Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de nota técnica do Ministério da Saúde sobre rumores de suposto uso de pesquisa em seres humanos envolvendo a luta contra a malária no Estado do Acre.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. SAUDE.:
  • Leitura de nota técnica do Ministério da Saúde sobre rumores de suposto uso de pesquisa em seres humanos envolvendo a luta contra a malária no Estado do Acre.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2008 - Página 17189
Assunto
Outros > SENADO. SAUDE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, SECRETARIO DE ESTADO, SAUDE, ESTADO DO ACRE (AC).
  • DESMENTIDO, DENUNCIA, PESQUISA CIENTIFICA, UTILIZAÇÃO, HOMEM, ESTADO DO ACRE (AC), OBJETIVO, COMBATE, MALARIA, LEITURA, NOTA OFICIAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ESCLARECIMENTOS, METODOLOGIA, APROVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAUDE (OPAS), CAPTURA, AGENTE TRANSMISSOR.
  • ELOGIO, LUTA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC), COMBATE, MALARIA, CRITICA, FALTA, RESPONSABILIDADE, JORNALISMO, INJUSTIÇA, INEXATIDÃO, DENUNCIA, REGISTRO, HOMENAGEM, PESQUISADOR.
  • GRAVIDADE, AMEAÇA, BRASIL, DOENÇA TRANSMISSIVEL, IMPORTANCIA, RESPONSABILIDADE, COMBATE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador) - Caro Presidente, Senador Mão Santa, Srs. Senadores, com grata alegria, registro a presença do nosso Secretário de Estado da Saúde do Acre, Dr. Osvaldo Leal, que está em visita ao Ministério da Saúde, em trabalho também pela aprovação da Lei Complementar à Emenda nº 29 e acompanha os trabalhos do Senado Federal neste momento.

Temos uma série de rumores e denúncias estapafúrdias, precipitadas, imaturas, algumas até com desvios de coerência, Sr. Presidente, sobre um suposto uso de pesquisa em seres humanos envolvendo a luta contra a malária no Estado do Acre.

O Ministério da Saúde achou por bem dar uma resposta através de uma nota assinada pelo Coordenador-Geral do Programa Nacional de Controle da Malária, Dr. José Lázaro de Brito Ladislau, pelo Diretor-Técnico de Gestão, Dr. Fabiano Geraldo Pimenta Júnior, e pelo Secretário Nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Dr. Gerson Pena. O Governo do Acre apresentou todas as suas razões técnicas, desfazendo rumores irresponsáveis e sem qualquer critério ético de jornalismo a respeito dessa matéria. Essa falta de critério pretende afetar uma luta da maior responsabilidade que o Estado do Acre trava contra a malária, o que já o levou à condição de ter o melhor resultado da Região Amazônica na luta contra a epidemia de malária, que sazonalmente afeta a nossa Amazônia e está ameaçando superar a casa dos 500 mil casos, no Brasil, neste ano e nos anos recentes. São 500 mil casos ao ano, o que é uma tragédia. V. Exª sabe. É uma doença que ainda mata de um a dois milhões de cidadãos neste Planeta, todos os anos, especialmente na nossa triste África, pelo abandono em que ela vive. Um lugar tão lindo, de um povo tão maravilhoso é vítima de mortes que superam, muitas vezes, um milhão, quase dois milhões de casos todos os anos.

Então, o que diz a Nota Técnica do Ministério da Saúde?

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1995, definiu o controle seletivo de vetores como parte da estratégia de controle da malária. Define-se tal política como a utilização seletiva de uma ou mais formas de controle, levando-se em conta o status da doença e os riscos de transmissão para definir prioridades. As espécies prevalentes de Anopheles, bem como o comportamento das mesmas e das populações humanas envolvidas e a viabilidade de recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento das ações. 

Nesse contexto, a investigação entomológica é imperativa na tomada de decisão em controle vetorial, pois há de se levar em conta que a efetividade e a avaliação das ações dependem, em última instância, do levantamento de alguns parâmetros básicos em que a relação homem-vetor é essencial. Dessa forma, na rotina do programa, utiliza-se o homem como meio de atração para a captura de insetos. Há, portanto, implicações éticas decorrentes do risco de o agente da captura adquirir doenças.

No manual da OMS (2003), intitulado ‘Malaria Entomology and Vector Control’, consta que o número de vetores picando humanos é fator determinante na transmissão de malária e é, portanto, importante saber:

. quais espécies de anofelino picam humanos e quais picam animais;

. quais das espécies que picam humanos são vetores de malária;

. com que freqüência uma pessoa é picada pelo vetor;

. se o vetor pica dentro ou fora das residências;

. o horário de pico da atividade hematofágica;

. as variações sazonais no número de mosquitos picando humanos.

            Sendo assim, a referida publicação recomenda como uma das formas de captura a ‘isca humana’ (human bait). Adverte ainda que a captura deve ser realizada antes do repasto sangüíneo, ou seja, antes de o mosquito picar a pessoa. Além disso, esta técnica é utilizada e recomenda nas rotinas desde a época das campanhas de erradicação.

A nota diz ainda:

A técnica mais direta e satisfatória consiste em capturar os mosquitos ao pousarem no homem. A pessoa que atua como isca deverá sentar e permanecer quieta com partes do corpo expostas aos mosquitos; seu companheiro vigiará, esperando que algum mosquito pouse, e o capturará com um tudo de sucção, registrando a hora de sua captura.

Isso é descrito por Pampana desde 1963, no programa de erradicação da malária.

Já o escritor da área de saúde Lourenço, em 1988, no livro ‘Principais Mosquitos de Importância Sanitária no Brasil’, cita o uso da chamada ‘isca humana’ como uma das metodologias de captura de fêmeas e de mosquitos além de reportar que o método pode ser realizado ‘pelo próprio indivíduo que captura ou outra pessoa’.

A Fundação Nacional de Saúde, em 1999, no manual ‘Controle Seletivo de Vetores da Malária’ reporta: ‘Para a escolha das medidas de controle seletiva de vetores da malária, antes de mais nada, é preciso conhecer o comportamento dos vetores, o que se faz através de análises entomológicas e das pessoas, através de análises sociais’. Além de definir os fatores que devemos pesquisar sobre os vetores da fase adulta, são eles: ‘densidade; quando e onde picam; hábitos de repouso e suscetibilidade aos inseticidas’.

Além disso, o manual cita que para que se faça um monitoramento de vetores é necessário avaliar a taxa de picada humana, definida no glossário da publicação da seguinte forma: ‘a média do número de fêmeas que picam o homem por dia, determinado por captura das fêmeas com isca humana durante as doze horas que picam (das 18:00 às 06:00 horas, no caso do anophelino).

Vale lembrar que o principal vetor da malária é o Anopheles darlingi Root, descrito desde 1926, cujo comportamento é extremamente antropofílico, ou seja, o mosquito é altamente atraído por humanos, e por isso os outros métodos de captura, tais como armadilha nominal, armadilhas luminosas etc., não demonstram eficácia compatível à da captura por atração humana. Portanto, não há ainda alternativa para se fazer o levantamento dos parâmetros essenciais ao bom desenvolvimento das ações de controle seletivo de vetores sem a utilização da captura por atração humana.

Conforme recomendação do grupo de trabalho sobre a captura de mosquitos utilizando isca humana, formado por especialistas em entomologia e em ética, reunido durante o II Seminário Internacional de Ferramentas e Instrumentos utilizados no controle de Vetores, realizado no dia 20 de outubro de 2006, em Brasília, Distrito Federal, a captura por atração humana ainda necessita ser utilizada, seguindo algumas normas de proteção descritas no documento enviado ao Ministério da Saúde.

O uso do método como rotina nos programas de controle de malária dos países amazônicos consta de um documento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que existe desde 1902, intitulado Estratégia para racionalizar a tomada de decisões no controle de vetores da malária nos países da região amazônica no seu anexo 11. O documento, ainda não publicado formalmente, ainda está sendo utilizado para avaliar o comportamento dos principais vetores da malária na região, na rotina dos programas de controle da malária dos diversos países.

Além disso, diversos trabalhos científicos recentes, como o trabalho de Voorham, em 2002, Jan e. Conn et al., de 2002, Silva-Vasconcelos, de 2002, Gil et al., 2003, Povoa et al., 2006, reportam como método de captura a atração humana.

Diante do exposto, meu caro Presidente Senador Mão Santa, também colega médico, constata-se que a captura do Anopheles com atração humana vem sendo utilizada desde a década de 1960 e é atualmente recomendada por diversas instituições e autores, como único método eficaz para direcionar e avaliar o impacto das ações de entomologia e controle de vetores da malária, desde que os agentes estejam devidamente protegidos por equipamentos de proteção individual, que é o chamado EPI. [Usa-se rotineiramente o EPI, uma norma, quando se vai fazer esse procedimento].

Então, é uma falácia, um ato de irresponsabilidade de alguns que querem viver da mentira ou de fazer uma notícia, que poderia ser tratada com a responsabilidade jornalística correta, tornar-se um ato de transformismo antiético, querendo imputar responsabilidade criminal a quem não tem.

A Secretaria de Estado de Saúde do Acre age com absoluta coerência e em consonância com o Ministério da Saúde e com normas internacionais, seguindo diretrizes da Organização Pan-Americana de Saúde. O Estado do Acre trabalha com o mais absoluto rigor nessa matéria. Então, não há razão para esse tipo de ataque gratuito e irresponsável por parte de alguns.

Lembro o Dr. Leônidas Deane, na década de 40, fundador da ciência da luta contra a malária no Nordeste brasileiro - tinha ainda muita malária àquela época -foi a maior referência da luta contra os parasitas, na Fundação Oswaldo Cruz. Depois veio Samuel Pessoa e a escola mais recente. O Dr. Leônidas Deane descrevia, aos oitenta e tantos anos, numa reunião do encontro da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical a que eu assistia, que, uma vez, porque ele ia colher sangue das pessoas para fazer o estudo microscópico da malária e de como combatê-la, obrigaram-no a tirar as botas para ver se ele não tinha os pés de cabra. Desconfiavam que ele era, na verdade, uma espécie de Lúcifer, porque ia tirar o sangue das pessoas do Nordeste.

Então, eu comparo isso com esse tipo de ignorância agora, em relação a uma conduta absolutamente pertinente do ponto de vista científico, ainda necessária, que contribui muito nos programas de controle e de diminuição da incidência e da prevalência da doença.

Portanto, era necessária essa homenagem aos pesquisadores, aqueles que trabalham com a maior seriedade e aos órgãos públicos que não fazem proselitismo e não tomam atitudes irresponsáveis no decorrer das suas ações na luta contra as grandes endemias brasileiras.

Hoje o Brasil precisa entender que três grandes ameaças pairam sobre o horizonte deste País, grandes e graves ameaças: dengue, tuberculose e malária. Somente com coragem, determinação e muita responsabilidade é que se alcançam resultados satisfatórios. Foi o que o Acre fez numa luta de longos anos. E agora conseguimos ter os melhores resultados de redução da doença dentro de nossa Região Amazônica por todas as ações integradas e técnicas de prevenção, proteção e controle da doença, colocando em primeiro lugar, sempre, a pessoa humana.

Era o que eu tinha a dizer como uma homenagem ao lado sério da ciência médica brasileira.

Muito obrigado, meu caro Presidente Mão Santa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2008 - Página 17189