Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Retrospectiva histórica sobre a indústria naval brasileira e previsão de nova "era de ouro" para o setor, com a determinação do governo de nacionalizar as encomendas da Petrobras.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • Retrospectiva histórica sobre a indústria naval brasileira e previsão de nova "era de ouro" para o setor, com a determinação do governo de nacionalizar as encomendas da Petrobras.
Aparteantes
Flexa Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2008 - Página 18207
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, ABERTURA, PORTO, BRASIL, DEBATE, SENADO, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, OCORRENCIA, AUDIENCIA PUBLICA, SAUDAÇÃO, DESCOBERTA, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), JAZIDAS, PETROLEO, GAS, PLATAFORMA CONTINENTAL, ANUNCIO, ENCOMENDA, PETROLEIRO, INCENTIVO, INDUSTRIA NAVAL, INDUSTRIA NACIONAL.
  • APRESENTAÇÃO, LEVANTAMENTO DE DADOS, HISTORIA, EVOLUÇÃO, NAVEGAÇÃO, INDUSTRIA NAVAL, BRASIL, ATUALIDADE, ATUAÇÃO, GRUPO EXECUTIVO DA INDUSTRIA DE COMERCIO NAVAL (GEICON), FUNDO DE MARINHA MERCANTE (FMM), IMPORTANCIA, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO, SETOR, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO, MUNICIPIO, ITAJAI (SC), NAVEGANTES (SC), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), PREVISÃO, AMPLIAÇÃO, EMPREGO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, REDUÇÃO, DESPESA, FRETE, EMBARCAÇÃO ESTRANGEIRA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SENADO, APROVAÇÃO, MATERIA, APOIO, CRESCIMENTO ECONOMICO, FAVORECIMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FUNDO DE MARINHA MERCANTE (FMM), FINANCIAMENTO, INDUSTRIA NAVAL.

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Agradeço.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós estamos comemorando, este ano, os duzentos anos da abertura dos portos brasileiros.

            Tivemos na semana passada um debate a respeito dos portos brasileiros e do marco regulatório dos portos brasileiros, de altíssimo nível, aqui no Senado da República. E tivemos a oportunidade, ontem, numa audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos, de vislumbrarmos - eu diria ainda de forma incipiente, porque, como se diz na gíria, “ainda não caiu a ficha” - o significado das descobertas de jazidas importantíssimas de petróleo e gás que a Petrobras está realizando na plataforma continental.

            Tanto isso é verdade que, amanhã, o Presidente da Petrobras vai comparecer ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para apresentar, de forma explícita, todo o potencial de compras que a Petrobras vai desenvolver agora, no próximo período. Só de navios, além dos 26 petroleiros que já foram encomendados, nós temos 126 novos navios sendo encomendados pela Petrobras.

            É bom sempre lembrar que um navio é uma verdadeira cidade. Para se colocar um navio no mar, precisa de tantas coisas quanto em uma moradia, um conjunto habitacional. Ou seja, é uma situação que demanda toda a indústria, praticamente, do nosso País.

            Então, essa questão dos portos, da demanda que a Petrobras passa a fazer a partir das descobertas das jazidas coloca a questão da indústria naval e da navegação brasileira na ordem do dia, Senador Augusto Botelho. Eu não tenho nenhuma dúvida. Aí solicitei à minha assessoria que pudéssemos apresentar, aqui no plenário, uma retrospectiva do que foi, do que é e do que tem potencial de ser a indústria naval e a navegação neste País de mais de oito mil quilômetros de costa e de uma dimensão de potencialidade de navegação interna, fluvial, das nossas hidrovias, fantástica, e que, infelizmente, é absolutamente subutilizada.

            Então, tem alguns dados interessantíssimos, nesse levantamento histórico, Senador Neuto de Conto. Eu mesma fiquei surpresa com os dados que, a meu pedido, minha assessoria levantou.

            Nós temos os primeiros registros de embarcações construídas, aqui no Brasil, em 1531. Embarcações do tipo europeu, fabricadas no Rio de Janeiro: dois bergantins - embarcação à vela e remo. Tomé de Sousa, quando instalou aqui o Governo-Geral, já trouxe um grupo de artífices especializados, que incluía mestres de construção, carpinteiros, calafates e ferreiros. O primeiro estaleiro estabelecido foi o da Ribeira das Naus, no final do século XVI, na Bahia, durante o Governo de D. Francisco de Sousa.

            Em 1651, foi autorizada a construção do Arsenal da Marinha da Bahia. O Estaleiro Real, à época, 1651, construía navios, Senador Jayme Campos, de grandes dimensões, de mil toneladas - já em 1651. A indústria naval, inclusive naquela época, já se desenvolvia num ambiente natural com os portugueses, até por conta da rota das Índias, transferindo sua tecnologia para cá.

            Em 1670, no Rio de Janeiro, foi construída a Nau Padre Eterno, o maior navio do seu tempo em todo o mundo. O maior navio de então foi construído exatamente no século XVII, no Rio de Janeiro.

            Quando foi fundado o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, cuja primeira construção foi a Nau São Sebastião, em 1767, o Arsenal de Marinha do Rio ocupava uma área de 300.000 m2. Portanto, naquela época, no final do século XVIII, havia maiores estaleiros do que muitos da atualidade.

            A partir de 1840, retornam os primeiros brasileiros formados em Engenharia Naval na Europa. Inclusive, tínhamos a preocupação à época de formar mão-de-obra altamente especializada para desenvolver a Marinha e a indústria naval brasileira.

            Em 1852, foi construído o primeiro navio à hélice no Brasil. Em 1865, a construção do primeiro navio encouraçado. Em 1883, o primeiro navio de construção inteiramente metálica. Em 1890, foi lançado ao mar o Cruzador Tamandaré, de 4.537 toneladas, cujo porte, Senador Neuto de Conto, só seria ultrapassado no mundo 72 anos depois. Então, em 1890, nós construímos um navio de quase 5 mil toneladas que, apenas depois de 72 anos, no mundo, alguém construiria algo maior, com maior potência.

            No início do século XX, nós tivemos 50 anos de paralisação da indústria naval brasileira. Então, foi um período de estagnação, apenas três navios, nesses 50 anos, foram construídos no estaleiro Henrique Lage. Mas, com a criação do Fundo de Marinha Mercante, em 1958, e depois, com a organização do Geicon (Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval e da Comissão de Marinha Mercante), renasceu o setor de grande construção naval no Brasil. O primeiro navio construído dentro do programa foi o cargueiro Ponta d’Areia, de 1.550 toneladas, em 1961, no estaleiro Mauá.

            Em 1972, com a construção de submarinos da classe Tupi, de projeto alemão, o Brasil passou a integrar o restrito grupo de países capazes de construir submarinos.

            Na década de 80, a indústria naval brasileira era, nada mais, nada menos, do que a segunda indústria naval no mundo. Na década de 80, nós éramos a segunda indústria naval do mundo na construção de grandes embarcações. Nós exportávamos à época navios para Inglaterra, França, Alemanha, Grécia Estados Unidos.

            Nessa época, a indústria naval brasileira tinha em torno de 40 mil trabalhadores, com uma produção de trinta navios por ano, num total de um milhão de toneladas de navios construídos.

            Na década de 90, entramos em um grande processo de recessão, de desmonte da indústria naval. Perdemos inclusive um momento privilegiado em que a frota internacional envelheceu, precisou ser renovada, e o Brasil não aproveitou essa onda positiva da renovação da frota naval internacional. Nós perdemos isso. Infelizmente, o Brasil não aproveitou essa onda.

            Nesse período, principalmente a partir de 1995, os gastos do Brasil com o transporte marítimo foram à loucura, foram a valores insustentáveis, inclusive na nossa balança comercial. Em 1996, o Brasil gastou US$6 bilhões em fretes, sendo pagos US$5,7 bilhões por afretamentos em navios de bandeira estrangeira. Nós perdemos inclusive a nossa navegação de cabotagem. Nós exportamos dólares a partir do fretamento em bandeira internacional: 95% dos transportes e dos fretes pagos para empresas e navios de bandeira internacional, conforme os dados do próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC.

            Mas nós tivemos uma intensificação no final da década de noventa, época em que os gastos com o frete ultrapassaram a casa dos US$10 bilhões ao ano em transporte marítimo. Em 1999, a indústria naval brasileira que, na década de 80, tinha quarenta mil trabalhadores, Senador Paim, no final da década de 90, estava reduzida a apenas quinhentos funcionários em todo o Brasil. E o famoso estaleiro Mauá tinha apenas vinte funcionários. Esse estaleiro Mauá, que construiu navios tão importantes, tinha vinte funcionários, Senador Neuto de Conto, apenas para tomar conta do prédio e não haver depredação.

            É por isso que, neste momento, estamos vivenciando uma retomada da indústria naval e a entrada dessa grande potencialidade e a Petrobras vai, inclusive, explicitar amanhã aos principais empresários e setores produtivos, fazendo um alerta, como o próprio Presidente Lula fez questão de fazer no lançamento do Programa de Desenvolvimento Produtivo: “Preparam-se para produzir, preparem-se para fornecer, coloquem a estrutura produtiva em funcionamento, porque o volume de compras será significativo”.

            Eu venho de um Estado, como o Senador Neuto de Conto, onde a indústria naval já foi setor de ponta, e, felizmente, está retomando com os estaleiros na região de Itajaí e Navegantes. Inclusive, estamos entrando na fabricação do setor esportivo, das lanchas, dos iates, com produção também significativa no nosso Estado. Essa indústria naval que emprega mão-de-obra altamente qualificada, com altos rendimentos, tem uma tecnologia que repica em toda a economia. Não tenho dúvida de que só os 126 novos navios que a Petrobras já anunciou que vai comprar, Senador Paulo Paim, vão gerar 76 mil novos empregos. Ou seja, só a encomenda da Petrobras vai gerar quase o dobro do número de trabalhadores na indústria naval, na época áurea da indústria naval, no Brasil, na década de 80, quando tivemos 40 mil trabalhadores empregados nos diversos estaleiros de todo o Brasil.

            Por isso, não tenho dúvida de que, neste ano em que comemoramos os 200 anos da abertura dos portos, nós que não queremos que os portos não tenham regulamentação, que não sejam tratados como prestadores de serviço público para todos, a medida adotada pela Petrobras, deliberada pelo Presidente Lula, de fazer todas as compras aqui no Brasil vai trazer novamente o desenvolvimento dessa indústria naval. Essa indústria que, ao longo desses mais de 500 anos da história brasileira, já foi orgulho em muitas épocas, foi a segunda indústria naval do planeta; seus navios construídos à época foram considerados os maiores do mundo. Não tenho dúvida de que vamos retornar a esse bom momento. 

            Para nós, é muito importante que tudo isso esteja se dando não só como desenvolvimento, não só com a geração de novas indústrias, novos pedidos, novas demandas produtivas, mas principalmente que isso tudo esteja vindo acompanhado daquilo que o Presidente Lula sempre diz que é sua verdadeira obsessão, que é crescer, mas que desse crescimento resulte distribuição de renda.

            Tenho certeza de que a indústria naval brasileira tem esse potencial, tem essa possibilidade não só pela geração de empregos, pela tecnologia, mas também pelo alívio de nossas contas, porque quanto mais navios de bandeira brasileira tivermos para navegação de cabotagem, para transportar exportando e importando produtos com bandeira brasileira e que aqui no Brasil são tão necessários, vamos economizar absurdos que já tivemos que pagar em frete: no final da década de 90, esses valores chegaram a mais de US$10 bilhões.

            Ouço com muito prazer o Senador Flexa Ribeiro para, depois, poder concluir meu pronunciamento e ir para a reunião de Líderes.

            O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA) - Senadora Ideli Salvatti, quero parabenizá-la pelo seu pronunciamento, em que mostra a possibilidade de a indústria naval brasileira, agora com as encomendas da Petrobras, crescer e até dobrar, como V. Exª bem disse, o número de postos que tinha na fase áurea da indústria naval brasileira. Lamentavelmente, só quero fazer um adendo ao pronunciamento de V. Exª para que essa euforia na indústria naval brasileira - inclusive com a abertura de novos estaleiros, empresas que não tinham expertise na área abram estaleiros para poder suprir a demanda da Petrobras - não seja um vôo de galinha, um vôo curto, que não seja perene. Nós precisamos para o Brasil, realmente, do fortalecimento da indústria naval, mas de uma forma sustentada em que se gerem empregos e que esses empregos sejam mantidos pelo crescimento permanente do setor. V. Exª tem razão, a cabotagem brasileira praticamente acabou e nós precisamos retomar tanto a cabotagem quanto a navegação interior, principalmente na Amazônia. É só este adendo ao pronunciamento de V. Exª para que possamos sustentar este crescimento que hoje ocorre na indústria naval brasileira.

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Flexa Ribeiro. E vou concluir, Senador Augusto Botelho.

            É muito importante, porque nós temos, com a participação aqui do Senado, aprovado matérias que vão exatamente ao encontro da preocupação do Senador Flexa Ribeiro, que é dar sustentabilidade a todo esse desenvolvimento. Ontem, nós aprovamos o aporte de R$12,5 bilhões na capacidade de financiamento do BNDES, e isso tem tudo a ver com dar sustentação, porque o BNDES tem participado de forma efetiva no financiamento desses empreendimentos e desse desenvolvimento, da retomada da indústria naval.

            Quando nós modificamos o Fundo da Marinha Mercante, também aqui no plenário do Senado, nós trabalhamos nesta perspectiva de dar sustentabilidade para o financiamento.

            A aprovação aqui do projeto para a Transpetro poder financiar aqueles navios, os 26 petroleiros que vão ser construídos, que estão sendo construídos no Rio, em Pernambuco e em Santa Catarina, também vai ao encontro dessa preocupação.

            Por isso, Senador Flexa Ribeiro, esta retomada do crescimento da indústria naval, no meu ponto de vista, pelo volume de recursos da Petrobras, do BNDES, do Fundo Nacional de Marinha Mercante e da Transpetro, é irreversível.

            Vamos voltar - não tenho dúvida - a ocupar, no cenário nacional e internacional, o papel que o Brasil já ocupou de liderança em indústria naval e Marinha em outras épocas. Não tenho dúvida disso, Senador Augusto Botelho.

            Quero até agradecer a minha assessoria o levantamento dos dados históricos que eu tenho certeza de que não surpreenderam apenas a mim, mas a todos aqueles que tiveram a oportunidade de ouvir o pronunciamento, que foi muito detalhado, realmente com momentos da navegação e da Marinha brasileira, da indústria naval brasileira de que não tínhamos conhecimento.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2008 - Página 18207