Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cumprimentos ao Supremo Tribunal Federal pela decisão de suspender a eficácia da edição de medidas provisórias que tratam de crédito extraordinário. Expectativa quanto à decisão que poderá ser tomada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Cumprimentos ao Supremo Tribunal Federal pela decisão de suspender a eficácia da edição de medidas provisórias que tratam de crédito extraordinário. Expectativa quanto à decisão que poderá ser tomada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2008 - Página 17199
Assunto
Outros > SENADO. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, SUPLENTE, ORADOR.
  • ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SUSPENSÃO, EFICACIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ABERTURA, CREDITO EXTRAORDINARIO, INCONSTITUCIONALIDADE, UTILIZAÇÃO, NORMA JURIDICA, AUTORIZAÇÃO, DESPESA.
  • REGISTRO, DECISÃO, ORADOR, VOTAÇÃO, REJEIÇÃO, TOTAL, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APREENSÃO, PARALISAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, TRAMITAÇÃO, ALTERAÇÃO, PROCESSO LEGISLATIVO, ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ABUSO, AUSENCIA, CRITERIOS, URGENCIA, RELEVANCIA, PREJUIZO, DEMOCRACIA, COBRANÇA, RESPEITO, LEGISLATIVO.
  • PROTESTO, TENTATIVA, GOVERNO, RECRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), ALEGAÇÕES, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, SAUDE, CONCLAMAÇÃO, REPUDIO, CONGRESSISTA.
  • ANUNCIO, CONCLUSÃO, VOTAÇÃO, LIBERAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, PARTE, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO, BENEFICIO, MEDICINA, SAUDE.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, que preside com muita competência esta sessão, meu companheiro de Partido, Vicente Claudino, do PTB do Piauí, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, inicialmente, quero saudar, aqui presente no nosso Plenário, o meu 1º Suplente, o empresário Luiz Fernando de Abreu Sodré Santoro, que também é do PTB, que nos dá a honra da sua presença neste momento.

Sr. Presidente, era de se esperar que hoje, novamente, eu viesse aqui falar sobre os graves problemas que afligem a nossa Amazônia, o meu Estado de Roraima, no que tange ao sério conflito que lá está apenas contido, mas não acabado, da Raposa Serra do Sol.

No entanto, quero hoje fazer um pronunciamento para cumprimentar o Supremo Tribunal Federal pela decisão extremamente sábia e oportuna que tomou no último dia 14 de maio, ao suspender a eficácia da Medida Provisória nº 405, de 2007.

A referida Medida Provisória, como sabemos, abriu crédito extraordinário no valor de cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta milhões de reais, para a Justiça Eleitoral e para diversos órgãos do Poder Executivo. E veja aqui, Sr. Presidente, que o problema não é para que se destina. Em tese, destinar recursos para a Justiça Eleitoral é preciso, e muito, para que a Justiça Eleitoral realmente exerça, na sua plenitude, o papel de fazer uma grande fiscalização nos pleitos eleitorais, principalmente agora que vamos eleger vereadores e prefeitos em todos os Municípios do Brasil.

É claro, Sr. Presidente, que não estou fazendo juízo de valor sobre o mérito das despesas autorizadas. O que cabia questionar, na verdade - e que foi questionado pela ação direta de inconstitucionalidade movida contra a medida provisória -, o que foi questionado pelo STF, ao tomar sua decisão, e o que vem sendo sistematicamente questionado pela sociedade e por seus representantes no Parlamento é a freqüência com que o Presidente da República lança mão de um instrumento para autorizar despesas desse tipo.

No Congresso Nacional, especialmente aqui no Senado, o assunto é recorrente. Não passa dia, Srªs e Srs. Senadores, sem que alguma voz se levante contra a sanha do Governo Federal de adotar medidas provisórias.

Eu, inclusive, tomei uma decisão pessoal de não votar mais a favor de nenhuma medida provisória. Sempre aparece uma boazinha, uma para beneficiar um Município do interior; outra, os produtores rurais. Assim, empurrando as boazinhas, o Senado fica sempre com sua pauta trancada e só vota medidas provisórias.

Nós aprovamos aqui um rito novo para a sistemática de apreciação das medidas provisórias. Está na Câmara. O Presidente Garibaldi, quando assumiu, teve uma reunião com o Presidente da Câmara, e se comprometeram a votar esse novo modelo de tramitação das medidas provisórias que não trancaria mais a pauta.

No entanto isso está dormindo, como, aliás, costuma acontecer, na Câmara dos Deputados. Por quê? Porque é muito bom para o Governo continuar podendo usar as medidas provisórias. Ontem mesmo nós tivemos aqui uma tarde de medidas provisórias; anteontem, a mesma coisa. E os argumentos são sempre os mesmos ou parecidos, o que não lhes tira a força, mas, ao contrário, escancara cada vez mais a sua coerência. Quer dizer, a coerência de combater essas medidas provisórias.

A todo momento, Sr. Presidente, temos lembrado aqui, nós os Senadores e Senadoras, que o número de medidas provisórias adotadas pelos governos democráticos, depois de promulgada a Constituição Federal de 88, é tão abusivo quanto os de decretos-lei editados pelo regime militar entre abril de 64 e março de 85.

Vejam como estamos nos comparando. Quer dizer, um Governo que se jacta, se gaba de ser democrático utiliza os mecanismos semelhantes da ditadura, os mesmos, apenas com nome diferente.

A todo momento temos lembrado aqui que cerca de dois terços das leis aprovadas no Congresso Nacional resultam de proposições encaminhadas pelo Poder Executivo e que metade dessas proposições são apresentadas sob a forma de medida provisória. A todo momento, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, temos nos lembrado de que muitas dessas medidas provisórias, talvez quase todas, tratam de matérias que não atendem aos requisitos de relevância e urgência prescritos no art. 62 da Constituição. São medidas provisórias que cuidam da abertura de crédito extraordinário, como essa que motivou a decisão do Supremo Tribunal Federal, da criação de órgãos públicos, da aprovação de planos e salários, enfim, de uma série de matérias que poderiam ser analisadas com muito mais rigor e consistência se apresentadas sob a forma de projeto de lei, inclusive com urgência constitucional quando o Governo assim o julgasse.

A todo momento - isso me parece o mais importante -, temos alertado que o número excessivo de medidas provisórias representa uma usurpação das atribuições do Poder Legislativo por parte do Poder Executivo, com todos os riscos que essa usurpação representa ao processo democrático.

Cabe destacar, por dever de justiça, que esse questionamento não tem sido feito apenas pelas Srªs. Senadoras e pelos Srs. Senadores de Oposição. Nosso Presidente, por exemplo, o Senador Garibaldi, vem-se manifestando com freqüência sobre o tema, numa defesa muito firme das prerrogativas do Congresso Nacional. Integrantes da base aliada, não só do meu Partido, mas do próprio Partido do Presidente da República, também têm reconhecido que o problema é grave e que a situação não pode continuar desse jeito.

Nesta Casa, Sr. Presidente - não estou contando nenhuma novidade - já aprovamos medida provisória que proíbe exploração de todas as modalidades de jogo de bingo e jogos em máquinas eletrônicas denominadas caça-níqueis. Nesta Casa, já aprovamos medida provisória que dispõe sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão conterem dispositivo para bloqueio temporário da recepção de programação inadequada e muitas outras proposições de natureza semelhante.

Nesses casos, Srªs e Srs. Senadores, tal como na questão dos créditos extraordinários, não estou fazendo considerações sobre o mérito das matérias. O que faço tão-somente é argüir se elas atendiam aos critérios constitucionais de relevância e urgência. É lógico que não.

Por tudo isso, por colocar um freio na adoção indiscriminada de medidas provisórias, por equilibrar novamente a balança dos Três Poderes da República, há que se louvar a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Como disse o eminente Ministro Celso de Mello em seu inspirado voto: “o Chefe do Poder Executivo da União não pode transformar-se em verdadeiro legislador solitário da República”, que é o que o Presidente Lula vem fazendo, legislando sobre tudo por meio de medidas provisórias.

E aí, porque não queremos parar a votação de projetos, porque uma ou outra medida provisória preenche os requisitos, porque uma ou outra medida provisória atende a uma situação mais emergencial, vamos votando. E, se vamos votando, a coisa vai ficando como está.

Então, temos que dar um basta nisso e não votar mais nenhuma até que a Câmara aprove um novo rito, principalmente quando essa ânsia legislativa do Presidente da República afronta o próprio texto constitucional.

Diz a Constituição, no § 3º do art. 167, que “a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, de comoção interna ou de calamidade pública”.

Ora, Sr. Presidente, o Brasil não está em guerra, tampouco enfrenta, nesse momento, situação de grave comoção interna ou de calamidade pública. Por que, então, abrir créditos extraordinários no Orçamento, ainda mais por meio de medida provisória?

De modo, repito, que fez muito bem o Supremo Tribunal Federal em dar um basta em tal situação. A decisão, estou certo, representa um ponto de inflexão. Daqui por diante, se tiver juízo, o Governo Federal vai pensar um pouco mais antes de submeter à apreciação do Congresso Nacional, por meio de medidas provisórias, matérias que não sejam ao mesmo tempo relevantes e urgentes, matérias que, enfim, não atendam ao que diz a Constituição.

Quero dar, portanto, Presidente Mão Santa, os parabéns ao nosso Supremo Tribunal Federal. Nossa egrégia Corte, uma vez mais, soube atender às expectativas da sociedade brasileira. Nossa egrégia Corte, mais do que isso, soube atender ao superior sentimento de justiça que deve pautar as suas decisões.

Apenas lamento, Sr. Presidente, porque essa ação devia ser nossa. Nós, como Legislativo, devíamos nos impor e, sem afrontar o Poder Executivo, exigir o respeito que merecemos constitucionalmente, dada a necessidade de harmonia e independência entre os três Poderes.

Lamentavelmente, não é o que acontece. Lamentavelmente, a maioria se curva a essa situação que vem se perpetuando já no sexto ano do Presidente Lula. E é preciso, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, uma vez instado a se pronunciar, simplesmente determine que se cumpra a Constituição.

Lamento muito, não sou jurista, mas lamento muito que realmente o Senado e a Câmara dos Deputados estejam à mercê, aceitando essa situação.

Agora mesmo, outro absurdo se prepara. Derrotamos aqui a CPMF, e o fizemos atendendo a um clamor da população, porque ela não aceitava pagar imposto para retirar o seu salário, porque não aceitava um imposto que incidia em cascata. E o Presidente da República, agora, logo após a derrubada da CPMF, aumenta o IOF, aumenta a Contribuição sobre o Lucro Líquido, aumenta a carga tributária, portanto. E existem outras razões, como o aumento do petróleo e outros, que encareceram a alimentação no mundo todo e, principalmente, aqui no Brasil. E o Presidente vai e diz: “não vi baixar nada, o preço de nada, porque saiu a CPMF”. E vai querer, agora, trazer uma CPMF com um nome modificado, a tal Contribuição Social para a Saúde - CSS, que já está sendo traduzida, na verdade, como calote sobre o seu salário.

De novo o assalariado vai pagar direto, direto. Mas, indiretamente, todo o mundo vai pagar. Então, é novamente o Governo Federal, agora de maneira disfarçada... Não quer assumir publicamente que o Governo, que o Executivo está mandando fazer isso. Mas manda os seus áulicos, os chamados da sua base na Câmara, reapresentarem essa CPMF disfarçada de CSS para que nós possamos engolir goela abaixo.

E eu acho que este Parlamento precisa realmente se impor. Não precisa, repito, afrontar ninguém. O Presidente da República tem que entender que ele está num regime democrático de direito e que uma crítica feita à conduta dele não é uma ofensa à pessoa dele. Uma crítica feita à conduta equivocada do seu Governo não é um demérito à pessoa dele ou a sua forma de ser. Ele tem que aprender, sim, a ser realmente um Presidente do regime democrático que ele diz que lutou para ter, e que não exercita na prática, porque ele quer agir como um imperador, num regime absolutista. Não podemos, efetivamente, aceitar.

Eu quero, portanto, no fundo principal do meu pronunciamento, ao cumprimentar o Supremo Tribunal Federal, também dizer que hoje o Supremo Tribunal Federal está tomando outra decisão histórica: está aprovando a autorização - na verdade, a autorização havia sido dada pelo Congresso, por meio de votação na Câmara e no Senado - para pesquisas com células-tronco embrionárias.

Como médico, fico a ver como parece que nós estamos ainda na época da Inquisição, em que Copérnico foi obrigado a dizer que não era verdade o que ele tinha dito: que a Terra girava em torno do Sol. E tantos outros foram queimados na fogueira porque conseguiram, com as suas mentes, vislumbrar leis físicas e químicas que contrariavam o pensamento religioso.

Então, eu lamento que tenha que ir para o Supremo uma questão dessa. Mas, felizmente, o Supremo está fazendo jus à qualidade, ao conceito, ao conhecimento que têm os seus membros. E está quase encerrando. Já está o Presidente falando, votando. Está, portanto, sendo vitoriosa a tese de que é, sim, permitido fazer pesquisas com células-tronco embrionárias.

Então, quero fazer essa homenagem ao Supremo em relação à proibição do Governo de editar medidas provisórias que mexam com créditos extraordinários, a essa decisão que está sendo tomada hoje, sobre as células-tronco embrionárias, e espero que outras medidas desse porte, lamentavelmente, o Supremo tenha que tomar, porque nós, do Parlamento, nos curvamos à maioria. Quando digo “nós”, não estou incluído, como não está incluído V. Exª, como não está incluída a grande parte deste Parlamento. Mas a maioria, infelizmente, aqui, aceita tudo o que o Poder Executivo diz.

Quero dizer que espero que a independência dos Poderes, a harmonia dos Poderes um dia se restabeleça neste País, para termos de fato uma democracia, porque democracia sem Legislativo e Judiciário fortes não existe. Existe, sim, neste caso, uma monarquia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2008 - Página 17199