Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a retomada hoje, pelo STF, do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal, sobre a pesquisa com embriões humanos.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Considerações sobre a retomada hoje, pelo STF, do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal, sobre a pesquisa com embriões humanos.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2008 - Página 16989
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, RETOMADA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, EXPECTATIVA, GARANTIA, REFORÇO, VALORIZAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, VALOR TERAPEUTICO, EMBRIÃO, COMBATE, DOENÇA, SALVAMENTO, VIDA HUMANA.
  • REGISTRO, POLEMICA, DEBATE, PESQUISA CIENTIFICA, EMBRIÃO.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Supremo Tribunal Federal, no dia de hoje, retoma o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Federal sobre a pesquisa com embriões humanos. Esperamos que hoje tenhamos a definição sobre questão tão crucial e tão importante, mas, ao mesmo tempo, tão polêmica, que recebe a resistência de alguns setores da sociedade brasileira. Já nos pronunciamos algumas vezes sobre o tema desta tribuna. Aliás, a importância do tema não permite nenhuma omissão neste momento, a pesquisa científica sobre embriões humanos.

            E, uma vez que estamos falando de ciência, Sr. Presidente, é interessante buscar entender por que a pesquisa com embriões humanos é cercada de deslumbramento, dirigido aos grandes feitos da ciência, preocupações e temores.

            Se, por um lado, percebo que os debates sobre o tema não condenam o avanço científico, inclusive porque, em seu lugar comum, esse avanço não é considerado nem bom nem mau em si mesmo, os temores e as preocupações decorrem da percepção de que formar um clone humano parece ser algo inevitável, porque a ciência, obtidos os meios, não deixaria escapar à sua aplicação, ainda que danosa. De fato, a clonagem humana sugere pesadelos éticos já representados pelas artes, tais como o livro de Mary Shelley, Doutor Frankenstein, o filme “Os Meninos do Brasil” (por meio da recriação de cópias de Hitler) ou O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, com a produção de seres humanos não reconhecidos como tais, idéia presente no filme “Blade Runner, o Caçador de Andróides.

            Sr. Presidente, acredito que ainda há uma confusão muito grande entre clonagem e pesquisa com embriões humanos, não obstante o Congresso Nacional ter dissipado essa confusão quando aprovou a Lei de Biossegurança, pois ali ficou claro que a lei se pronunciou a favor do prosseguimento da pesquisa para fins terapêuticos.

            Percebo que a imprensa captou muito bem o sentido da lei, pois constantemente segue esta distinção entre clonagem para uso terapêutico e para a clonagem humana.

            É isso que o Supremo irá decidir. A nossa Corte Suprema, na garantia constitucional da soberania de sua decisão, poderá esclarecer essa dúvida, essa confusão, essa querela, afastando definitivamente a inadvertida desordem ainda existente.

            Entretanto, a questão tem um outro lado bastante tormentoso, Sr. Presidente. O debate envolve uma hierarquia dos seres humanos. E posso explicar tal tormenta da seguinte forma: o debate sobre as pesquisas com vegetais e animais não sofre grandes resistências, o que indica que esses seres vivos não têm o mesmo status atribuído aos embriões humanos. Para os defensores da pesquisa científica com embriões, esses são vistos como seres vivos, mas não podem ser vistos como seres humanos, por estarem em estágio inicial de desenvolvimento. Ou seja, eles seriam um conjunto de células em formação, daí que, sob esse ângulo, os benefícios superariam as implicações da pesquisa, como, por exemplo, para a produção de tecidos para transplantes, benefícios para doenças de Parkinson, Alzheimer e vítimas de derrame, além de pacientes com patologias cardíacas, leucemia, diabetes e lesões de medula. A sobrevivência desses embriões seria menos importante que a preservação da vida de crianças e adultos.

            Não podemos deixar de lado que o debate sobre o status dos embriões traz implícita a noção de que esses são seres humanos por condições naturais intrínsecas. Assim é que, segundo a versão religiosa, a condição de pessoa consiste em ter alma desde a concepção. A versão laica moderna diz que o embrião já detém direitos naturais, em vista da sua qualidade genética de futuro indivíduo. Sr. Presidente, temos aqui uma posição de que a dignidade da pessoa humana existe desde a concepção, porque, naquele momento, estão os genes dos indivíduos.

            Por sua vez, oposição contrária garante que o uso, em pesquisa, de embriões até o 14º dia após a concepção não seria problema, pois esses ainda não constituiriam seres individualizados, não tendo, portanto, direitos. O valor absoluto da dignidade da pessoa humana não seria aplicável a eles. Vê-se que, nesse caso, a noção de pessoa humana emerge aos poucos, com base no desenvolvimento dos atributos naturais.

            Sem negar espaço de debate para essa imagem “biologizante” e metafísica dos seres humanos, porque somos também entidades biológicas e somos indivíduos, gostaria de ressaltar uma outra dimensão que amplia o debate: o que nos torna únicos, o que nos torna singulares não são somente as nossas características individuais. Essas características individuais somente se sobressaem quando vivemos uma vida coletiva. Os artistas - grandes poetas, pintores, músicos etc. -, as lindas modelos famosas, os jogadores de futebol, os intelectuais, os homens públicos que mudaram o mundo não possuíam (nem possuem) composição do DNA com sinal inconteste de que são extraordinários. Eles somente são extraordinários a partir da vida coletiva, daí que podemos dizer que essa ou aquela modelo é mais bonita ou mais feia, inicialmente por causa de suas característica inatas, mas principalmente porque a sociedade adotou como padrão de beleza essa ou aquela característica inata. Assim ocorre com o jogador, que passa a ser considerado o melhor de todos e de todas as épocas, como Pelé, o “Rei do Futebol”, ou com o intelectual, como Albert Einstein, que formulou um pensamento que abalou o mundo. Eles tiveram oportunidade de desenvolverem suas “características inatas”.

            Não é à-toa que, de modo uníssono, desde que a humanidade é humanidade, o problema que nos aflige diz respeito à questão da igualdade, no tratamento dado ao indivíduo na esfera social; isto é, oportunidades para o desenvolvimento pleno do indivíduo.

            Já estou encerrando, Sr. Presidente.

            Portanto, consigo perceber a razão dos temores e dos medos causados pelas pesquisas com células embrionárias. É que a pesquisa representa um desafio ao valor de singularidade característico da concepção de pessoa: o indivíduo. A ciência está novamente abalando o conceito de que a essência do indivíduo está nos genes, mandando que se considere tanto as características inatas como as adquiridas para que se possa construir um indivíduo.

            Isso não é nada mais do que outras ciências humanas já afirmavam. Elas contemporizavam a relevância dada à composição genética, enfatizando o contraste entre as características inatas e adquiridas.

            Ocorre que isso faz com que a definição de indivíduo, que é o núcleo ideológico da cultura ocidental, enfrente um dilema bastante provocativo, qual seja, não é um critério abstrato que desesperadamente busca agarrar-se a um critério concreto (como foi o gene e o DNA) que irá definir o indivíduo como tal, como, por exemplo, “o direito natural”. Seremos nós, enquanto vida coletiva, que definiremos o conceito de indivíduo e direitos.

            Lógico que, para tal definição, os elementos religiosos, metafísicos, físicos e biológicos não serão desprezados. Mas “o que é o indivíduo” será baseado em um consenso, daí aumentar a nossa responsabilidade, pois somos colocados em posição que exige maturidade.

            Então, Sr. Presidente, não é preciso ter medo ou temor. É preciso responder à altura desse desafio que a realidade histórica nos aponta neste momento. Já disse um filósofo que a história não nos dá desafios que não possamos responder. Precisamos é fazer a melhor escolha.

            Espero que o Supremo Tribunal Federal, do alto de sua sabedoria, do alto de sua competência constitucional, possa orientar as pesquisas científicas sobre os embriões, e que essa orientação venha no sentido de fortalecer, de engrandecer o nosso País perante o mundo, valorizando a pesquisa científica como instrumento indispensável ao desenvolvimento do ser humano, à melhoria da qualidade de vida, ao combate a doenças em seres humanos, que estão morrendo sem nenhuma esperança, a não ser em pesquisas que brasileiros, com a competência que conhecemos, nos laboratórios e nas universidades, possam fazer para salvar vidas humanas.

            Para encerrar meu discurso, concedo um aparte ao Senador e médico Augusto Botelho.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Antonio Carlos Valadares, pedi o aparte apenas para chamar a atenção para o fato de que, se não houver pesquisa no Brasil nessa área da Medicina, os que têm recursos vão se tratar no exterior. E a maioria dos brasileiros vai se tratar onde? Por isso, é importante que essa pesquisa seja permitida, dentro dos moldes da Lei de Biossegurança, a fim de que possamos dar atenção às pessoas necessitadas e que o SUS realize tratamentos com célula-tronco. Mas só poderemos fazer isso se houver conhecimento desenvolvido por nós, pois ninguém vai nos passar o conhecimento de lá para cá sem ônus. E, principalmente, porque haverá uma injustiça: quem tem recursos vai se tratar no exterior, e quem não tem vai continuar doente aqui.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - V. Exª tem razão. O Supremo Tribunal Federal dará a última palavra, que espero seja em torno do avanço científico das pesquisas embrionárias.

            Agradeço a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2008 - Página 16989