Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a reforma no sistema tributário nacional.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Reflexão sobre a reforma no sistema tributário nacional.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2008 - Página 14963
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEFESA, PRIORIDADE, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, INSTRUMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, JUSTIÇA SOCIAL, COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CONCENTRAÇÃO DE RENDA, BRASIL, INJUSTIÇA, TRIBUTAÇÃO, CLASSE SOCIAL, COMPARAÇÃO, INDICE, ARRECADAÇÃO, PERCENTAGEM, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INCIDENCIA, PATRIMONIO, RENDA, SUPERIORIDADE, REFERENCIA, CONSUMO, EFEITO, PRIVILEGIO, RIQUEZAS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, UNIFICAÇÃO, IMPOSTOS, APREENSÃO, PERDA, DESTINAÇÃO, RECEITA, EDUCAÇÃO, SEGURIDADE SOCIAL.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, PROPOSTA, RETIRADA, ONUS, FOLHA DE PAGAMENTO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), TRABALHADOR.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, PROPOSTA, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, ESPECIFICAÇÃO, REVOGAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, ATUALIDADE, FAVORECIMENTO, BANCOS, CAPITAL ESTRANGEIRO, CAPITAL ESPECULATIVO, EXPORTADOR, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, IMPOSTO TERRITORIAL RURAL, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, SONEGAÇÃO.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma tributária a que me referi há poucos instantes, num aparte que dei ao Senador José Agripino, é um tema importante, que deve ser, a meu ver, prioritário nas discussões do Congresso Nacional.

            A sociedade civil já tem como certo que a reforma no sistema tributário brasileiro é peça importante para o desenvolvimento social, para que as políticas de combate à pobreza, o crescimento econômico e a justiça social sejam realidades neste nosso País, que, apesar das inúmeras mudanças que o Governo tem implementado, ainda é considerado um País considerado em desenvolvimento, justamente porque ainda apresenta índices de desenvolvimento humano que não são compatíveis com a riqueza que aqui é produzida.

            Sr. Presidente, dados atuais do Ipea indicam que os 10% mais ricos do Brasil detêm 75% da riqueza nacional. Isto é, mesmo diante dos que indicam inquestionáveis benefícios advindos dos programas sociais para o combate à pobreza, a desigualdade social, estrutural no Brasil ainda permanece inalterada. Para se ter uma idéia, o economista, professor e hoje Presidente do Ipea, Márcio Pochmann, que foi organizador dessa pesquisa, diz o seguinte: “Se hoje a renda fosse distribuída, estaria garantida a cada brasileiro seis vezes mais aquilo do que ele necessita para sobreviver”.

            Temos um grave problema de distribuição de renda no Brasil. E é aqui que a reforma tributária cumpre um papel fundamental - sem que isso signifique que ela é a solução única desse grave e histórico problema nacional, que é a desigualdade.

            Creio que uma reforma tributária deve ter como objetivo central a eqüidade social, e não a punição da riqueza. E isso significa que todos os brasileiros podem usufruir da riqueza que é produzida no País.

            Ora, nosso atual modelo tributário, Sr. Presidente, com a fixação de impostos indiretos que incidem sobre o consumo, bem como os impostos diretos sobre a renda e a propriedade, contribuem para aumentar essa desigualdade. Hipoteticamente, uma pessoa que ganha R$300,00 por mês e que gasta todo o seu dinheiro com consumo vai pagar 20% em tributos fixos, isto é, R$60,00, o que representa 20% do total do seu salário. Já uma pessoa com renda de R$30.000,00 mensais e que gasta R$3.000,00 com consumo paga R$600,00 de impostos, o que representa apenas 2% do total do seu salário.

            Aliás, aquela mesma pesquisa do Ipea e do professor Márcio Pochmann indica que a tributação pesa muito mais sobre os pobres. Para se ter uma idéia, os 10% mais pobres no Brasil pagam 44,5% mais do que os 10% mais ricos.

            O estudo mostra que a carga tributária representa 22,7% da renda dos 10% mais ricos. Para os 10% mais pobres, o ônus da carga tributária equivale a 32,8%.

            No caso do imposto de renda, dados do IBGE de 2005 demonstram que 45% dos 460 proprietários dos maiores patrimônios declarados no País (estimados entre US$19,2 milhões e US$784,3 milhões) pagaram menos de US$20 mil, ou seja, os 460 proprietários dos maiores patrimônios do País pagaram menos de US$20 mil. Destes, 12% justificaram o aumento de seus patrimônios com rendimentos não-tributáveis e 5% não declararam rendimento patrimonial. Esses mesmos 460 contribuintes, grandes contribuintes, declararam rendimentos semelhantes aos de simples cidadãos de classe média. No Brasil, a tributação sobre o patrimônio é de apenas 3% do PIB e sobre a renda é de 7,1%, enquanto que sobre o consumo a tributação representa 47,9%. Quem consome mais? É a grande população, é a pobreza do Brasil.

            Uma outra forma de tributação é sobre o patrimônio, como o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, que acontece na forma de doações e heranças. Geralmente, cobram-se 4% de imposto sobre os valores dos bens ou direitos (porque essa legislação é feita por cada Estado), não importando tratar-se de R$1 bilhão ou de R$ 10 mil. Além disso, essa cobrança é dez vezes menor do que os impostos sobre os alimentos, por exemplo. É de 4%, não importa o valor.

            Vejam os senhores que o economista Rodrigo Ávila diz que o Brasil insiste em focar a cobrança de impostos pelo consumo, não pela renda, garantindo privilégios ao grande empresariado, a exportadores e, para completar, a estrangeiros que investem na especulação financeira da dívida interna do País, tais como: a isenção do Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros para sócios das empresas, tanto no Brasil como no exterior; ienção de Imposto de Renda para remessa de lucro de investidores estrangeiros.

            Dessa forma, a carga tributária sobre a renda, lucros e ganhos é cobrada de forma regressiva no Brasil, ou seja, quem tem menos paga mais impostos e quem tem mais, por sua vez, paga menos, como acabamos de demonstrar.

            Sr. Presidente, é lamentável, mas no Brasil a carga tributária é alta e concentrada na população mais pobre. Porém, é baixa em relação aos extratos superiores de riqueza. Os ricos praticamente não pagam impostos, tanto porque encontram brechas na legislação, isenções ou pela falta de leis, como taxas sobre riqueza e herança.

            Assim, a proposta de reforma tem de mudar o modelo tributário, Sr. Presidente, e não somente unificar alguns impostos que já existem, pois aqueles que pagam a conta (e que não têm capacidade econômica para tanto) continuarão sendo os mesmos de hoje.

            Não posso deixar de mencionar que a reforma tributária contempla o IVA federal, que é a unificação de alguns tributos que já existem. Unifica a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o PIS (Programa de Integração Social), a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e, também, o salário-educação. Isso seria, talvez, uma simplificação do procedimento, mas também não muda a essência, que é a tributação sobre o consumo. E o pior, corre-se o risco de se perderem recursos para a educação, porque seria desconstitucionalizada a destinação. O Governo garante que uma parte desse IVA federal irá para a educação, de modo que não haja perdas, mas vamos ver se isso realmente vai ocorrer.

            Na medida, ainda, em que PIS e Cofins transformam-se em IVA federal e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido é incorporada ao Imposto de Renda, a proposta de reforma tributária transforma a contribuição em imposto, o que significa que não haverá uma legislação específica que vincule a destinação do recurso arrecadado. Assim, será também retirada da Constituição a destinação para a seguridade social. Isso é um novo ataque ao sistema de proteção social brasileiro, que, desde a promulgação da Carta de 1988, já sofreu inúmeros retrocessos no seu financiamento e orçamento autônomos do Orçamento Fiscal da União.

            Certamente, então, vai ser mais fácil uma iniciativa futura de desviar esses recursos da seguridade, porque deixam de ser contribuição (tributação com legislação vinculada). Portanto, temos de avaliar como será isso, pois podem surgir brechas para desvios da seguridade social, que abrange previdência, saúde e assistência social.

            Por fim, devemos ter muita atenção sobre o ponto da proposta que desonera a folha de pagamento, porque não está claro o que será feito para compensar essa desoneração. Aliás, é bom ter em mente que quem mais paga a contribuição sobre a folha, com desconto direto em seu contracheque, é o trabalhador assalariado. Ora, se essa medida vingar, a proposta de reforma tributária precisa esclarecer para onde vai esse dinheiro, porque quem vai embolsar isso são as empresas, até porque o dinheiro do INSS não é do Governo, é do trabalhador.

            Portanto, a reforma tributária diminui a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e não tributa a empresa para compensar. Ou seja, seria um ataque aos direitos dos trabalhadores e propiciaria aos incautos, no futuro, vir com aquela falácia do déficit da previdência, porque iriam considerar que a arrecadação da previdência diminuiu e, aí, teria de se fazer reforma.

            Há que se tomar cuidado para que os trabalhadores não percam parte de seus benefícios. Todavia, uma reforma tributária com justiça social poderia trazer (também) outras propostas significativas, tais como:

            a) deveriam ser revogadas as isenções que foram concedidas ao grande capital como, por exemplo, aquela isenção no Imposto de Renda sobre distribuição dos lucros e a dedução de juros sobre capital próprio, que permite às empresas deduzirem do Imposto de Renda os juros que elas teriam de pagar se tivessem tomado seu capital emprestado - uma ficção jurídica que beneficia principalmente os bancos, que são muito capitalizados;

            b) revogação da isenção prevista na Lei Kandir, que hoje isenta produtos exportados de ICMS: grandes produtores, agrobusiness, mineradores, principalmente a Vale do Rio Doce, que lucra dezenas de bilhões por ano e não paga ICMS, são beneficiados, ou seja, é um grande privilégio de pessoas que poderiam pagar ICMS e não pagam, embolsando um lucro bilionário, e uma injustiça que deveria ser revogada;

            c) outra isenção a ser revogada: os bancos pagavam, até 1988, uma alíquota de 30% de CSLL, Contribuição Sobre o Lucro Líquido, que, depois, foi reduzida para 9%, o que não é suficiente diante dos lucros dos bancos. Observa-se que dados divulgados no jornal Folha de S.Paulo do dia 15 de maio mostram que o lucro, nos últimos anos, de 18 bancos brasileiros está acima dos 20% do nível já considerado altíssimo da chamada “rentabilidade sobre o patrimônio líquido”;

            d) os investidores estrangeiros que especulam com a dívida interna no Brasil, em 2006, por meio da Lei nº11.312, estão isentos do Imposto de Renda. Isso é uma injustiça. O trabalhador tem de pagar imposto a partir de uma tabela de Imposto de Renda super-defasada, que confisca a sua renda, enquanto o estrangeiro que vem especular está isento. Então, todas essas isenções deveriam terminar;

            e) o ITR (Imposto Territorial Rural) arrecada, hoje, aproximadamente R$300 milhões por ano. É quase o que um bairro de São Paulo arrecada de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ao ano. O ITR deveria ser reformulado, de modo que os grandes proprietários rurais, os grandes latifundiários pagassem mais imposto.

            Portanto, é preciso cortar os impostos sobre o consumo e começar a tributar mais a renda, o lucro e a propriedade. Países desenvolvidos sempre fizeram isso. Nos países desenvolvidos, a principal fonte de arrecadação é a renda, enquanto que no Brasil é o consumo.

            Essas seriam, portanto, Sr. Presidente, as medidas que poderiam ser implementadas E elas são compatíveis com a reforma tributária proposta.

            Senador Mão Santa, concedo aparte a V. Exª antes de encerrar o meu discurso.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Antonio Carlos Valadares, é realmente necessária uma reforma tributária. Enquanto ela não vem - e acho que não vai vir, estamos num ano eleitoral, essas dificuldades a história conta - a gente devia combater o Governo e o sonegador. Eu daria o exemplo solene dos países civilizados. Os Estados Unidos pegaram o Al Capone por sonegação; ele tinha muitos crimes, a Lei Seca...

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sonegação de Imposto de Renda.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - É, ele burlava a Lei Seca, crime de homicídio, de máfia; mas foi no Imposto que prenderam o homem. E não é só ele, não. O grande exemplo do respeito à lei, dura lex sed lex: V. Exª sabe o nome do vice-Presidente de Richard Nixon? Ninguém sabe porque, antes de cassarem o Richard Nixon, pegaram o vice por sonegação. Disseram: renuncia ou você vai preso. Não é? O Senado. Então, enquanto não vem a reforma tributária, que é justa, que é necessária, nós poderíamos combater os sonegadores. Agora, o grande exemplo dos Estados Unidos é que o vice era do partido do Presidente. E entrou antes do Richard Nixon porque sonegava Imposto.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª.

            O substituto do Senador Nixon foi o Gerald Ford. Foi o Ford, o vice-Presidente...

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O vice foi ameaçado pelo Senado para renunciar porque ele seria cassado e preso por sonegação de imposto.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - O Ford foi o substituto.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Aí entrou o Presidente do Congresso, que era o Ford. Mas foi justamente o vice-Presidente dele, que não foi para a história, não assumiu porque detectaram que ele sonegava imposto.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Para V. Exª ver a seriedade com que a política americana conduz o seu imposto de renda. Os sonegadores são punidos não só politicamente e institucionalmente; eles são punidos também com a cadeia. Aqui no Brasil, infelizmente, ainda os sonegadores estão livres de uma fiscalização mais intensa, mais permanente, mais rigorosa, principalmente aqueles que detêm grandes fortunas porque contratam escritórios de advocacia que defendem os seus interesses, vão da primeira à última instância e praticamente não acontece nada. Por isso precisamos mudar, não somente nosso sistema tributário, como também a forma de punição, a processualística daqueles que são investigados por sonegação de impostos.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

 

*********************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES. 

*********************************************************************************

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma tributária é um tema sempre recorrente. A sociedade civil já tem como certo que a reforma no sistema tributário brasileiro é peça importante para o desenvolvimento social, isto é, para que as políticas de combate à pobreza, o crescimento econômico e a justiça social sejam realidades nesse nosso país que, apesar das inúmeras mudanças que o governo Lula tem gerado, ainda é um país considerando “em desenvolvimento”, justamente porque ainda apresenta índices de desenvolvimento humano que não são compatíveis com a riqueza que aqui é produzida.

Para se ter uma idéia, em 2000 existiam 1,162 milhão de famílias ricas no país (2,4% da população brasileira) com uma renda mensal média de R$ 22.487. Um valor 14 vezes maior do que a renda média do país e cerca de 80 vezes superior à considerada abaixo da linha de pobreza. Os dados constam do “Atlas da Exclusão Social - Os Ricos no Brasil” feito com base em informações dos censos de 1980 e 2000 e da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio).

Com relação ao impacto da renda dos ricos sobre o PIB, essa pesquisa revela que as cinco mil famílias “muito ricas” (0,01% do total) reúnem um patrimônio que representa 45% do PIB, acumulando R$ 691 bilhões, de acordo com dados de 2003.

Dados atuais do IPEA indicam que os 10% mais ricos no Brasil detêm 75% da riqueza. Ou seja, mesmo diante dos dados que indicam os inquestionáveis benefícios advindos dos programas sociais para o combate à pobreza, a desigualdade social estrutural no Brasil ainda permanece inalterada.

Para se ter uma idéia, o economista, professor e hoje presidente do IPEA, Márcio Pochmann, que foi o organizador da pesquisa, diz que “se hoje a renda fosse distribuída, estaria garantida a cada brasileiro seis vezes mais aquilo o que ele necessita para sobreviver”.

Senhor presidente, temos um grave problema de distribuição da riqueza que é produzida. E é aqui que a reforma tributária cumpre um papel fundamental - sem que isso signifique que ela é a “solução única” desse grave e histórico problema nacional.

Creio que uma reforma tributária deve ter como objetivo central a eqüidade social e não a punição da riqueza. E isto significa que todos os brasileiros possam usufruir da riqueza que é produzida no país.

Ora, o nosso atual modelo tributário, com a fixação de impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo, bem como os impostos diretos sobre a renda e a propriedade, contribuem para aumentar esta desigualdade. Hipoteticamente, uma pessoa que ganha R$ 300 por mês e gasta todo o seu dinheiro com consumo, vai pagar 20% em tributos fixos, ou seja, R$ 60, o que representa 20% do total do seu salário. Já uma pessoa com renda de R$ 30.000 mensais, e que gasta R$ 3.000 com consumo, paga R$ 600 em impostos, o que representa apenas 2% do total do seu salário.

Aliás, aquela mesma pesquisa do IPEA e do professor Márcio Pochmann indica que a tributação pesa muito mais sobre os pobres. Para se ter uma idéia, os 10% mais pobres no Brasil pagam 44,5% mais do que os 10% mais ricos.

Srªs. e Srs. Senadores, o estudo mostra que a carga tributária representa 22,7% da renda dos 10% mais ricos. Para os 10% mais pobres o ônus da carga tributária equivale a 32,8%.

No caso do imposto de renda, dados do IBGE de 2005 demonstram que 45% dos 460 proprietários dos maiores patrimônios declarados no país (estimados entre US$ 19,2 milhões e US$ 784,3 milhões) pagaram menos de US$ 20 mil. Destes, 12% justificaram o aumento de seus patrimônios com rendimentos não tributáveis e 5% não justificaram o aumento patrimonial. Estes mesmos 460 contribuintes declararam rendimentos semelhantes a simples cidadãos de classe média. No Brasil, a tributação sobre o patrimônio é de apenas 3% do PIB e sobre a renda de 7,1%, enquanto que sobre o consumo, representa 47,9%.

Uma outra forma de tributação é sobre o patrimônio, como o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, que acontece na forma de doações e herança. Geralmente cobra-se 4% de imposto sobre valores dos bens ou direitos (porque essa legislação é feita por cada Estado), não importando se trata-se de 1 bilhão ou 10 mil reais. Além disso, esta cobrança é 10 vezes menor do que os impostos sobre os alimentos, por exemplo.

Vejam os senhores que o economista Rodrigo Ávila diz que o Brasil insiste em focar a cobrança de impostos pelo consumo, não pela renda, garantindo privilégios ao grande empresariado, exportadores e, para completar, estrangeiros que investem na especulação financeira da dívida interna do país, tais como: a isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros para sócios das empresas, tanto no Brasil como no exterior; isenção de imposto de renda para remessa de lucro e investidores estrangeiros.

Desta forma, a carga tributária sobre a renda, lucros e ganhos é cobrada de forma regressiva no Brasil. Ou seja, quem tem menos, paga mais impostos e quem tem mais, por sua vez, paga menos, como acabamos de demonstrar.

Sr. Presidente, é lamentável, mas no Brasil a carga tributária é alta e concentrada na população pobre. Porém, é baixa em relação aos extratos superiores de riqueza. Os ricos praticamente não pagam impostos, tanto porque encontram brechas na legislação, isenções ou pela falta de leis, como taxas sobre a riqueza e herança.

Assim, a proposta de reforma tem que mudar o modelo tributário e não somente unificar alguns impostos que já existem, pois aqueles que pagam a conta (e que não tem capacidade econômica para tanto) continuarão sendo os mesmos de hoje.

Não posso deixar de mencionar que a reforma tributária contempla o IVA federal, que é a unificação de alguns tributos que já existem. Unifica a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), PIS (Programa de Integração Social), CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), e também o salário educação. Isso seria talvez uma simplificação do procedimento, mas também não muda a essência, que é a tributação sobre o consumo.

E o pior, corre-se o risco de se perderem recursos para a educação. Porque seria desconstitucionalizada a destinação. O governo garante que uma parte desse IVA federal irá para a educação, de modo que não haja perdas, mas vamos ver se isso realmente vai ocorrer.

Na medida, ainda, em que PIS e COFINS transformam-se em IVA federal e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido é incorporada ao Imposto de Renda, a proposta de reforma tributária transforma a contribuição em imposto, o que significa que não haverá uma legislação específica que vincule a destinação do recurso arrecadado. Assim, será também retirada da Constituição a destinação para a seguridade social. Isso é um novo ataque ao sistema de proteção social brasileiro que desde a promulgação da Carta de 1988 já sofreu inúmeros retrocessos no seu financiamento e orçamento autônomo do orçamento fiscal da União.

Certamente, então, vai ser mais fácil uma iniciativa futura de desviar esses recursos da seguridade, porque deixam de ser contribuição (tributação com legislação vinculada). Portanto, temos que avaliar como será isso, pois podem surgir brechas para desvios da seguridade social que abrange a previdência, saúde e assistência social.

Por fim, devemos ter muita atenção sobre o ponto da proposta que desonera a folha de pagamento, porque não está claro o que será feito para compensar essa desoneração. Aliás, é bom ter em mente que quem mais paga a contribuição sobre a folha, com desconto direto em seu contracheque é o trabalhador assalariado. Ora, se essa medida vingar, a proposta de reforma tributária precisa esclarecer para onde vai esse dinheiro, porque quem vai embolsar isso são as empresas, até porque o dinheiro do INSS não é do governo, é do trabalhador.

Portanto, a reforma tributária diminui a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento e não tributa a empresa para compensar. Ou seja, seria um ataque aos direitos dos trabalhadores e propiciaria aos incautos no futuro vir com aquela falácia do déficit da previdência, porque iria considerar que a arrecadação da previdência diminuiu, e aí tem que fazer reforma... Há que se tomar cuidado para que os trabalhadores não percam parte de seus benefícios.

Todavia, uma reforma tributária com justiça social poderia trazer (também) outras propostas significativas, tais como:

a) deveriam ser revogadas as isenções que foram concedidas ao grande capital. Por exemplo: aquela isenção no imposto de renda sobre distribuição dos lucros; e a dedução de juros sobre capital próprio, que permite às empresas deduzirem do IR os juros que elas teriam pago se tivessem tomado seu capital emprestado, uma ficção jurídica que beneficia principalmente os bancos, que são muito capitalizados.

b) revogação da isenção prevista na lei Kandir, que hoje isenta produtos exportados de ICMS. Grandes produtores, agrobusiness, mineradores - principalmente a Vale do Rio Doce, que lucra dezenas de bilhões por ano e não paga ICMS são beneficiados, ou seja, é um grande privilégio a pessoas que poderiam pagar ICMS e não pagam, embolsando um lucro bilionário. É uma injustiça que deveria ser revogada.

c) outra isenção a ser revogada: os bancos pagavam até 1998 uma alíquota de 30% de CSLL, que depois foi reduzida para 9%. Não é suficiente diante dos lucros dos bancos. Observa-se que dados divulgados no Jornal Folha de S. Paulo, do dia 15 de maio, mostram que o lucro, nos últimos anos, de 18 bancos brasileiros está acima dos 20% do nível já considerado altíssimo da chamada “rentabilidade sobre o patrimônio líquido”.

d) os investidores estrangeiros que especulam com a dívida interna no Brasil, em 2006, por meio da lei 11.312, estão isentos de IR. Isso é uma injustiça. O trabalhador tem que pagar imposto a partir de uma tabela de IR super defasada, que confisca sua renda, enquanto o estrangeiro que vem especular está isento. Então, todas essas isenções deveriam terminar.

e) O ITR (Imposto Territorial Rural) arrecada, hoje, aproximadamente 300 milhões de reais por ano, é quase o que um bairro de São Paulo arrecada de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ao ano. O ITR deveria ser reformulado, de modo que os grandes proprietários rurais pagassem.

Portanto, é preciso cortar os impostos sobre o consumo e começar a tributar mais a renda, o lucro, a propriedade. Países desenvolvidos sempre fizeram isso. Nos países desenvolvidos, a principal fonte de arrecadação é a renda, enquanto, no Brasil, é o consumo. Essas seriam, portanto, as medidas que poderiam ser implementadas e elas são compatíveis com a reforma tributária que foi proposta.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2008 - Página 14963