Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito do encontro que a FAO está realizando em Roma.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Reflexão a respeito do encontro que a FAO está realizando em Roma.
Aparteantes
Neuto de Conto.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2008 - Página 17867
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, DISCUSSÃO, PROBLEMA, ALIMENTAÇÃO, MUNDO, OPORTUNIDADE, ANALISE, VANTAGENS, BRASIL, DESCOBERTA, RESERVA, PETROLEO, SUPERIORIDADE, PRODUTIVIDADE, CANA DE AÇUCAR, INFERIORIDADE, CUSTO, UTILIZAÇÃO, COMBUSTIVEL FOSSIL, PRODUÇÃO, ALCOOL, SUFICIENCIA, EXTENSÃO, TERRAS, GARANTIA, FORNECIMENTO, LONGO PRAZO, MERCADO INTERNO, MERCADO EXTERNO.
  • ELOGIO, EMPENHO, GOVERNO BRASILEIRO, TRANSFORMAÇÃO, MATRIZ ENERGETICA, BRASIL, UTILIZAÇÃO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ZONEAMENTO, AREA, FLORESTA, DESTINAÇÃO, ALIMENTAÇÃO, IMPEDIMENTO, TRANSFORMAÇÃO, ALIMENTOS, COMBUSTIVEL, IMPORTANCIA, POLITICA, PROTEÇÃO, TRABALHADOR, PROPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, FUNDOS, EXPORTAÇÃO, ALCOOL, GARANTIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o mundo inteiro está olhando, esses dias, para o encontro que a FAO está realizando em sua sede, em Roma. E o Brasil tem tudo a ver com isso. Primeiro, porque, como um país que faz parte deste planeta, que faz parte deste condomínio Terra, nós somos responsáveis pelo que acontece com o aumento dos preços do petróleo, se não como causadores, pelo menos como preocupados. Segundo, porque um dos temas discutidos é o problema do etanol, Senador, pelo qual o senhor tem estado tão interessado.

            Creio que, neste momento em que o Brasil e o mundo inteiro estamos na véspera de decisões, de reorientações na matriz energética mundial, sobretudo no que se refere ao combustível liquido para mobilizar transporte, precisamos refletir bastante.

            A primeira reflexão é de que esta é uma das maiores oportunidades que o Brasil já teve, se não for a maior de todas de nossa história. Mas não é a primeira. Não é a primeira! Quinhentos anos atrás, o Brasil teve a oportunidade de produzir e de exportar açúcar e conseguiu fazer com que Olinda, em Pernambuco, fosse uma das cidades mais ricas de todo o mundo. Depois, tivemos a oportunidade da descoberta do ouro e conseguimos fazer com que Ouro Preto fosse não apenas uma das cidades mais ricas do mundo como conseguimos fazer Roma uma cidade rica graças ao ouro que saiu do Brasil.

            Tivemos a oportunidade do café, da borracha, do algodão, tivemos diversas oportunidades, mas talvez nenhuma tão importante como aquela que agora chega ao Brasil sob a forma dos produtos básicos da energia. É incrível que, quase ao mesmo tempo em que o preço do petróleo chega aos patamares nunca imaginados alguns meses atrás, o Brasil descobre reservas petrolíferas tão grandes quanto nos maiores países petrolíferos do mundo. A última reserva, embora não esteja toda dentro da nossa área, do nosso mar territorial, uma parte vai além, é considerada uma reserva maior do que a da Arábia Saudita. E, ao mesmo tempo, enquanto a gente descobre petróleo, a gente percebe que o mundo inteiro deseja se reorientar para um novo padrão energético baseado no biocombustível.

            E, aí, vem a grande vantagem do Brasil. O Brasil tem condições, em primeiro lugar, de produzir o etanol a um custo muito inferior aos custos dos outros países, sobretudo porque a cana é muito mais produtiva do que todas as outras matérias-primas, especialmente o milho, como os Estados Unidos estão fazendo o etanol.

            Mas não é só isso. A grande vantagem do Brasil é que a cana usa menos combustível fóssil para produzir álcool do que os outros produtos básicos. Mas não é só isso. A grande vantagem do Brasil é que nenhum outro país detém, hoje, a quantidade de terras aráveis suficientes na mesma quantidade para produzir cana-de-açúcar, para produzir etanol e, a partir daí, energia. Temos, hoje, terras aráveis não sendo utilizadas de 80 milhões de hectares.

            Oitenta milhões de hectares são suficientes para fornecer etanol para toda frota norte-americana de automóveis, o que, obviamente, não é a pretensão de nenhum país. Nenhum país tem a pretensão de sozinho fornecer isso. E não temos a pretensão, nem devemos, de transformar toda nossa terra arável, não utilizada ainda, em terra a serviço do transporte no mundo. Mas se a gente pegar apenas 25% - apenas 20 milhões de hectares -, nós podemos ter uma capacidade de produzir etanol que gerará para o Brasil uma fonte de dólares suficiente para o País aproveitar de uma forma importante essa chance que a história e a natureza brasileiras estão nos dando, junto com a tecnologia que o Brasil tem, desenvolvida desde 1905, quando começaram as primeiras experiências brasileiras com etanol.

            Por isso, eu creio que devemos aplaudir a luta que o Governo brasileiro vem desenvolvendo neste momento no sentido de aproveitarmos essa onda de transformar o Brasil em uma grande fonte de energia - e uma energia renovável. Nenhum outro país teria condições de fornecer energia fóssil na quantidade que nós temos de fornecer energia do etanol. Mas a diferença é que, se eles fornecessem essa energia, ela rapidamente se esgotaria. O Brasil pode fornecer essa energia e, ano após ano, continuar produzindo a mesma quantidade de energia. Essa é uma oportunidade que nós não podemos perder.

            Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar que aconteça, agora, com a possibilidade do álcool, do etanol, o mesmo que aconteceu com o açúcar, com o algodão, com o ouro, com o café, com a borracha. Nós produzimos tudo isso, Senador Valadares, e quase nada ficou no Brasil no final das contas. O nosso ouro deixou mais marcas na Europa do que no próprio Brasil.

            É por isso, Senador Expedito, que a gente tem de aproveitar essa onda. Mas a gente tem de tomar alguns cuidados. O primeiro é ter claro que essa produção não virá às custas terras nem de florestas, nem de agricultura. E não são necessárias áreas novas de florestas e de alimentos para isso. Temos 80 milhões de hectares à disposição. Nós não vamos precisar mais de 20 milhões de hectares para sermos um importante produtor e exportador de etanol. Mas é preciso tomar um cuidado. Se deixarmos livre ao mercado, o que vai acontecer é que o produtor vai procurar a primeira terra para produzir o etanol e vai começar pela terra onde hoje se produz alimentos. É mais barato entrar onde está perto.

            Segundo, se a gente não tomar cuidado, em pouco tempo, haverá, sim, a transformação de alimentos em álcool. Tínhamos de aumentar a produção de álcool, temos de embarcar nessa onda, mas temos de reservar as áreas necessárias para manter a produção de alimentos e de reservar áreas onde se diga que vamos conservar como florestas, onde não vai entrar a produção de etanol. Se a gente quiser, temos mais controle ou facilidade, não apenas nos 80 milhões de hectares que temos hoje, mas podemos ter 100 milhões a mais. Basta fazer com que a produção de carne neste País, em vez de um boi por hectare, a gente ponha dois bois por hectare, que é uma baixíssima produtividade quando a gente compara com outros países do mundo.

            Hoje, 200 milhões de hectares são reservados para o pasto. É perfeitamente possível manter essa produção de carne reduzindo a área extensiva onde ela é produzida. Se a gente colocar mais 100 milhões de hectares, a gente poderia exportar quase que o suficiente para duas vezes toda a frota de automóveis dos Estados Unidos. Isso é possível. Agora, é preciso tomar alguns cuidados, para dizer quais as áreas onde não vamos transformar comida em etanol, quais as áreas onde não vamos transformar florestas em etanol e quais as áreas, imensas áreas a nossa disposição, para aproveitarmos a grande onda que chegou do uso do solo brasileiro como fonte energética para o mundo inteiro.

            Senador, com muita honra, concedo-lhe um aparte.

            O Sr. Neuto de Conto (PMDB - SC) - Eminente Senador Cristovam Buarque, realmente é um tema apaixonante. Este País tem a oportunidade de usar somente 1% das terras ocupadas hoje para a agricultura e produz 25% do combustível da nossa frota que usa etanol. Nesse 1% somente, já produzimos 19 milhões de litros de álcool e exportamos 10% e não usamos nem um palmo das terras da Amazônia para produzir cana e produzir etanol. Conseqüentemente, se pudéssemos usar somente 10% do território nacional, poderíamos alimentar não só a frota americana, como participar...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Neuto de Conto (PMDB - SC) - ... também da frota mundial. Por isso, quero cumprimentá-lo por esse pronunciamento, no qual V. Exª debate uma riqueza extraordinária do País. Sem dúvida alguma, na próxima década, 50% do PIB nacional sairá, sim, do setor produtivo primário que, já hoje, detém 36%. Parabéns pelo pronunciamento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador. Sei que V. Exª é um dos homens mais preocupados com esse assunto nesta Casa. Estamos totalmente de acordo. Talvez o que a gente precise afinar nesta Casa sejam algumas regras, alguns cuidados, porque a força do mercado de combustível no mundo é uma força avassaladora. Há uma grande diferença entre tanques de automóveis que demandam estômagos que necessitam. Temos de combinar os dois. E é simples combinar os dois. Há espaço para atender os dois. Basta definir as áreas em que não será possível transformar alimentos em combustíveis apenas porque o mercado favorece. Basta definir as áreas em que não podemos transformar florestas em combustível, porque isso levaria à destruição de florestas. Mas, para mim, não basta isso.

            Eu pediria mais um ou dois minutos ao Sr. Presidente para concluir mais algumas sugestões.

            A terceira sugestão, além do zoneamento de florestas e de área para alimentação, é nós cuidarmos do destino dos trabalhadores dessas áreas, porque a riqueza da cana, a riqueza do café, a riqueza do ouro, a riqueza que o Brasil já explorou não deixou nada em benefício do trabalhador local que produzia. 

            Os trabalhadores da borracha continuam, até hoje, em dificuldades, como os plantadores de cana do Nordeste, como os bóias-frias que exportam a laranja. É preciso que haja uma política trabalhista, capaz de proteger os trabalhadores para que os benefícios da exportação do etanol cheguem a suas mãos também. Se deixarmos apenas nas mãos livres, a gente não vai conseguir fazer isso.

            Finalmente, outra lição do passado é entender que esses dólares que vão entrar aqui - e que vão ser muitos, se soubermos aproveitar - não sejam desperdiçados, como foi o ouro, como foi o café, como foi o açúcar, como foi a borracha. Para isso, eu proponho um fundo a partir de royalties cobrados pelo etanol exportado, como hoje existe royalty sobre o petróleo explorado. Se temos um royalty sobre o petróleo explorado, por que não ter um royalty sobre o etanol exportado? E que a gente possa, com este fundo, fazer aquilo que a Irlanda fez graças à entrada na Comunidade Econômica Européia. Quando eu dizia aqui que a Irlanda fez um pacto pela educação, as pessoas diziam: mas a Irlanda teve a Comunidade Européia. Nós não temos a Comunidade Européia, nós temos o etanol, temos a nossa terra. Terra que deve servir ao povo brasileiro. Obviamente, paralisada essa terra não serve. Vamos aproveitá-la para produzir energia, mas que os resultados dessa energia produzida sirvam ao nosso povo. Isso é possível. Basta sabermos aproveitar, agora, o que as gerações anteriores não souberam até porque não tinham o conhecimento necessário.

            Vamos fazer um projeto Etanol para o Brasil, exportando, mas sabendo de onde tirar o etanol. Exportando e sabendo para onde mandar o dinheiro que virá em conseqüência das exportações.

            Sr. Presidente, era isso o que eu tinha para falar, dando todo o apoio e o incentivo para que o Brasil avance, aproveitando a onda energética que vem aí; mas que avance com experiência, lembrando os erros do passado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2008 - Página 17867