Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação sobre a detenção de um cidadão italiano pela Polícia Federal, que no entender de S.Exa constitui caso de prisioneiro político.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Manifestação sobre a detenção de um cidadão italiano pela Polícia Federal, que no entender de S.Exa constitui caso de prisioneiro político.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2008 - Página 14519
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, DETENÇÃO, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, SUPERINTENDENCIA, POLICIA FEDERAL, ATENDIMENTO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, ESCRITOR, PRESO POLITICO, COMENTARIO, HISTORIA, ATIVIDADE POLITICA, PARTICIPAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, MILICIA, DEFESA, COMUNISMO, PERIODO, DITADURA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, INOCENCIA, REU, ACUSAÇÃO, HOMICIDIO, SOLICITAÇÃO, ANISTIA.
  • ELOGIO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, AUTORIA, JURISTA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DESCRIÇÃO, PROCESSO JUDICIAL, ORIGEM, GOVERNO ESTRANGEIRO, ITALIA, QUESTIONAMENTO, ACUSAÇÃO, INCOERENCIA, ALEGAÇÕES, MANIPULAÇÃO, JULGAMENTO, DEFESA, AUSENCIA, EXTRADIÇÃO, MOTIVO, PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL, DEVOLUÇÃO, PRESO POLITICO, CONDENAÇÃO, PRISÃO PERPETUA, DESRESPEITO, DIREITO DE DEFESA, EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • ENCAMINHAMENTO, PEDIDO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DIRETOR, POLICIA FEDERAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, PRESIDIO.
  • DEFESA, ANISTIA, MEMBROS, ABANDONO, GRUPO, GUERRILHA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, VIABILIDADE, LIBERDADE, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, SITUAÇÃO, REFEM, REGISTRO, APOIO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, GOVERNO ESTRANGEIRO, FRANÇA, COMPARAÇÃO, ORADOR, INCENTIVO, INDULTO, ESCRITOR.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a atenção da minha Líder, Senadora Ideli Salvatti.

Sr. Presidente, Senador Mão Santa, hoje, eu gostaria de tratar de um assunto referente a um italiano que se encontra detido na Superintendência da Polícia Federal de Brasília, que, no meu entender, constitui o caso de um prisioneiro político preso não a pedido do Governo brasileiro, mas do Governo italiano, do Presidente Berlusconi.

Há cerca de duas semanas, recebi a visita da escritora Fred Vargas e de Jo Vargas, sua irmã, que transmitiram a mim sua preocupação com relação às condições de prisão de Cesare Battisti, que se encontrava numa situação bastante difícil, em uma prisão com um número muito grande de pessoas, o que o estava deixando em condição de saúde bastante precária.

Eu, na oportunidade, de pronto, resolvi escrever uma carta ao Ministro Tarso Genro e ao Diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, para que fossem averiguadas as condições.

Resolvi, ontem, fazer uma visita a Cesare Battisti, e o Diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, assegurou-me essa oportunidade. Ao chegar lá, o Superintendente da Polícia Federal daquele estabelecimento providenciou para que eu pudesse receber o Cesare Battisti na sala de um delegado. Eu pedi ao delegado que ele não estivesse algemado quando conversasse comigo, o que foi aceito, pois ele, obviamente, não iria ali realizar uma fuga, muito menos realizar qualquer ação que pudesse necessitar das algemas.

Minha visita era um ato de boa-fé, de boa vontade e eu procurei, sobretudo, ouvi-lo. Porém, antes de visitá-lo, li parte do seu livro Minha Fuga Sem Fim, em que ele relata a sua história.

No início dos anos 70, Cesare Battisti, que hoje tem 54 ou 55 anos, participou ativamente, ainda jovem, de movimentos revolucionários, de movimentos progressistas na Itália. Ele fez parte da geração de 1968 que saiu às ruas e mobilizou-se em toda a Europa e no mundo inteiro para propugnar por liberdade, igualdade e fraternidade, ideais que V. Exª tanto ressalta, Senador Mão Santa. Ele gostaria que esses ideais existissem, mas o mundo à sua volta era muito diferente.

Então, alguns dos seus companheiros acabaram formando um movimento conhecido por Proletários Armados pelo Comunismo, que tinha como sigla PAC.

Cesare acreditava na construção do socialismo e, segundo ele próprio afirmou a mim, participou, naquela época, de um movimento que tinha a característica de uma ação revolucionária armada.

Entretanto, disse-me ele que ali, com as ações das Brigadas Vermelhas e a partir da tragédia do assassinato do Primeiro-Ministro Aldo Moro, Presidente da Itália e da Democracia Cristã, ele, embora membro do PAC, dos Proletários Armados para o Comunismo, assumiu para si a decisão de não mais participar de ações armadas que pudessem levar a qualquer morte, de quem quer que fosse. Desde então, assegurou-me, ele não mais participou de qualquer ação tal como a que foi objeto da denúncia.

Segundo o que é expresso na solicitação de extradição, Cesare Battisti teria participado de seis crimes de sangue: de Antonio Santoro, em 6 de junho de 77, em Udine; de Pierluigi Torregiani, em Milão, em 16 de fevereiro de 1979, de Lino Sabbadin, em Mestre, em 16 de fevereiro de 1979, e de Andrea Campagna, em Milão, em 19 de abril de 1979.

Ora, ainda que Cesare Battisti tenha expressado para mim que assume a responsabilidade de ter participado desse grupo e de ter responsabilidade na sua formação, com respeito aos crimes de homicídio, relatou que de maneira alguma deles participou e que, portanto, é inocente nos crimes pelos quais é acusado.

Acontece que, conforme ressalta o advogado, o ex-Deputado Federal Luiz Eduardo Greenhalgh, na sua defesa junto ao Exmº Sr. Ministro Cézar Peluzzo, que é o Relator do Processo de Extradição nº1.085, Cesare, na Itália, não teve o devido direito de defesa, não pôde estar presente pessoalmente, assim como seus advogados não puderam apresentar sua defesa, o que, obviamente, segundo a lei brasileira, é algo que não pode ocorrer. No Brasil, não pode haver o julgamento de uma pessoa sem que lhe seja assegurado o direito de defesa.

Sr. Presidente, um dos mais eminentes juristas brasileiros, Dalmo de Abreu Dallari, ainda no último sábado, publicou um artigo “Extradição e direitos humanos” no Jornal do Brasil sobre este assunto que considero tão importante, relevante para a decisão que está por ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal.

Aqui vou ler este artigo e encaminhá-lo ao Ministro Cezar Peluso, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como ao próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que o embaixador italiano e os representantes do governo italiano de Berlusconi têm insistido muito com respeito a essa decisão.

Diz Dalmo Dallari, eminente professor e jurista:

O Supremo Tribunal Federal tem, neste momento, a responsabilidade de decidir se o Brasil atenderá a um pedido de extradição formulado pelo governo italiano, tendo por objeto Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua como autor de quatro homicídios e que estava vivendo no Brasil desde março de 2004.

Cesare Battisti é um nome bastante conhecido como autor de novelas policiais, tendo já publicado 12 livros, o último deles de caráter autobiográfico, intitulado “Minha fuga sem fim”, publicado no Brasil pela Editora Martins, em 2007. Sua história, a época e a circunstância em que teria cometido os homicídios, o motivo pelo qual teria praticado aqueles crimes, os dados constantes do processo, tudo isso deverá ser cuidadosamente avaliado pelo Supremo Tribunal Federal, que, obviamente, deverá levar em conta as disposições da Constituição brasileira aplicáveis ao caso.

Se, de um lado, não deve ser dada proteção a um criminoso que atentou contra um dos direitos humanos fundamentais, que é o direito à vida, não será legal e justo entregá-lo para o cumprimento de uma pena perpétua se os fatos que embasaram o seu julgamento forem manifestadamente falsos ou de muito duvidosa veracidade. Assim, também, não será juridicamente correta a extradição se a Constituição brasileira não admite a incriminação dos atos de que ele teria participado ou se a pena imposta for expressamente interdita por norma constitucional.

Examinando-se os dados enviados pelo governo italiano, verifica-se que há alguns pontos que suscitam sérias dúvidas ou, mais ainda, deixam evidentes que pelo menos uma parte das acusações é absolutamente falsa. Com efeito, emitindo o parecer sobre o pedido, o Procurador-Geral da República escreveu que “‘foram respeitados, à primeira vista, os direitos básicos de defesa”.

Mas, ao mesmo tempo, existe a informação de que o julgamento foi à revelia, sem a presença e a participação do acusado ou de um seu advogado, o que deixa evidente que não foi assegurado o direito à ampla defesa universalmente consagrado [inclusive pela Constituição brasileira]. Quanto aos homicídios, a informação é de que um deles ocorreu no dia 16 de fevereiro de 1979, às 15h, na cidade de Milão, e o outro foi cometido no mesmo dia, às 16h50min, na cidade de Mestre. Ora, a distância entre essas duas cidades é de cerca de 500 quilômetros, o que deixa fora de dúvida que, ou as informações estão erradas ou são absolutamente falsas.

A par disso, informa-se que o acusado começou a militar na esquerda radical italiana quando ainda estudante, em 1968. Nessa época, teve início a luta acirrada entre o governo da direita, extremamente radical e arbitrário, e a esquerda, que tinha várias organizações e recorreu, inclusive, à luta armada, o que caracterizou os chamados “anos de chumbo” da história italiana.

Precisamente nesse ambiente, na década de 70, Cesare Battisti foi preso e acusado de homicídios. Ele nunca negou a participação no movimento de esquerda, mas jamais admitiu que tenha matado alguém. De qualquer modo, não há dúvida de que sua participação naqueles eventos teve motivação política. E a Constituição brasileira estabelece, no art 5º, que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político. Além disso tudo, que exige séria reflexão, a Constituição, em seu art. 5º, inciso XLII, estabelece que “não haverá penas: a) de morte; b) de caráter perpétuo”. Atento a esse ponto, que é impeditivo da extradição, o Procurador da República concluiu seu parecer dizendo que o Estado italiano “deve substituir a pena de prisão perpétua pela privativa de liberdade limitada a 30 anos”

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         Ora, a Constituição italiana adota a separação dos Poderes e afirma expressamente a independência do Judiciário, o que impede o governo italiano de alterar uma pena fixada em processo judicial. Em síntese, esse pedido de extradição envolve questões básicas de natureza ética e jurídica. Não seria aceitável deixar-se impune quem atentou contra o direito à vida, mas seria iníquo e injusto colaborar para a imposição de uma pena que, além de perpétua, criando um morto-vivo, seja baseada em arbitrariedades e falsidades, contrariando princípios e normas expressamente consagradas na Constituição brasileira.

Assim, Sr. Presidente, quero ainda aduzir que, ontem, fiz uma comunicação ao Ministro Tarso Genro, quando de sua audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, e ao Diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, sobre as condições de prisão, pois o Superintendente da Polícia Federal me disse onde cabem 12 hoje estão 50. Com narcotraficantes, com assassinos e com outros, o próprio Superintendente da Polícia Federal e o Delegado que ali esteve comigo disseram que não são próprias as condições para Cesare Battisti, que é um escritor, estar ali.

Portanto, hoje, o Dr. Romeu Tuma, Secretário Nacional de Justiça, me telefonou, tendo em vista essa minha comunicação ao Ministro Tarso Genro, e disse que está tomando as providências, levando em conta as limitações obviamente da Justiça e da lei, para a transferência de Cesare Battisti possivelmente para a Papuda, onde, numa cela individual, terá melhores condições inclusive para escrever os seus textos, os seus livros e assim por diante.

Mas espero sinceramente, Sr. Presidente, diante dessas circunstâncias, que possa o escritor Cesare Battisti ser objeto de uma decisão sábia, de bom senso do Supremo Tribunal Federal na direção de indeferir o pedido de extradição, tendo em vista impropriedades no processo apontadas nesse artigo do professor Dalmo Dallari e também pelo advogado de defesa Luiz Eduardo Greenhalgh, tais como as comprovadas pelos documentos juntados no pedido. Cesare Battisti nunca foi ouvido, não teve oportunidade de contar provas - e, no caso, nem provas existem, mas acusações de “arrependido” - e nunca foi citado pessoalmente ou interrogado.

Os advogados, que escolheu no primeiro processo, foram presos, e os dativos estatais juntaram procuração falsa para justificar a presença no processo e obtiveram benefícios para outros clientes, inculpando Cesare.

Cesare Battisti deverá cumprir, na Itália, pena de prisão perpétua, uma punição inexistente no sistema penal brasileiro, aplicada à revelia dele, o que já atenta contra as garantias constitucionais brasileiras.

Espero que a decisão sábia e de bom senso do Supremo Tribunal Federal, dos eminentes Ministros, seja a de indeferir esse pedido.

Sr. Presidente, o próprio Presidente Sarkozy está empenhado, como eu, para que Ingrid Betancourt seja libertada dos seqüestradores das Farc, lá na Colômbia. Isso está dependendo, inclusive, da própria decisão do governo colombiano de dizer àqueles que estão presos por terem participado de ações armadas das Farc que, se renunciarem à ação armada, ao narcotráfico, poderão viver em liberdade.

Ora, se o próprio Presidente Sarkozy considera tão importante, como eu considero a questão para a humanidade, a libertação de Ingrid Betancourt - e disso vai depender do diálogo, que espero seja logo retomado, eu quero colaborar, quero que o Presidente Lula colabore também. Ora, se é importante a ação de anistia para os que participaram das Farc, então por que não considerar a anistia de Cesare Battisti, que, obviamente, tem dito, pelos seus livros, pelas suas declarações e pelo que me disse ontem, pessoalmente, na prisão da Polícia Federal, que, desde que ocorreu a morte de Aldo Moro, não quer, renunciou e não recomenda...

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...ação de sangue contra quaisquer seres humanos?

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2008 - Página 14519