Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar as pesquisas científicas com o uso de células-tronco.

Autor
Heráclito Fortes (DEM - Democratas/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar as pesquisas científicas com o uso de células-tronco.
Aparteantes
João Pedro, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2008 - Página 17531
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LIBERAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, UTILIZAÇÃO, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO, BUSCA, TRATAMENTO, DOENÇA GRAVE, SALVAMENTO, VIDA HUMANA.
  • REGISTRO, RELEVANCIA, ANTERIORIDADE, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SEGURANÇA, BIODIVERSIDADE, FATO GERADOR, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • DEFESA, EMPENHO, CONGRESSO NACIONAL, GARANTIA, RECURSOS, INVESTIMENTO, EVOLUÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, BRASIL.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil ontem viveu um dia histórico. Com grande expectativa, a ciência brasileira aguardava a decisão finalmente ontem tomada pelo Supremo Tribunal Federal, liberando pesquisas com o uso de células-tronco.

O pedido de vista feito há cerca de dois meses pelo Ministro Carlos Alberto Direito foi oportuno porque motivou, durante esse período, uma reflexão maior, uma mobilização mais profunda e, acima de tudo, obrigou setores da sociedade brasileira a uma dedicação maior ao assunto. Na verdade, o que pouca gente percebeu foi que o fato real gerador daquela votação era uma lei já aprovada pelo Congresso Nacional, cuja constitucionalidade era discutida.

O Brasil, que tem respeitabilidade muito grande em todo o mundo, devido a seus cientistas e é vanguardista em muitas áreas da Medicina, não poderia, Senador Mão Santa, Senador Mozarildo, ficar a reboque de uma evolução inevitável para a humanidade.

A discussão entre os Srs. Ministros além de pedagógica, foi comovente. À porta do Tribunal, centenas de pessoas que dependiam diretamente daquela decisão para melhorar sua qualidade de vida, cidadãos em cadeiras de roda, pessoas com deficiências das mais diversas e que dependem do aprofundamento da pesquisa com a célula-tronco para terem esperança de voltarem a viver iguais a outros, fizeram uma mobilização fantástica.

Fiquei impressionado, Senador Mozarildo, com a mobilização, por exemplo, de alunos de 2º grau e de escolas superiores acompanhando em tempo real, por televisões ou por telões, aquele debate.

O Brasil, como um Estado laico, a Justiça também laica, não podia tomar uma decisão movida por qualquer sentimento que não fosse o da lei. É verdade que a ciência passou em toda a sua existência pela quebra de alguns tabus, venceu alguns preconceitos.

Ontem um cientista relembrava, Senador Mozarildo Cavalcanti, e V. Exª como médico tem mais condições de atestar a veracidade ou não, que lá atrás, quando se iniciou a prática da transfusão de sangue, houve uma polêmica, para a época, considerada crucial. O entendimento àquela época é que era um sacrilégio, era um atentado essa transfusão. Um século depois, torna-se uma atividade corriqueira e banal. A mesma coisa ocorreu na época do transplante de coração, para citar apenas dois exemplos.

Do que nós precisamos nos conscientizar é que o destino da célula-tronco não aproveitada dentro do padrão ético é o lixo. E aí eu pergunto: é ético deixar que a célula-tronco se perca nos caminhos da natureza colocando-se em risco de vida milhares de pessoas? Essa é uma questão que precisa de um aprofundamento maior até por parte daqueles que, por convicção, religiosa ou não, manifestam-se contra esse gesto que é um gesto de humanidade.

Sou contra se tirar a vida, a qualquer momento ou por qualquer circunstância, mas há uma diferença muito grande entre o que se propõe nas pesquisas com o uso da célula-tronco e o fato de se tirar uma vida.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Senador Mozarildo, com o maior prazer.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Heráclito, até gostaria de ouvi-lo mais para depois o apartear, mas o Senador Mão Santa está me pedindo para presidir porque, com certeza, também deseja aparteá-lo. Quero dizer que V. Exª foi muito feliz ao abordar esse tema hoje, porque, realmente, a decisão do Supremo de ontem foi uma decisão que marcou um divisor de águas. Na verdade, esse tema não deveria ter ido para o Supremo, porque a lei que aprovamos aqui, Senador Heráclito, é uma lei tímida, conservadora. Até digo mais a V. Exª: ela foi aprovada com a aquiescência, a orientação e a tolerância da Igreja Católica, que aceitou que apenas os embriões que estivessem há três anos congelados pudessem ser usados nessas pesquisas. Portanto, essa lei é tímida, essa lei não é avançada não. Mesmo assim, o ex-Procurador Geral da República, por ser católico e ter convicções arraigadas e atrasadas, resolveu entrar contra um artigo da lei, exatamente esse que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias. Ora, Senador Heráclito, como V. Exª exemplificou, a religião tem de parar de se meter nas coisas que não têm a ver com a religião. Respeito o pensamento daqueles que acreditam e têm as suas convicções. Então, não pratiquem! Não pratiquem! Agora, deixem a liberdade de convicção também àqueles que pensam de maneira diferente. Aliás, ontem um dos Ministros disse que a Igreja Católica tem um conceito sobre o início da vida; a religião judaica, outro; a religião islâmica, outro. Qual vai valer?

Qual vai valer? Então, não é o conceito religioso que tem de prevalecer. Acho que o Supremo avançou muito ao liberar essas pesquisas, porque, embora a lei tivesse sido aprovada pelo Congresso e depois sancionada com muitos mecanismos de salvaguarda, de fiscalização e de controle, ela foi questionada. Quero também dizer que temos de nos preparar para discutir coisas mais avançadas ainda. Por exemplo: a clonagem reprodutiva humana. Sou médico ginecologista. Imaginemos o caso de um casal infértil, digamos o homem infértil e a mulher fértil. Através de uma célula qualquer do corpo, da pele do homem por exemplo, pode-se fazer uma clonagem com o óvulo da mulher, e essa mulher ser capaz de ter um filho de ambos, quer dizer, dela e do marido. É um caso que ainda vamos ter de discutir. Já está em discussão no mundo. No Brasil, estavam nos impedindo de fazer a clonagem, a pesquisa para um possível uso terapêutico - ainda vai levar tempo para se chegar à terapia propriamente dita. Portanto, quero cumprimentar V. Exª pela abordagem e cumprimentar o Supremo, que, nos últimos dias, proferiu duas grandes decisões: primeiro, aquela da medida provisória, que proibiu o Governo de fazer medida provisória para criar crédito extraordinário; e essa agora, que realmente demonstrou que o Estado brasileiro, embora respeite todas as religiões, não é subordinado à nenhuma religião. Parabéns pela abordagem. Espero que possamos, inclusive, aprofundar e melhorar ainda mais essa lei, para que o Brasil possa se colocar em pé de igualdade com os países do Primeiro Mundo. Temos bons cientistas, temos bons pesquisadores. O que falta, primeiro, são leis modernas e, depois, financiamento adequado. Muito obrigado. 

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Senador Mozarildo, V. Exª tem absoluta razão. Eu até acho que, por princípios religiosos, temos o direito de formar as nossas convicções, mas não podemos colocar nossas convicções a serviço do atraso.

Imagine, Sr. Senador, se tivéssemos tido, ao longo da história, uma filosofia permanente de combate a esses avanços? O homem não teria ido à Lua! Os transplantes não teriam sido feitos, nem as transfusões. O que não se pode, de maneira nenhuma, meu caro Senador Mão Santa, é impedir ou cercear a comunidade científica de realizar pesquisas, desde que sejam para o bem da humanidade.

Não se está defendendo aqui - jamais se defenderia - a pesquisa que gere uma bomba atômica ou uma arma que coloque em perigo a humanidade. Ao contrário: a discussão é exatamente para salvar a humanidade.

A evolução científica, felizmente, nos levou à possibilidade da pesquisa da célula-tronco. Se olharmos à nossa volta com um pouco de atenção, nós vamos ver, Senador João Pedro - já lhe concederei o aparte -, quantas pessoas poderão ser beneficiadas com a evolução dessa pesquisa.

Quantas pessoas, Senador Mão Santa, vítimas da violência urbana, vítimas de tiros ou acidentes, tornaram-se paraplégicas? Quantos jovens, homens e mulheres na flor da idade, tiveram seus movimentos cerceados de repente e estão à espera de que a ciência descubra uma solução que lhes recoloque em situação igual à de todos nós?

Eu recebi, durante o dia de ontem, vários telefonemas de pessoas que passam por esse problema, e o que mais me sensibilizou é que recebi também telefonemas de netos, de filhos, Senador João Pedro, de cidadãos que sofrem do Mal de Parkinson por exemplo.

Acho que o nível do debate do Supremo de ontem foi extraordinário. Ontem à noite tive a preocupação de rever alguns trechos, algumas declarações de voto e o questionamento feito por alguns ilustres Ministros.

O Supremo Tribunal Federal, no meu modo de ver, deveria reproduzir aquele debate em fita e distribuí-lo a universidades, escolas, principalmente faculdades de Direito, e a quem interessar - sei que o custo é caro, mas poderia ser colocado à venda na Internet -, para que as pessoas vissem em detalhe os votos de cada um dos Srs. Ministros: os que votaram contra, os que votaram a favor, os que não votaram contra nem a favor, apenas alertaram para algumas posições.

Enfim, não temos o direito de avaliar o voto pessoal de cada um, mas, sim, o resultado como um todo, que não deixa de ser um grande resultado para a história. Portanto, o Brasil, ontem, viveu um grande dia.

Senador João Pedro, ouço V. Exª com o maior prazer.

O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Heráclito Fortes, eu que estava quase de saída, voltei para fazer o aparte, primeiramente para dizer da importância do registro. V. Exª faz essa reflexão acerca da decisão dessa Corte tão importante para a Justiça do nosso País e para a sociedade brasileira. Não quero diminuir o fato, mas quero dizer que o STF discutiu a constitucionalidade de um projeto oriundo do Senado da República - e aí quero repor a importância desta Casa. Parece-me que, quando da votação, a Casa votou quase por unanimidade, com exceção de dois Senadores, salvo engano .Então, eu quero ressaltar a importância histórica de o Senado da República - e eu não estava aqui - ter compreendido o momento e travado o debate aqui na Casa. Foi elaborado um projeto contemporâneo, avançado do ponto de vista do Estado brasileiro. É importante o registro da decisão do Supremo, mas quero falar do papel do Senado da República, que elaborou um projeto contemporâneo, pluralista, avançado, que teve um olhar laico do Estado brasileiro. E aí, sim, destaco a postura dos membros do Supremo Tribunal Federal de reconhecer a constitucionalidade desse projeto, desse produto relevante do Senado da República, do Congresso Nacional, sem restrições.

Penso que foi uma vitória da ciência, foi uma vitória do Senado, uma vitória da sociedade brasileira. Não quero entrar no detalhe, mas o dogma do século XV e do século XVI foi derrotado. Vitória da ciência, vitória do Estado laico, vitória de um olhar comprometido com o presente e com o futuro do Senado da República. Muito obrigado! Parabéns pelo registro e pela reflexão que faz, com muita tranqüilidade, acerca dessa decisão do Supremo.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM - PI) - Agradeço a V. Exª, Senador João Pedro, e quero dizer - V. Exª não estava no plenário como mesmo reconhece - que o primeiro parágrafo do meu pronunciamento foi exatamente para registrar que o começo dessa discussão foi aqui no Congresso, foi aqui no Senado, e mereci até um aparte do Senador Mozarildo Cavalcanti.

O problema é que, se o Supremo Tribunal votasse pela inconstitucionalidade, iríamos ter um atraso, um retrocesso. Então, essa é uma vitória que o Brasil tem que dividir entre si, com todos: Congresso, Supremo, mas, acima de tudo, com a população brasileira.

Ontem à noite - não sei se V. Exªs tiveram oportunidade de ver -, assisti a um programa da Globo News, comandado de maneira muito competente pela Maria Beltrão, uma experiente jornalista que, além de simpática e bonita, irradia segurança, onde houve um debate muito interessante sobre essa questão. Ouvi depoimentos emocionados, como o de uma senhora da família Moreira Salles, o de um músico que hoje se encontra paraplégico, vítima de bala perdida, e o de uma figura extraordinária, que participou do debate de maneira muito ativa, uma geneticista da Universidade de São Paulo chamada Mayana Zatz. Não a conheço pessoalmente, mas venho já de algum tempo acompanhando a sua luta. Inclusive, anteontem e ontem, procurou alguns ministros para esclarecer o seu voto, a clareza do voto para evitar dubiedade na interpretação e, por conseqüência, na contagem, fazendo com que eles, no dia seguinte, prestassem o devido esclarecimento e fizessem as colocações não só para o esclarecimento da opinião pública, mas também para o próprio entendimento que resultasse a contagem de votos. A esse programa, Mão Santa, eu recomendo assistir. É comovente, envolve pessoas que, anonimamente, lutam não só pela liberação da pesquisa, mas também pelo seu desenvolvimento.

A vitória de ontem, sabe bem o Senador Mozarildo, é apenas uma primeira e pequena etapa. A partir de agora, vamos ter que avançar nas pesquisas e, aí sim, meu caro Senador João Pedro, teremos de nos esforçar no sentido de colocar recursos para que essas pesquisas sejam feitas e que a excelência e a competência dos cientistas brasileiros tenha o respaldo desta Casa.

É muito triste ver crianças vítimas de bala perdida, de acidente de automóvel ou que nascem com alguma deficiência, que podem ter a vida retornada ao normal, dependerem apenas do “sim” ou do “não” de alguém que pode ser leigo sobre a matéria. Por mais competente que seja muitas vezes um Ministro na ciência jurídica, ele terá que votar motivado pela emoção ou pela lógica em questões como essa.

Portanto, meu caro Senador Mozarildo Cavalcanti, esse é um avanço que a ciência brasileira alcançou ontem, como alcançou na liberação dos transplantes, que foi outra polêmica muito grande. Eu quero lembrar aqui quantas vidas foram salvas pelo mundo afora com o milagre dos transplantes de coração, rim, fígado e por aí afora.

De forma que acho que o Brasil, ontem, teve o direito de fazer uma comemoração, que é, acima de tudo, da sociedade brasileira. Um país com o índice de violência que temos... Violência no trânsito, violência pelo uso indiscriminado de armas nas grandes cidades, onde as balas perdidas fazem vítimas a cada dia, vítimas completamente inocentes e alheias ao motivo de tanta violência, que têm limitadas suas ações e que ficam à mercê do avanço da ciência, que, por seu turno, depende de uma decisão histórica, como a tomada ontem.

Senador Mão Santa, com o maior prazer, escuto V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Heráclito Fortes, V. Exª dá demonstração de que é um Parlamentar integral, porque V. Exª adentra, e muito bem, um tema muito especializado. Mas o Senador Mozarildo mostra a grandeza da democracia. O Poder Judiciário é isto mesmo: um contrapoder freando o outro, controlando o outro, e tem de haver equilíbrio. Ele é chamado e enterra medida provisória abusiva em que o Governo buscava créditos especiais de forma debochada, irresponsável e incompetente, no começo do ano. Quer dizer, é um desrespeito pedir dinheiro. Cadê o planejamento? Fomos prefeitinho e Governador. Mas eles enterraram com a grandeza deles. Agora eles dão sinal verde para uma lei boa, nascida onde tem que nascer: aqui. Senador Heráclito Fortes, ela passou aqui, eu participei dela. Isso é tão sério, Mozarildo. Como V. Exª, há seis médicos aqui. Ô Mozarildo, fui professor de Biologia e Fisiologia. Aquele Waldomiro Potsch, eu sabia. Os três. Todos de Biologia, Zoologia e Botânica. E Houssay e Guyton, de Fisiologia médica. Ensinei Fisiologia na Faculdade de Medicina do Ceará. Então, os responsáveis pela lei, os relatores, vieram. Foi muito discutido isso na Subcomissão de Saúde. Sabem qual foi meu aconselhamento? Busquem - porque o assunto é muito especializado - os especialistas, os técnicos, os pesquisadores do País. Senador Heráclito, este País é tão avançado nessa ciência... Foi; este país foi organizado. Lá no Incor, lá no Hospital das Clínicas, o centro de pesquisas é tão grande, Heráclito, que, hoje, com o que pagam - mal -, de acordo com as tabelas do SUS, ele se mantém muitas vezes porque são contratados pelo mundo todo da pesquisa - fazem pesquisas médicas - para melhor a produção de laranja, de uva, na genética de alimentos do mundo. Então, eu disse claro que conheço. Tive o privilégio, Mozarildo, de conhecer pessoalmente, de conviver com Christiaan Barnard, com Zerbini, com Jatene, que ajudei servir.

Vi o nascer da pesquisa. Heráclito, atentai bem: Maquiavel é o que é. A Igreja bateu forte, e ele renasce como o pai da Ciência Política porque teve a coragem de separar a Igreja da política. Aí, foi um dos heróis do Renascimento. Quero dizer, Heráclito, como cirurgião, como sofremos - nós, os cirurgiões! Por muito tempo, não éramos nem aceitos como médicos, como doutores. Éramos os que tinham a panacéia, porque era preciso mexer no corpo humano, e isso era um sacrilégio. Nossos antecessores, precursores tinham que roubar cadáveres e escondê-los para estudarem Anatomia, porque isso era condenado pela Igreja. Abrir um tórax foi tabu para milhares. Então, Heráclito, lá, no Piauí, hoje, conseguimos; e, com esse avanço, fazem-se transplantes cardíacos com êxito desde quando eu era Governador. A ciência é isso. Por aqui, passaram os melhores pesquisadores-cientistas do País. Eu me calei, porque o assunto é muito especializado, é muito avançado, mas fui aos debates, participei. O que está escrito ali é a voz da ciência. Só adquirimos a ciência pelas bênçãos de Deus, e aquela foi uma lei boa e justa. Está aí dado o sinal. É como diz Mozarildo, na sabedoria de Platão: ousado com prudência. Quer dizer, foi uma lei boa, que V. Exª traduz, porque, mesmo não sendo da sua área - porque o assunto é muito especializada -, V. Exª demonstra a vasta cultura que tem em relação aos problemas. E dá grandeza à democracia esse equilíbrio do Poder Judiciário, que foi chamado para isto mesmo, para dirimir a dúvida. Meus parabéns pelo pronunciamento de V. Exª!

O SR. HERÁCLITO FORTES (PDMB - PI) - Meu caro Senador Mão Santa, Carlos Drummond de Andrade, em um dos seus versos, para que os outros entendessem suas limitações, diz uma frase fantástica, e Miguel Arraes a usou na sua posse como Governador eleito de Pernambuco: “Só tenho duas mãos e todo o sentimento do mundo”.

Para se ter sentimento, não é preciso conhecimento profundo do tema, principalmente nós, que vivemos em sintonia com as populações, em sintonia com o povo, com a realidade da vida. Graça a Deus, o homem público tem sensibilidade para sentir o drama social. Imagine se um homem fosse entulhado nas suas especialidades: se o médico só soubesse Medicina; o engenheiro, só Engenharia; o advogado, só leis, como é que seríamos? Para isso é que é preciso equilíbrio, que é exatamente produto da sensibilidade e do sentimento de cada um. Não acredito que, por mais seco, por mais duro que seja, o cidadão não se sensibilize com a dor de uma criança que, de repente, por problemas alheios à sua vontade, tornou-se paraplégica, vítima de um acidente, de uma bala perdida, do que quer que seja. A dor de se ver, por exemplo, os hospitais do Brasil carentes de medicamentos, com filas enormes... V. Exª, como médico e como governante, sabe muito bem o que é isso, e a impotência que, muitas vezes, sentimos de solucionar aquele problema. Governos a defender mais impostos, prometendo soluções miraculosas, por exemplo, para atender à saúde, mas a realidade do que se diz e do que se vê é bem diferente.

Os países que investiram em educação e pesquisa avançaram mais do que os outros, e aí vem a nossa preocupação com o nosso querido País, principalmente num momento como este, Mão Santa, em que a galeria está lotada de crianças. O Brasil não tem investido em pesquisas. O atual Governo, Senador Mozarildo, no primeiro ano, prometeu computadores a R$100,00 para as escolas brasileiras. No sexto ano, os computadores ainda não chegaram. Imaginem se esses computadores tivessem sido realmente distribuídos no primeiro ou no segundo ano do atual Governo! Sem dúvida, quatro anos depois, nós teríamos dado oportunidade a uma geração de se atualizar no mundo moderno e de aprender com as técnicas modernas, capacitando-se para enfrentar o desafio que o futuro lhe reserva.

O que vemos, por exemplo, nos orçamentos que votamos aqui, ano a ano, é a fome das empreiteiras por obras que muitas vezes são duvidosas, como os tapa-buracos constantes, anualmente, das estradas brasileiras, cujos reparos muitas vezes são irresponsáveis.

Não se vê preocupação com alocação de recursos para pesquisa, meu caro Mozarildo. Este é um País que pesquisa muito pouco, tendo um potencial fantástico de médicos, de cientistas, de engenheiros, que se dedicam e que honram o País. Quando ganham, lá fora, prêmios e troféus, sempre, mas sempre, é exclusivamente por mérito próprio, muitas vezes até desafiando a lei da gravidade.

Daí por que, meu caro Senador Mozarildo - V. Exª é médico, assim como Mão Santa, mas não precisa ser só médico -, nós, Senadores, que temos sensibilidade, deveríamos fazer um movimento agora, no próximo Orçamento, exigindo que um percentual seja colocado para pesquisas, pesquisas em qualquer campo, pesquisas que nasçam no ensino básico e que vão até os cursos de pós-graduação. Temos, Senador Mozarildo, de criar a cultura do investimento nesse setor.

O Brasil é, fatalmente, um dos candidatos a ser líder do mundo neste século. Está incluído, hoje, no que se chama BRIC, que é o grupo dos quatro países mais propensos ao crescimento: Brasil, Rússia, Índia e China. Nos três outros países, os investimentos em pesquisas são crescentes. A preparação do homem é diuturna. No Brasil, estamos pagando bolsas e estimulando a ociosidade, e, agora, até inovando, pagando bolsas a jovens de 16 ou 17 anos, sem a contrapartida. Um dia, vamos ver o mal que se está fazendo, porque, Senador Mozarildo, um programa de inclusão social faz bem a um país; um programa de dependência social arrasa um país. Não podemos, em um país que quer crescer, em um país que quer disputar com vários outros a hegemonia deste novo século, estimular uma geração a que ela se desestimule ao emprego e ao trabalho.

Portanto, finalizando o meu pronunciamento, felicito os vitoriosos de ontem. Os vitoriosos são os componentes do Tribunal, os parlamentares que discutiram aqui, nesta Casa e na Câmara dos Deputados, a matéria, que tornaram possível chegar-se ao dia de ontem. Quero, também, parabenizar aqueles que estavam presentes durante todo esse período de discussão, em cadeiras de rodas, com muletas, os que hoje não têm visão e que esperam, com as células-tronco, a possibilidade de recuperá-la. Quero me congratular com os que estão completamente imobilizados, mas que tiveram, na pessoa de seus pais, parentes e namorados, essa luta indormida para que, ontem, o Brasil pudesse ter uma vitória que nos vai impor ao mundo - é verdade que já com alguns anos de atraso, pois estamos, Senador Mozarildo, pelo menos dez anos atrasados. As pesquisas de células-tronco, no momento, no Brasil, são feitas com embriões importados, vindos de outros países - vejam bem os senhores -, principalmente dos Estados Unidos.

Volto a repetir o que eu disse no começo, Senador Mão Santa - e o Senador Mozarildo foi muito feliz. A nossa lei ainda é tímida, ainda é atrasada, mas é o primeiro passo, o primeiro avanço. Tenho certeza de que iremos aperfeiçoá-la. As cautelas tomadas para possibilitar essa pesquisa restringem, no tempo e no espaço, o que será pesquisado, mas já é um avanço. E, aí, fica um questionamento para as pessoas de bom senso: entre o caminho do lixo, que será, fatalmente, o destino da célula-tronco não pesquisada, e o caminho dos laboratórios, para salvar a humanidade, meus senhores e minhas senhoras, nós vamos ficar com o quê?

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2008 - Página 17531