Discurso durante a 98ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do intelectual e ex-Senador Artur da Távola.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do intelectual e ex-Senador Artur da Távola.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2008 - Página 18996
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ARTUR DA TAVOLA, EX SENADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, AFASTAMENTO, POLITICA, FRUSTRAÇÃO, FALTA, ETICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, OBRA INTELECTUAL.
  • SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, CONTRIBUIÇÃO, REPRODUÇÃO, PROGRAMA, EMISSORA, RADIO, TELEVISÃO, SENADO, AUTORIA, ARTUR DA TAVOLA, SENADOR, DIVULGAÇÃO, CULTURA, MUSICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Alvaro Dias, querida amiga Mirian, esposa do nosso querido e bravo Senador, jovem Eduardo Monteiro de Barros, querido filho, senhoras e senhores, se é possível medir o tamanho da consternação que sentimos, eu diria que, para muitos de nós, a partida de Artur da Távola foi a partida de um irmão, daqueles irmãos verdadeiros, companheiros de travessia na vida, daqueles com quem gostaríamos ainda de caminhar por muito tempo, embora a dureza da trilha.

Artur e eu temos a mesma origem. Os pais dele e os meus vieram lá do Líbano, lá do Oriente. Os pais dele e os meus foram lá para o Rio Grande do Sul: os meus pais, para Caxias do Sul; os pais dele, para Garibaldi e Bento Gonçalves. Somente depois, muito tempo depois, os pais de Artur da Távola mudaram-se para o Rio de Janeiro. E lá, no Rio, nasceu Artur da Távola. Portanto, ele era um carioca, mas que preservava os sentimentos mais verdadeiros do Brasil e - perdoem-me os cariocas - também do Rio Grande do Sul e da cultura libanesa, que cultuamos ao longo do tempo.

Eu não tenho qualquer dúvida de que, nesta homenagem, também se irmanam milhões de brasileiros de todos os recantos deste imenso País, amantes da política ética, amantes da música, amantes da arte, da solidariedade, da humanidade, do companheirismo e da sensibilidade que a vida dita moderna teima em nos subtrair, tenhamos ou não “medo da música clássica”.

O Artur era um conterrâneo de todos nós. Diria que, nesta Casa, ele representava todo o Brasil, o Brasil de todos os contrastes, unificado pela sua sensibilidade poética e política.

O Artur era uma espécie de lente, capaz de nos permitir a visão da alma, prova maior da existência de Deus.

Ele conseguia traduzir o que parecia intangível para todos nós, mortais. O clássico, na beleza de suas palavras, tornava-se popular. Com ele, o popular, enquanto alma do povo, transformava-se na mais bela poesia.

Ele trouxe, para a política, o seu canto. A política lhe retribuiu com o desencanto.

O Artur da Távola poeta é imortal. O Artur da Távola político, nós o perdemos. Sim, nós o perdemos quando transformamos a política em mera atividade de mortais sem alma e sem a sensibilidade dos poetas.

Que imensa beleza ele nos deixa como escritor, poeta, testemunha e porta-voz de Deus! Que falta nos faz como político!

Essa imensa contradição deveria servir como reflexão para todos nós.

Por que alguém que traduz, como ninguém, o sentimento do povo procura se afastar da política? Por que alguém consegue fazer da poesia a política, e muitos não alcançam fazer da política um sentimento do povo, uma poesia da vida?

O afastamento de Artur da Távola da política - e ele não está aqui, que era onde ele deveria morrer, nesta Casa e nesta tribuna -, mantendo a sua mais bela inspiração política e poética, não faz sentido; pelo contrário, faz-nos sentir que, na verdade, somos nós que estamos nos afastando, cada vez mais, do povo, da sociedade. E o que é pior, cada vez mais nos afastando da imortalidade de Deus.

O Artur era muitos. Quem sabe ele era todos nós. Quem sabe ainda ele era o que todos nós gostaríamos de ser.

Como escritor, ele foi brilhante em todos os seus livros, nas mais de duas dezenas de publicações, sem contar os inúmeros artigos publicados em grandes jornais de todo o País. Toda sua obra tinha um traço comum: o ser humano e os mais nobres sentimentos de humanidade, de solidariedade, de compaixão, de amizade e, principalmente, de amor.

Articulava, como ninguém, as palavras, embora dissesse que “a palavra é o melhor e o mais impreciso meio de representar o real”. Repito: “A palavra é o melhor e o mais impreciso meio de representar o real”. Dizia mais Artur da Távola: “A palavra representa o esforço do homem para aprisionar, traduzir, decodificar e até reinventar a fluidez do real”. E continuava: “É instrumento precário e, ao mesmo tempo, único, original, deslumbrante”.

Quando Artur falava desta tribuna de improviso, quando dizia seus discursos de última hora e subia sem nenhuma preocupação de como fazer, era impressionante. O seu discurso era perfeito; parecia que ele o tinha redigido com um mês de preparo e que o estava lendo frase por frase. E isso eu dizia para ele: que coisa fantástica! Tirei vários discursos dele da Taquigrafia feitos de improviso - eu e outros companheiros -, e não havia uma vírgula fora do lugar, não havia uma palavra fora do lugar; parece que ele havia preparado aquilo já pronto para ir para a gráfica.

Que falta ele vai nos fazer, principalmente neste instante que o Brasil mais precisa de todos os sentimentos que marcaram a sua existência entre nós; neste momento em que perdemos a sua palavra única, original e deslumbrante. Um momento em que, parece, perdemos os melhores talentos, os melhores valores, as maiores referências. Sem ele, sem a sua poesia, perdemos também mais uma de nossas mais ilustres referências. Ele parte exatamente num momento de comoção, de indignação nacional por acontecimentos na humanidade e no Brasil que exigem, cada vez mais, a nossa compreensão, a nossa solidariedade e, principalmente, o nosso respeito.

Não sei até que ponto, portanto, chegou o desencanto de Artur, a sua indignação, a sua frustração. É que a humanidade também teima em caminhar na contramão da realidade.

A importância de Artur da Távola tem o tamanho de nossa saudade.

Em vida, ele uniu tantos, não importa se tão diferentes. Na despedida, lá estavam esses tantos a rodeá-lo e a reverenciá-lo e, mais uma vez, parece que não havia ali nenhuma diferença. Eram todos semelhantes como ele tanto queria. Estavam ali a música, o teatro, a política, a poesia, o jornalismo, o político, o suntuoso, o singelo, o modesto, o clássico, o erudito, o popular.

Eu costumo dizer que há homens que se contentam em viver bem a história. Vivem bem a história e se dão por satisfeitos. Há outros que são mestres em contar a história. Artur da Távola era daqueles que viveram a história, construíram a história e contaram a história. Mais do que isto: para modificá-la naquilo que fugisse do projeto original da Criação, a sua arma, a palavra certa em tom adequado, no momento certo, foi o seu grande poder.

Artur era muito mais do que um decodificador da arte. Ele teimava em ser o contraponto do noticiário.

Quando a barbárie invadia nossas salas, ele nos encantava com a sua mensagem de paz, com a sua palavra, com a sua música, com a sua poesia transformada de forma simples e direta. Perdíamos, então, não só o medo da música clássica, como no seu programa da TV Senado, mas igualmente deixávamos de lado o temor pela desesperança.

Lembro-me das muitas vezes que com ele conversei neste plenário. Nos momentos em que o bom senso parecia se transformar em um imenso deserto, ele era um oásis de frondosas e frutíferas idéias. Ele era um pacificador.

Ele, de certa forma, não me parecia ser um ser humano normal, nem poeta de horas vagas, daqueles que se desvestem de sentimentos quando do interesse próprio, aliás, muito comum nesses nossos dias turbulentos. Ou daqueles que se vestem deles por conveniência de momento. Ele vivia na plenitude a sua palavra. Aquilo que ele falava ele vivia em todos os momentos, em todas as horas, em todos os dias da sua vida.

Selecionei algumas de suas palavras para homenageá-lo neste momento de lembrança e de saudade.

Dizia Artur da Távola: “Ser autêntico é a melhor e única forma de agradar”. Dizia Artur da Távola: “Amigos de verdade nunca te abandonam”. Dizia Artur da Távola: “O carinho é a melhor arma contra o ódio”. Dizia: “As diferenças tornam a vida mais bonita e colorida”. Dizia: “Há poesia em toda a criação divina”. “Deus é o maior poeta de todos os tempos”. “A música é a sobremesa da vida”. “Acreditar não faz de ninguém um tolo; tolo é quem mente”. “Filhos são presentes raros”. “De tudo, o que fica é o seu nome e as lembranças acerca de suas ações”. “Obrigado, desculpa, por favor, são palavras mágicas, chaves que abrem porta para uma vida melhor”.

Dizia ele:

O amor... Ah, o amor...

O amor quebra barreiras, une facções,

destrói preconceitos, cura doenças...

Não há vida decente sem amor!

E é certo que quem ama é muito amado

e vive a vida toda mais alegremente.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senador Pedro Simon, V. Exª me concede um breve aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com o maior prazer.

O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Gostaria, nobre Senador Pedro Simon, em rápidas palavras, associar-me à manifestação que ora V. Exª faz em memória do querido amigo e ilustre Senador Artur da Távola. Secundando o que V. Exª acaba de afirmar, diria que Artur da Távola tinha, entre muitas, três qualidades que, a meu ver, se destacavam. Em primeiro lugar, o seu senso de humanismo. Nada do que era humano lhe era estranho, e, por isso mesmo, sempre trazia uma provisão do sol interior a todos. Para as pessoas com as quais ele conversava, geralmente transmitia uma mensagem positiva a respeito dos problemas defrontados. Por outro lado, S. Exª tinha um sólido caráter. Era verdadeiramente um cidadão republicano, isto é, buscava servir ao País e às suas instituições. Não podemos deixar de mencionar que se caracterizava por uma enorme coerência, de cidadão múltiplo que aliava pensamento à ação, nem sempre comum na vida pública. Por fim, uma pessoa dotada de enorme visão. Graças a isso construiu uma imagem, a que faz jus, de ter sido uma das grandes figuras da política brasileira, mas também uma grande expressão nos campos literário, cultural e da música, tanto popular quanto erudita, que S. Exª conhecia tão bem. Seu desaparecimento nos entristece. Rui Barbosa, no enterro de Machado de Assis, asseverou que a morte não extingue, transforma; não aniquila, renova; não divorcia, aproxima. O falecimento de Artur da Távola não nos afasta dele, devido ao seu exemplo, à sua conduta, à mensagem que ele nos deixou, às lições de vida que nos propiciou. Artur da Távola continuará presente entre nós e a guiar nossos caminhos neste instante tão difícil da vida nacional. Aproveito a ocasião para apresentar, mais uma vez, nosso sentimento de pesar à Srª Mirian Ripper, sua esposa, bem como ao seu filho Eduardo Monteiro de Barros, e estender esse sentimento aos amigos e parentes aqui presentes ou representados. Muito obrigado a V. Exª, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Obrigado, Senador.

Eu não encontro mais meu amigo Artur caminhando pelo Túnel do Tempo, que nos traz a este plenário, onde sua palavra era sempre uma poesia que nos invadia a alma. Sábio, ele utilizou a poesia do desencanto para nos preparar, enfim, para a sua ausência.

Mas não há como deixar de sentir a sua presença, porque o encanto de sua poesia será sempre imortal.

Era impressionante falar com Artur da Távola. É interessante a análise espetacular que ele fazia, como ele contava a sua vida. Como ele contava, por exemplo, que ele, poeta, jornalista, homem de rádio, de repente teve de ir para o exterior, porque Artur da Távola foi sempre um homem de idéias. Artur da Távola foi sempre um homem de princípios, um homem de conteúdo. Ele tinha uma doutrina social. Ele tinha uma preocupação com o seu País e lutou por isso, e pagou por isso.

E foi para o exterior. Quando voltou, era um nome tão marcado e tão caracterizado que mudou de nome. Aí surgiu o Artur da Távola, para poder sobreviver, para poder publicar, para ter uma chance de entrar.

Olha, no Brasil, nós temos muita gente que nunca muda de nome, mas muda tanto de idéias, de lado - meu Deus do céu! Ele mudou de nome para permanecer o mesmo, absolutamente o mesmo e tinha o seu mundo.

Eu me impressiono ao ver o número de pessoas que, ao longo da vida, acompanharam Artur da Távola nas suas crônicas, nos seus livros, nos seus programas de televisão, nos seus programas de rádio. É impressionante o número de pessoas que guiaram sua vida tendo como parâmetro Artur da Távola.

Nesse fim de semana estive no Rio. Participei dos 400 anos do Seminário Santo Antônio. Ali, pessoas ilustres, inclusive os freis franciscanos, falaram de Artur da Távola, das palestras que ele fazia naquela comunidade. E, quando citaram os nomes ilustres com que conviviam, citaram Artur da Távola.

Eu me lembro da sua grandeza, quando, dentro do seu Partido, lutou, sem, no entanto, conseguir que os seus ideais fossem como ele queria; mas foi adiante. E, quando deixou de estar na política, aqui, continuou seu mesmo trabalho.

Eu já pedi, Sr. Presidente, e repito desta tribuna: a Mesa do Senado tem obrigação de reproduzir uma, duas vezes todos os programas “Quem tem medo da Música Clássica?”, de Artur. Acho que será um grande papel, e muito importante - não sei quantos, mas devem ser muitos, muitos, muitos que estão gravados - que os programas sejam reproduzidos, para ele continuar a nos ajudar.

Coisa interessante! As pessoas conversavam dizendo: “Nunca entendi de música clássica, nunca soube o que era música clássica, nunca me preocupei com isso, até o programa do Artur”.

O Artur da Távola fazia o programa na televisão, mostrava a música e a explicava: “Ouçam o violino; o violino quer dizer isso”. E ele dava uma explicação com a qual eu me emocionava. E terminei entendendo, e terminei conhecendo, e terminei gostando.

O Artur era aquele homem que dava tudo o que ele era naquilo que ele fazia. Há pessoas que têm dedicação a alguma coisa, mas, se saem dali, não são nada. O Artur deu tudo na política, deu tudo na arte, deu tudo à família, deu tudo à poesia. Eu diria que, um homem como o Artur...

“Sou muito grato a quem ouviu e mais grato ainda a quem apreciou” - este, o Artur da Távola.

Caminha por aqui a sua imagem, a sua história. Por esse nosso túnel, o Artur estará sempre presente.

Minha querida Mirian, meu querido Eduardo, ao longo da tristeza, da saudade, perdoem-me dizer, mas V. Sªs devem ser muito felizes por poderem conviver, na memória, na história e no sofrimento, com a herança de Artur.

Obrigado. Ele está lá, olhando por nós, tenho certeza.

Muito obrigado.(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2008 - Página 18996