitude vou entrar na área da saúde. Então, isso será saúde, mas talvez seja assistência. Será que não é preparação para o trabalho? Aprender bem o Português na escola não é também preparação para o trabalho?

            Aprender bem Matemática não é uma preparação para o mundo do trabalho? Ao mesmo tempo...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Só tem um sentido eu estar até esta hora na Presidência: é garantir a sua voz, a sua palavra, que é em defesa dos mais necessitados e sofridos do nosso País.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - E se pensarmos, por exemplo, numa atividade da Pastoral da Criança? A Pastoral da Criança pesa as crianças pelo Brasil, para ver se a criança está naquele caminho da saúde, se não está no vermelho, o que significaria criança desnutrida. Vamos pensar juntos: o que é o ato de pesar a criança? O ato de pesar a criança é uma questão de saúde; quero ver se a criança está desnutrida. Mas o ato de pesar a criança também é um ato educacional, de formação da comunidade. E, sem dúvida alguma, é uma situação de promoção de desenvolvimento humano.

            Então, não tem cabimento. É um absurdo mais que absoluto chegarmos a um descalabro no Brasil em que cada atividade tenha que ter um CNPJ. É um esquartejamento do ser humano. Ao mesmo tempo, se diria àquele esforço que a sociedade fez durante quinze anos, vinte anos, de se organizar, de ter conselhos nacionais do idoso, da criança, da assistência, da saúde, conselhos estaduais, municipais: “não, vocês estão alijados do processo; não são mais vocês que decidem, é o Executivo que decide quem vai receber ou não uma certificação. As comunidades ficaram simplesmente alijadas.

            Eu sugeriria que o Brasil que nos ouve, que nos acompanha, que faz esse debate, lesse bem o Projeto de Lei nº 3.021, que está na Câmara dos Deputados, e visse o absurdo desse projeto. Eu até diria que muitas pessoas pelo Brasil estão pensando em fazer emendas para corrigir esse projeto. Na minha ótica, o projeto é incorrigível. As falhas são insanáveis, a mentalidade é ultrapassada; há desconhecimento dos órgãos públicos em relação ao que seja educação, assistência, saúde; essa integração de esforços pela comunidade é desconhecida. Então, é uma coisa absurda. Quer dizer, toda a sociedade brasileira do terceiro setor, que deveria estar pensando em como melhorar, em como se tornar mais transparente, mais participativa; o Poder Público dizer: “que bom que vocês existem, vamos trabalhar juntos, vamos criar mecanismos”. De repente vem uma lei que não cria absolutamente nada em termos de fiscalização, mas coloca muitas pedras no caminho da sociedade brasileira que quer fazer um bom trabalho nesse chamado terceiro setor.

            Então, a minha ênfase é sempre neste sentido. Na segunda-feira, participei de uma reunião em São Paulo com a Abruc - Associação Brasileira de Universidades Comunitárias; também com Anec - Associação Nacional de Escolas Confessionais, quer dizer, toda a área comunitária confessional, católica, evangélica, protestante, espírita, todas as áreas com a participação da CNBB, que inclusive disse que seria consultada antes de o projeto ser enviado ao Congresso, mas não foi.

            Quero mostrar para todo mundo, dentro da minha ótica, o absurdo que está acontecendo e pedir apoio para que todas as pessoas leiam e discutam essa iniciativa. Ser for o caso, e essa é minha opinião, que trabalhem junto aos Deputados federais para que esse projeto seja rejeitado no seu nascedouro, na sua origem.

            Que todos nós que amamos essa área, que gostamos dessa área - todos que têm uma experiência de 30 anos, de 40 anos e que querem ver uma coisa séria, transparente, a favor da cidadania -, que possamos dizer: “nós temos sugestões, um projeto a apresentar”. O Governo pode perfeitamente perguntar: "o que vocês sugerem?" Nos temos um projeto.

            É um desafio pensar bem sobre isso e rejeitar a iniciativa, por ser muito ruim para a sociedade brasileira.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2008 - Página 14440