Pronunciamento de José Sarney em 14/05/2008
Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem pelo falecimento do Sr. Luiz Carlos Bello Parga ex-Senador.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Homenagem pelo falecimento do Sr. Luiz Carlos Bello Parga ex-Senador.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/05/2008 - Página 14176
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, BELLO PARGA, EX SENADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eu não estava aqui no Senado ontem à tarde quando foi feita uma homenagem ao ex-Senador Luís Carlos Bello Parga. Na verdade, eu estava inscrito como orador na sessão da manhã para falar sobre os 120 anos da Abolição da Escravatura no Brasil e, quando entrava no plenário, recebi a notícia da morte do Senador Luís Carlos Bello Parga, que era meu amigo de juventude.
Fizemos a vida juntos, pertencíamos a uma geração de jovens intelectuais que, no Maranhão, fizeram o movimento neo-modernista, no fim da década de 40. Eu tinha uma profunda relação de convivência com o Senador Bello Parga. Por isso mesmo, ao subir à tribuna ontem, confesso que poucas vezes tive de fazer um discurso submetido a tamanha comoção. E saí daqui para pegar um avião e ir ao seu sepultamento no Maranhão.
Quero colocar-me com absoluta isenção para deixar nos Anais do Senado o meu testemunho sobre o Luís Carlos Bello Parga. Conheci poucos homens com a compostura, a decência, a austeridade e a simplicidade do Senador Bello Parga. Ele passou por esta Casa deixando esse exemplo extraordinário. Acho que muitos dos Senadores que aqui estão concordarão comigo sobre o que ele representou para esta Casa.
Era um homem de grande cultura. Era um erudito. Sabia tudo sobre literatura americana, literatura inglesa, literatura latina, literatura francesa. Conhecia profundamente o francês, o inglês, o latim e até uma boa parte de grego. Mas tudo isso era coberto por uma simplicidade que ele jamais ostentava. E primava por conduzir-se assim dentro do Senado.
Há um fato, Sr. Presidente, que só ontem eu - seu amigo tão estreito -soube. Contou-me o chefe do seu gabinete. Há alguns anos, ele estava aqui no Senado Federal e, devido a sua formação de bancário, tinha o gosto de conferir todos os seus contracheques recebidos. Em um deles, descobriu que estava recebendo três centavos a mais do que devia receber. Silenciosamente - ninguém soube disso aqui no Senado -, ele procurou a seção de contabilidade desta Casa e obrigou essa seção a refazer todas as contas e os contracheques de todos, para que ele pudesse devolver os três centavos que estava recebendo a mais nos seus subsídios. Só isso. Mas ninguém soube disso. Ontem, eu, seu amigo, soube disso pelo chefe do seu gabinete. De tal maneira era a sua conduta.
Além de tudo, era uma figura humana de um espírito público extraordinário, dedicado ao trabalho. Dentro das comissões das quais ele participava, deixou pareceres sábios sob o ponto de vista da formulação literária e também do conhecimento das matérias que lhe foram submetidas. Ele se aprofundava em todos os assuntos de que tinha que tratar.
Há alguns anos, ele vinha se dedicando à tradução dos clássicos, não com a linguagem atual, mas realmente com a linguagem com que eles tinham escrito antigamente, primitivamente, as suas obras. A isso ele se dedicava como um ourives que fosse consertar um relógio antigo, nas suas peças, descobrindo palavras, pesquisando palavras. E naquilo ele consumia a sua vida.
Era um homem de uma austeridade muito grande. Poderíamos dizer, se usássemos uma palavra da linguagem religiosa, que ele era um anacoreta, desses que tinham a noção da sua responsabilidade e, ao mesmo tempo, de seus deveres. E ele fazia isso como uma conduta pessoal, não fazia para ninguém.
Eu me lembro que, no livro de Afonso Celso sobre os seus dez anos de Parlamento, ele fala da sua experiência durante os anos que passava, e havia um grupo de parlamentares que se dedicava a construir a sua passagem luminosa fazendo a exaltação da sua própria formação moral. Pois Luís Carlos era todo esse homem correto, impoluto, todo esse homem de austeridade, e nunca ninguém o ouviu auto-proclamar suas virtudes.
Quero dizer que, pessoalmente, foi com grande emoção que recebi a notícia. Fui ao seu sepultamento e via, em seu túmulo, nas suas últimas horas, um pedaço da minha vida, da geração de que participei, dos poucos que éramos e dos menores que somos ainda hoje, caminhando para a eternidade.
São com essas palavras que deixo o meu testemunho sobre um amigo, mas também um grande político, um grande patriota que perdemos.
Muito obrigado.