Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate acerca da crise que acomete a política contemporânea.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL. LEGISLATIVO.:
  • Debate acerca da crise que acomete a política contemporânea.
Aparteantes
Flexa Ribeiro, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2008 - Página 15817
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, POLITICA INTERNACIONAL, FALTA, CONFIANÇA, OPINIÃO PUBLICA, ORIGEM, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO POLITICO, POSSIBILIDADE, TRANSFORMAÇÃO, CONCEITO, ATIVIDADE POLITICA, VELOCIDADE, MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO, MODELO ECONOMICO, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, METODOLOGIA, LEGISLATIVO, ATENDIMENTO, DEMANDA, POPULAÇÃO, COMENTARIO, CRESCIMENTO, IMPORTANCIA, TRABALHO, COMISSÃO TECNICA, COMPARAÇÃO, PLENARIO, ESPECIALIZAÇÃO, ESTUDO, PRODUÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, MODELO, PRESIDENCIALISMO, EFEITO, CRISE, LEGISLATIVO, DIFICULDADE, FORMAÇÃO, MAIORIA, EXCESSO, NUMERO, PARTIDO POLITICO, CRITICA, VALORIZAÇÃO, QUANTIDADE, MATERIA, TRAMITAÇÃO, IMPORTANCIA, INFLUENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DECISÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, FINANCIAMENTO, SAUDE PUBLICA.
  • AVALIAÇÃO, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ATUAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, BENEFICIO, DEMOCRACIA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Garibaldi, Srªs e Srs. Senadores, há algum tempo, acompanho, com a atenção devida, o debate acerca da crise que acomete a política contemporânea. Longe de ser exclusividade brasileira, ou mesmo latino-americana, trata-se de fenômeno universal. Com maior ou menor intensidade, o certo é que as instituições políticas tradicionais tendem a padecer da falta de credibilidade tão necessária ao desempenho de suas funções.

Aqui mesmo, neste plenário, não foram poucas as vozes abalizadas de Senadores que expuseram seus temores e seu desconforto, em especial no que concerne à fragilidade do Parlamento.

Em tese, são posições corretas, fruto da acurada reflexão e sustentadas por longa vivência e reconhecida experiência no meio político. São pontos de vista respeitáveis e merecedores de apoio que eu, aliás, não me furtaria a oferecer neste momento.

Penso, no entanto, que por sob a aparência de crise - visível e inquestionável - há algo de mais profundo, que deita raízes no tempo e que, por isso mesmo, deve aguçar nosso interesse por desvelá-lo. Nesse sentido, julgo ser o exame, ainda que breve, da história contemporânea, tanto a do Brasil quanto a do mundo, o caminho mais conveniente a ser trilhado. Ao empreender essa caminhada, ainda que nos restrinjamos a um período limitado de tempo, talvez inferior a um século, haveremos de vislumbrar sinais esclarecedores e pistas seguras a serem perseguidas na busca de explicação para o fenômeno que tanto nos aflige.

Em primeiro lugar, sugiro que repensemos o conceito de crise, não nos atendo à percepção que dela tem o senso comum. Creio que, ao nos afastarmos do sentido usual do termo, comprovaremos que nem toda crise denota caráter negativo, Sendo verdade que crise corresponde a situações ou contextos de ruptura, a fuga dos padrões da normalidade ou da regularidade existente, ela bem pode também significar mudança para melhor. A esse respeito, ouso afirmar: nada supera o próprio exemplo da vida humana para a confirmação dessa possibilidade.

Como bem o sabemos, Sr. Presidente, não há período mais intrinsecamente crítico na vida de uma pessoa do que a adolescência. Por que isso se dá? Ora, a adolescência nada mais é do que o momento da transformação profunda, do que grande salto que nutre o vir-a-ser, a potência se transformando em ato. Ou seja, ela é o momento em que algo não mais que um projeto de vida, que é justamente a infância, se transfigura e aponta para o amadurecimento físico e espiritual da pessoa, traduzido pela fase adulta da existência. Não sendo mais a criança que um dia foi, não sendo ainda o adulto que um dia será, a adolescência é a passagem, necessariamente doída e traumática. Mas, ao fim e ao cabo, demonstra ser prenúncio de crescimento e não de retrocesso. Eis uma crise com elevado senso positivo.

Por analogia, é lícito supor que o cenário da crise que envolve a atividade política em escala global nos dias de hoje pode estar prenunciando uma nova realidade, assinalada pela emergência de novos processos e procedimentos de instituições refeitas e revigoradas, enfim, de uma nova - e, quem sabe? inovadora - concepção de política. Sinceramente, malgrado a ausência de dados que assegurem ser essa a trajetória futura da política, prefiro acreditar na possibilidade.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, é preciso estar atento ao movimento da história, o qual, particularmente na contemporaneidade, mostra-se demasiado complexo e dotado de inédito dinamismo. Com efeito, nada mais distante do mundo de nossos dias do que aquele no qual vivem duas ou três gerações passadas. Ou seja, na imensidão do tempo histórico, não mais do que uma centelha de segundos pôs de ponta-cabeça o edifício sobre o qual se assentava a vida das sociedades. Vejamos.

Na base de tudo, avulta o extraordinário avanço da moderna industrialização. Ela veio subverter os antigos padrões de produção, universalizar um novo modelo de sistema econômico - à custa, sobretudo, do uso ostensivo de perversos mecanismos de exploração colonial, verdadeiros pontas-de-lança do novo imperialismo - e, novidade que interessa de perto à analise que aqui se faz, ela gerou um fenômeno absolutamente inédito na história da humanidade: a plena e irreversível urbanização da sociedade.

Eis o ponto, Sr. Presidente.

Mal se iniciava o século XX, a sociedade de massa se anunciava vitoriosa e ascendente. De modo cada vez mais acentuado, ficava para trás o tempo em que uns poucos iluminados - os membros da elite culta da sociedade - detinham o monopólio intransponível do saber, do comando da economia e da direção da política. A partir dos grandes centros da moderna economia, nomeadamente a Europa Ocidental, seguida da América do Norte e até mesmo do asiático Japão, assistia-se à emergência de uma nova sociedade que ocupava os espaços urbanos cada vez mais expandidos. É nesse contexto rigorosamente distinto do que sempre existira que se moldará a nova forma de se praticar a política.

Para quem, como nós, identifica na democracia o modelo menos imperfeito de organização política do Estado, valor universal e negociável, foi um choque perceber que quem primeiro compreendeu a nova realidade social e inventou os métodos políticos adequados para nela agir foram os defensores do totalitarismo, viscerais inimigos do liberalismo e da democracia clássica. Refiro-me a Mussolini e Hitler, os quais, à frente do fascismo italiano e do nazismo alemão, demonstraram invulgar competência para perceber que, nas novas condições históricas em que operavam, seria indispensável fazer uso de instrumentos, práticas, processos e discursos compatíveis com a realidade que o século XX forjara.

Constrangedor, para não mencionar vocábulo mais pesado, era comparar as ações e atitudes dos velhos estadistas liberais ingleses e franceses, por exemplo, com seus discursos pateticamente anacrônicos e vestidos com extemporâneos fraques e cartolas em plenas décadas de 1920 e 1930, em oposição à política do espetáculo praticado pelos líderes totalitários de direita. Saltava aos olhos quem carregava a bandeira da modernidade!

A derrota do totalitarismo nazi-fascista da Segunda Guerra Mundial não significou o retorno aos antigos padrões da democracia liberal. E é justamente para esse aspecto que chamo a atenção de todos. A profunda crise econômica iniciada em outubro de 1929, com a queda da Bolsa de Valores de Nova York, seguida da Grande Depressão que arrasou a economia mundial nos anos subseqüentes, tornara irrefutável a convicção de que a velha política estava sepultada. Já não havia mais espaço possível para o liberalismo absoluto, quer na política, quer, sobretudo, na condução do processo econômico. Nunca mais política e economia seriam regidas pelos princípios vigentes desde o século XIX.

Que fique bem claro: essa nova realidade não seria exclusividade dos regimes de força. Ela veio moldar as concepções de democracia vigentes após duas guerras mundiais e circunstanciadas pelo impacto de uma revolução tecnológica sem precedentes e de uma sociedade urbana de massas que não parava de crescer.

Vale recordar, a propósito, o discurso de posse do Presidente Franklin Delano Roosevelt, em meio ao caos absoluto em que se encontravam os Estados Unidos, mergulhados na mais densa e angustiante depressão econômica, com todos os previsíveis e dolorosos reflexos sociais. Nesse discurso, que reputo um dos mais marcantes do século passado, Roosevelt não usou meias palavras para definir a dimensão da crise para estabelecer as condições necessárias a sua superação.

Com impressionante nitidez, Roosevelt anunciava medidas duras, possivelmente a ferir alguns ou muitos interesses, mas absolutamente indispensáveis. Advertiu o Poder Judiciário para que não se fixasse em minudências e não se envolvesse no exame de questiúnculas formais. Em outras palavras, o que o Chefe do Executivo norte-americano alertava era para a excepcionalidade da situação vivida pelo País, sendo que a primeira condição para fazer a América renascer residia na coragem de tomar determinadas atitudes fora dos padrões de normalidade. O Judiciário deveria se compenetrar disso.

O outro recado, enfático e direto, o Presidente endereçava ao Parlamento. Lembrou aos congressistas que belos e longos discursos, além da morosidade própria do processo legislativo, deveriam ser deixados de lado, sob pena de a Nação sucumbir de vez. Naquele contexto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estava preparado o terreno que delimitaria doravante o campo de ação do Poder Executivo, ostensivamente superior ao que detivera ante então. Nada que maculasse a democracia, mas que a situaria em outro patamar.

Não foi diferente o quadro vivido pelo Brasil à mesma época. Historicamente, a Era Vargas, iniciada em 1930 graças a um golpe de Estado, representou o fim do regime liberal e acentuadamente federalista vigente na primeira República. Sob o comando do político gaúcho, os 15 anos que se seguiram à chamada Revolução de 1930, traduziram a crescente supremacia da União sobre os Estados e a prevalência do Executivo sobre os demais Poderes. Com o golpe de 1937, essa realidade tornou-se flagrantemente aguda, a ponto de se poder afirmar ter vivido o Brasil com características próximas ao modelo fascista.

A História teima em não retroceder. Ainda que dê passos atrás, nunca retorna ao ponto de partida. Assim, iniciada a redemocratização em fins de 1945, não se volta aos padrões anteriores ao Estado Novo. Da mesma forma que o mundo se transformara, o Brasil protagonizava inédita e extraordinariamente rápida experiência de modernização econômica e de urbanização da sociedade. De crise em crise, algumas das quais atingidas por trágicas cores, como a que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o Brasil foi aprendendo a praticar a democracia. O modelo institucional consagrado pela Carta de 1946 não foi capaz de prever ou de compreender satisfatoriamente a rapidez e a intensidade das transformações pelas quais o País passava. Na virada dos anos 50 para a década de 60, seu esgotamento fazia sangrar a própria democracia.

Os padrões clássicos e tradicionais da democracia liberal não conseguiam responder, de maneira minimamente adequada, às novas e múltiplas demandas de uma sociedade brasileira cujo perfil modificava-se rápida e radicalmente. Para que se tenha idéia da dimensão das mudanças em curso, basta atentar para a seguinte informação: no curto espaço de tempo entre 1950 e 1970 - vejam, em apenas duas décadas! -, nada mais nada menos do que 39 milhões de brasileiros migraram do campo para as cidades. Se considerarmos que a população total do País, em 1970, estava estimada em 90 milhões de habitantes, chega-se à conclusão de que essa migração faz nascer literalmente um novo Brasil.

São milhões de brasileiros que passam a ganhar visibilidade. Gente que até então estava escondida por detrás de serras e montanhas, que vivia silenciosa e acomodada por sob estruturas seculares de exclusão, transformava-se em protagonista de sua própria história. Gente que, nas cidades, sai em busca de emprego, moradia, saúde, transporte e, sobretudo, educação, na justa esperança de que seus filhos pudessem usufruir de um futuro melhor. Esses milhões de brasileiros nas cidades, mais informados e com convivência mais próxima dos companheiros de trabalho, passam a se interessar pela política e a não se contentar apenas com a esporádica presença nas cabines eleitorais. O Brasil mudava e, com ele, a política adquiria novas feições.

Daí o golpe de 64. Decorridos mais de 40 anos, é possível afirmar que, independentemente dos fatores que levam ao epílogo da experiência democrática, o certo é que, naquela conjuntura de elevada tensão e de vigorosa polarização ideológica, não havia solução para o regime democrático, incapaz que estava de atender aos anseios e aos interesses estratégicos tanto da direita quanto da esquerda. Os 21 anos do regime autoritário deram seqüência ao contínuo processo de fortalecimento do Executivo, aprofundando a tendência iniciada algumas décadas antes.

Aí está, Sr. Presidente, o ponto de partida para a compreensão do cenário com o qual convivemos hoje. De um lado, uma sociedade de massa com acesso crescente à educação e aos mais diversos meios de comunicação, com suas múltiplas demandas, mas ainda, infelizmente, demasiado carente de informação e de cultura política; de outro, uma economia que não pára de crescer, um sistema produtivo que se universaliza a passos largos e que tende a exercer poderosa influência sobre o Estado Nacional, não raro confundindo seus interesses particulares com os interesses nacionais e coletivos.

O contexto histórico em que vivemos está profunda e essencialmente marcado por tais contingências. Para completar o cenário das contradições e paradoxos, quanto maior a participação política da sociedade com a benfazeja ampliação dos espaços da cidadania, mais o Estado tende a se identificar com o Executivo. Nessa perspectiva, creio não ser suficiente apenas identificar a crise do Legislativo. É preciso ir além. De que maneira? Claro que não tenho pretensão de conhecer a resposta, por mais não seja, por elementar senso de realismo. Acredito, todavia, que, para ao menos nos aproximarmos das possíveis respostas, certas trilhas precisam ser percorridas.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Tião.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Um minuto mais, Senador Mão Santa.

Em primeiro lugar, não há mais lugar para as antigas formas de democracia representativa, porque o mundo mudou. Mudaram as condições econômicas, e outros são os papéis a serem desempenhados pela política. Não há mais tempo para os longos e belos - reconheço - discursos que empolgavam as galerias em volta do plenário. O extraordinário dinamismo da vida contemporânea impõe seu ritmo às decisões políticas, as quais deverão ser igualmente rápidas. Quanto maior for a dificuldade apresentada pelo Parlamento em responder ao que dele se demanda, maior o risco de ser visto como inoperante e como empecilho à resolução de importantes questões que afetam a vida de todos.

Presidente, vou pedir mais três minutinhos, porque quero concluir este pronunciamento, pois acho que é um reconhecimento e um respeito à nossa Instituição e uma tentativa de colocar o que chamam de crise como parte de um processo histórico.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Tião Viana, V. Exª traz uma retrospectiva da nossa democracia e fala das dificuldades. Levou 100 anos para ser reconhecida a nossa democracia, depois dos franceses. E, nestes 100 anos, tivemos vários heróis. Tivemos, no nascedouro dela, os militares, que quiseram continuar, com Deodoro e Floriano. Ali, o Rui Barbosa deu o primeiro grito, fazendo a campanha civilista. Mas depois se esqueceram do Rui Barbosa, e Getúlio Dornelles Vargas entrou. Mas o País é feliz, porque Graciliano Ramos descreveu o que é, apesar de o homem ser bom, ser um estadista, ser culto - Getúlio -, ser generoso... Basta ler Graciliano Ramos, “Memórias do Cárcere”. E essa militar recente... Está aí o Elio Gaspari com vários volumes da ditadura escancarada, perdida... Então, nós temos que temer. E eu me lembro de que nasci na época em que V. Exª era jovem, na guerra. Winston Churchill, o grande herói, que combateu Mussolini, que combateu Hitler e os japoneses, disse que é complicado, é difícil, mas não conhece outro regime melhor. E Eduardo Gomes, aqui, herói nosso, disse que o preço da liberdade democrática, da liberdade é a eterna vigilância.

Temos que estar vigilantes, porque, de quando em quando, esse modelo da tripartição de poder, esse modelo da alternação de poder, que difere dos reis, dos faraós, da hereditariedade... Eles são aqui mesmo na nossa... Estamos rodeados... De quando em quando, eles são desviados, aqueles ideais democráticos. E entendo ser a maior conquista da história da civilização o grito “liberdade, igualdade, fraternidade”. Então, aqui mesmo, estamos rodeados... E ninguém pode se esquecer de Fidel Castro, cujo regime conheço. É outra coisa. Então, estamos apreensivos e estamos aqui vigilantes, como bradou Eduardo Gomes, esse líder democrático, pela eterna vigilância, no aperfeiçoamento dos “montesquieus”, dos “rui barbosas”, de V. Exª. Garibaldi ontem deu um grande avanço; ele entrou na história; ele iguala-se. Eu acho que ele é abençoado, é ungido, porque ontem - ele podia hoje estar lascado, eu fiquei preocupado. Ontem ele atravessou.... Ó, quando ele entrou, havia um mar vermelho, ele navegou, abriu, Moisés... Olha que o ambiente - V. Exª estava no meio também do rolo -, ontem foi um dia difícil, porque Mitterrand... Tem de fazer isso, como V. Exª, buscar. Mitterrand, moribundo, no fim, disse e eu passo - e V. Exª leve ao Luiz Inácio: é fortalecer os contrapoderes... Ontem o Garibaldi, acho que foi ungido por Deus... Eu fiquei temeroso, eu gosto dele, ele sabe disso. Eu fui ali, rapaz, o funcionalismo... Eu acho que o Divino Espírito Santo caiu e deu tudo certo. Tem que ter Deus também no negócio. O Napoleão Bonaparte dizia que é sorte, eu não sei, mas ontem ele atravessou um mar vermelho. Olha o que Mitterrand disse, grave isto: fortalecer os contrapoderes. Ontem foi fortalecida a justiça, e nós aqui, caminhando, o Executivo se curvando à nossa competência, à nossa grandeza. Nós somos os pais da Pátria. Eu não abro mão disso!

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª.

Sr. Presidente, tento avançar - passarei, a seguir, ao Senador Flexa Ribeiro - em mais um pensamento da minha fala.

Por isso, Sr. Presidente, as comissões técnicas, cada vez mais especializadas nas áreas em que atuam, tendem a assumir o primeiro plano da produção legislativa. É no âmbito delas que acontecem os estudos mais aprofundados, condição fundamental para a tomada de decisão. Justamente por assim ser, soa falaciosa a imagem, tantas vezes divulgada pela mídia, de plenários com pouca presença de Parlamentares. No mais das vezes, o trabalho parlamentar se desenrola e se faz intensamente produtivo em outros espaços. Sem desmerecer a importância da retórica política, sem desconhecer o fascínio de que ela pode se revestir, sem desconhecer seu significado para o debate das idéias, sem o qual a política se despe de conteúdo e afronta sua natureza mesma, há que se reconhecer que os parlamentos se profissionalizam e, com crescente intensidade, precisam fazer uso de um assessoramento técnico especializado da mais alta qualificação. Disso, sinceramente, nós dispomos. O Congresso Nacional está muito bem aparelhado em termos tecnológicos e conta com assessoramento técnico-acadêmico de invejável capacidade.

Em segundo lugar, talvez devêssemos nos perguntar se por detrás da propalada crise do Legislativo não se esconde o próprio modelo de presidencialismo imperial que temos. Ademais, como o Executivo vai construir maiorias parlamentares para governar em meio à imensidão de agremiações partidárias? Mais do que a ação deste ou daquele Governo, penso estar no próprio modelo político a raiz de boa parte dos problemas políticos com os quais nos deparamos regularmente.

Há, por fim, a meu ver, um terceiro aspecto que não pode ser esquecido. Talvez pela poderosa influência de nossa matriz histórica ibérica, ou certamente porque não fomos capazes, em quase dois séculos de Estado Nacional, de modificar nossa concepção básica de política, o certo é que tendemos a medir a capacidade de trabalho do Congresso Nacional pela quantidade de projetos de lei que apresentamos, discutimos, votamos e aprovamos.

Muitos, muitos mesmo, inclusive de onde menos se poderia esperar, se vêem enredados nesse equívoco fatal. Se a fúria legiferante encontra alguma justificativa, isso se deu num passado que não mais existe. Nos dias de hoje, em face do estágio alcançado pela civilização contemporânea, aí incluídos o notável nível de desenvolvimento científico, o avanço econômico e a elevação dos padrões de cidadania, o que menos se exige é o excesso de regulamentação legal. Logo, mais ativo e necessário será o Parlamento quanto mais ele for capaz de discernir, de fazer opções estratégicas e de influir poderosamente na tomada de decisões fundamentais para o País.

Que reflitamos sobre essas questões. Ao fazê-lo, estou certo, estaremos dando o passo certo para a consolidação da democracia entre nós; democracia que é o anseio e o compromisso de todos; democracia moderna, verdadeiramente cidadã, instrumento de realização da política em seu sentido mais elevado. Creio, sinceramente, que é isso que a Nação espera de nós.

Presidente, quando nós olhamos o debate simplista sobre a crise atual nós temos que olhar que talvez estejamos construindo um novo momento da história das instituições brasileiras. O ativismo do Judiciário em nada vai contribuir com a formação do novo Estado, ele é reflexo da cobrança de um novo tempo. O comportamento imperial do Executivo em nada vai contribuir com o fortalecimento das instituições.

Vejo a mídia cobrando responsabilidade na apresentação de um projeto de lei que rompe em 500 anos a falta de um marco legal para financiar o setor de saúde neste País, dizendo que é uma desordem orçamentária e não entendendo que o prioritário é que se dê uma reposta que não foi dada em 500 anos para a regulação do financiamento do setor de saúde no Brasil.

Acho que temos de nos reunir e refletir sobre uma nova forma de caminhar na vida cotidiana das instituições, por isso eu quis trazer essa contribuição.

Encerro agradecendo a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente, e ouvindo o Senador Flexa Ribeiro.

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senador Tião Viana, ouvi atentamente o seu pronunciamento e não ia aparteá-lo para não interromper a aula de história com que V. Exª brindou o Plenário do Senado Federal. Quero parabenizá-lo pelo passeio que V. Exª fez sobre a história contemporânea, sobre a evolução dos sistemas de governo para chegarmos àquilo que todos sabemos: que é pela democracia que vamos fazer os avanços necessários para a melhoria da qualidade de vida da população de todo este Planeta, que clama por isso. V. Exª tem toda a razão ao fazer referência, no final do pronunciamento, à necessidade de se aprovar a regulamentação da Emenda 29, para que possamos dar o atendimento à saúde de toda a população brasileira. Não é como está sendo colocado, não é uma forma de não olhar para a questão orçamentária. Não é isso. Não é irresponsabilidade. É muito mais uma responsabilidade que todos temos de atender à população carente, porque, quanto aos recursos, está sendo provada a existência deles; é preciso saber onde aplicá-los. E V. Exª, no seu pronunciamento, dá uma demonstração real da sabedoria milenar dos povos asiáticos, de que o sinônimo de crise é oportunidade. É preciso tirar das crises as oportunidades para fazer as mudanças. Se nós vivemos uma crise, temos de fazer a mudança, e essa mudança vamos começar fazendo pela Emenda de V. Exª para corrigir a deficiência na saúde brasileira. Parabéns pelo pronunciamento que abrilhantou, na tarde de hoje, a sessão do Senado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigado, Presidente Garibaldi, pela oportunidade do pronunciamento.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Tião Viana, apenas uma frase: é importante que nós todos conversemos para se chegar à forma de financiar os recursos previstos na Emenda 29.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2008 - Página 15817