Discurso durante a 100ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A questão da compra de terras nacionais por estrangeiros. Justificativas a apresentação de projeto de lei que autoriza o Poder Executivo a criar e implantar a Agência Reguladora Territorial Rural. Apelo ao Governo no sentido de que mande mais técnicos para que regularize a situação fundiária na Amazônia.

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA FUNDIARIA.:
  • A questão da compra de terras nacionais por estrangeiros. Justificativas a apresentação de projeto de lei que autoriza o Poder Executivo a criar e implantar a Agência Reguladora Territorial Rural. Apelo ao Governo no sentido de que mande mais técnicos para que regularize a situação fundiária na Amazônia.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2008 - Página 19517
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, AUTORIDADE FEDERAL, AMEAÇA, SOBERANIA, PROGRESSÃO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, ESTRANGEIRO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, A GAZETA, DIVULGAÇÃO, PESQUISA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), FALTA, DOMINIO, ORGÃO PUBLICO, MERCADO IMOBILIARIO, QUESTIONAMENTO, CRITERIOS, LICITAÇÃO, VENDA, REGISTRO, DADOS, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, RELEVANCIA, RECURSOS AMBIENTAIS, BRASIL, AUMENTO, INTERESSE, ESTRANGEIRO, TERRAS, ATUALIDADE, CRISE, ALIMENTAÇÃO, MUNDO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AUTORIZAÇÃO, EXECUTIVO, CRIAÇÃO, AGENCIA, FISCALIZAÇÃO, CONTROLE, COMERCIALIZAÇÃO, TERRAS, ZONA RURAL, PRESERVAÇÃO, INTERESSE NACIONAL.
  • DEFESA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, CONCILIAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, POLITICA FUNDIARIA, REGULARIZAÇÃO, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO, FALTA, DOCUMENTO, TERRAS, IMPEDIMENTO, CREDITOS.

            O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Raimundo Colombo, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, vim à tribuna para alertar as autoridades federais quanto à progressiva ocupação do território nacional por estrangeiros que adquirem propriedades rurais em nosso País. Somente na Amazônia Legal, conforme revelou o programa dominical Fantástico, da TV Globo, existem 3,1 milhões de hectares de terra em mãos de empresas e pessoas físicas de outras nacionalidades. Ou seja, uma área equivalente ao Estado de Alagoas.

            O prestigiado matutino Folha de S.Paulo trouxe, nesse fim de semana, em longa reportagem, assinada pelos jornalistas Fernanda Odilla e Hudson Correa, informações ainda mais inquietantes sobre o tema. Segundo relatam os dois periodistas, um recente levantamento efetuado pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária, o Incra, destaca que no meu Estado, Mato Grosso, encontra-se a maior concentração de terras em posse de estrangeiros.

            Eu já disse aqui em um aparte que fiz ao Senador Romeu Tuma que Mato Grosso tem 1.377 propriedades espalhadas em uma área de 754 mil hectares. A nossa região é a que mais cede espaço para as empresas e pessoas de outros países. No entanto, São Paulo é o Estado que registra o maior número de propriedades em nome de estrangeiros, ou seja, 11.424 casos, mas com uma área inferior à de Mato Grosso, somando apenas 504 mil hectares.

            Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trata-se de uma invasão branca do nosso território, um atentado à nossa soberania, principalmente quando se sabe que os organismos federais não possuem qualquer tipo de monitoração ou controle de atividades de estrangeiros no mercado imobiliário nacional. Mesmo entidades do setor, como o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Mato Grosso, não reconhecem o volume de transações comerciais entre seus filiados.

            Em matéria vinculada ontem pelo Jornal A Gazeta, de Cuiabá, o Presidente do Creci-MT, Sr. Carlos Alberto Lúcio da Silva, denuncia a intermediação direta de órgãos estatais e associações rurais com agentes imobiliários internacionais.

            Ele conta que as entidades responsáveis pelo controle de política agrária negociam com estrangeiros sem o menor cuidado e sem respeitar o direito dos corretores de imóveis que atuam no segmento.

            De fato, órgãos como o Instituto de Terras de Mato Grosso vendem áreas por meio de licitações. É uma negociação legal, não há dúvida. Mas necessita ser revista e cercada de novos critérios para que seja feito acompanhamento de atividades que se desenvolverão nessas propriedades.

            Outra situação inédita é que as modernas ferramentas da informação, como a internet, por exemplo, permitem um inusitado modelo de transação comercial não presencial. Por fotos, mapas e certificados, um comprador de qualquer parte do planeta consegue adquirir terras brasileiras.

            Agora mesmo, o empresário sueco Johan Eliasch, proprietário de 160 milhões de hectares no Estado do Amazonas, adquiridos da Madeireira Ghetal, e que alegou ter comprado terras para a preservação do meio ambiente, foi multado pelo Ibama por comércio e transporte de madeira sem seguir a legislação ambiental brasileira. Esse é só um caso. Não sabemos o que projetam especuladores e capitalistas sobre a lucratividade de nossas terras.

            Uma coisa é certa. O principal ativo econômico do Brasil é a fertilidade de seu solo. Quando o mundo fala em crise de alimentação, a comunidade internacional olha o nosso País como um grande banco de comida, uma reserva agricultável para a humanidade.

            Estudos da Fundação Getúlio Vargas confirmam esse diagnóstico e mostram que as terras destinadas à agricultura e à pecuária se valorizam na média anual de 10% desde 2000. Mato Grosso ainda consegue um incremento maior com a majoração de 15% de suas propriedades ao ano.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é preciso muito esforço para entender que a fertilidade de nossas terras virou alvo de cobiça internacional. E a própria preservação de nosso bioma passa, necessariamente, por um controle mais rígido e criterioso na transferência de propriedades rurais para empresas e conglomerados estrangeiros. Também precisamos estar atentos em relação à própria especulação interna, motivada pela incessante busca do lucro, que coloca em risco a natureza e o sentido mais puro dos esforços pelo desenvolvimento sustentado.

            Por isso, estou apresentando aos Pares desta Casa um projeto de lei que autoriza ao Executivo criar e implantar a agência reguladora territorial rural, que terá como obrigação fiscalizar, monitorar, controlar e autorizar transações comerciais imobiliárias no setor agrário para que a ocupação dos nossos espaços rurais se dê no sentido da preservação dos interesses nacionais - tanto no campo estratégico da conservação do meio ambiente quanto na cuidadosa exploração dos nossos recursos naturais.

            Em princípio, sou contra a intervenção do Estado na atividade econômica nacional, mas não há dúvidas de que em determinados setores deve haver uma regulamentação e um controle permanente. E a atividade rural há muito deixou de ser um negócio de roceiros de interior e passou a ser um setor estratégico para o desenvolvimento e o equilíbrio do País.

            Vamos deixar de ser o país do futuro para ser o país do presente, do agora, quando olharmos para nossas riquezas naturais não como um santuário, mas como uma fonte de oportunidades para toda a nossa geração. Por isso, nossas terras devem ficar nas mãos daqueles em quem o Brasil pode confiar...

            E, concluindo, Sr. Presidente, quero dizer a V. Exª que muitos Senadores vêm a esta tribuna e, lamentavelmente, talvez não tenham - e não só nesta Casa como também na Câmara -, visão da nossa Amazônia, Senador Jefferson Praia. Quero deixar registrado de público, aqui, nos Anais da Casa, que nós não defendemos os devastadores da nossa Amazônia; ao contrário, nós queremos a preservação dela.

            Eu, que fui Governador do meu Estado - meu irmão foi Governador, foi Senador -, fui Prefeito três vezes, sou Senador, conheço os 907 mil quilômetros quadrados do meu Estado, o Mato Grosso. Tenho esse privilégio. Estamos vivendo uma crise hoje, lamentavelmente, sem precedentes. Nós, amazônidas, que moramos na região amazônica, temos sido tratados como se fôssemos patos selvagens. Ninguém está defendendo aqui aqueles criminosos que desmatam, que querem acabar com a nossa natureza. Todavia, Senador Jefferson Praia, Senador Augusto Botelho, meu caro amigo Borges, nós temos que ter uma política clara, definida, para a nossa região. Hoje não temos regras claras para saber o que realmente pretende o Governo Federal fazer com os 25 milhões de brasileiros que moram naquela região.

            V. Exªs que são de outros Estados não têm acompanhado as nossas dificuldades. O Governo só fala em criar força nacional, cria-se a força ambiental, manda a Polícia Federal, mas não tem uma política clara. Estamos vivendo hoje um momento, Senador Augusto Botelho, de insegurança jurídica. É preciso que haja realmente uma política clara, definida, para que o Brasil tenha a visão de que muitos brasileiros que estão na região amazônica ali chegaram por indução do Governo Federal. E quem está defendendo a nossa soberania somos nós que estamos lá; não é o cidadão que está no sul ou no sudeste deste País. Somos nós que estamos lá defendendo nossos interesses, sobretudo a soberania nacional.

            Concedo um aparte ao Senador Augusto Botelho.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Jayme Campos, V. Exª, homem que também vive da terra, sabe que, se as terras da Amazônia estivessem regularizadas em nome das pessoas que vivem lá, elas seriam muito mais protegidas, porque quem vive da terra trata bem a terra, Senador; quem vive do produto da terra trata bem a terra. Os que saem derrubando e destruindo tudo são pessoas que não vivem da terra! Por isso, temos que regularizar as terras dos homens da Amazônia, porque, com certeza, eles não vão deixar ninguém as invadir para tirar árvore sem autorização, de modo ilegal. Um dos grandes problemas dos homens da Amazônia, dos 25 milhões de pessoas que vivem na Amazônia, é que suas terras não estão regularizadas; principalmente nos próprios municípios as terras não estão regularizadas. Então, tem que se tomar uma posição neste País para definir a propriedade da terra na Amazônia. Aí, sim, o Governo não vai gastar nada para proteger as florestas, os animais, os mananciais, porque quem vive da terra cuida bem dela.

            O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT) - Obrigado, Senador.

            Estou concluindo, Senador Raimundo Colombo.

            Quero aproveitar que está presente o brilhante Senador Tião Viana, grande Líder do PT, para fazer um apelo a V. Exª, como grande brasileiro, como homem conhecedor profundo da nossa região, até porque mora também no Estado do Acre. Queria pedir a V. Exª, sobretudo ao Presidente Lula, que é um homem coerente, sensato, um grande estadista, que tem um compromisso com a classe trabalhadora, que, em vez de mandar a Força Nacional, a Polícia Federal, que está gastando R$180 milhões na Operação Arco de Fogo, mande para lá mais técnicos do Incra, mande mais pessoal do Ibama, para fazer uma fiscalização mais rígida, e mande realmente uma política definida.

            Para que V. Exª tenha conhecimento, eu fui a Machadinho d’Oeste há poucos dias, presidindo a Comissão Externa de Riscos Ambientais. Em Machadinho d’Oeste, que V. Exª deve conhecer, no Estado de Rondônia, apenas 4% da população urbana e rural, até hoje, tem o título da terra em mãos. Noventa e seis por cento dos brasileiros que moram ali, das propriedades rurais e urbanas, não tiveram acesso ainda ao título da terra. É isso que induz, que manda o cidadão para a clandestinidade. Esse cidadão, muitas vezes, é obrigado a derrubar e a vender uma árvore de forma errônea, não permitida, naturalmente, pelas leis do Brasil, para dar o sustento a sua família, porque ele não pode ter acesso a crédito algum. Nenhum banco lhe dá financiamento, porque ele não tem o documento da terra.

            Então, é preciso fazer aqui uma força-tarefa, mandar mais técnicos do Incra para regularizar a situação fundiária. Não é só lá. No Mato Grosso, é a mesma situação. Sábado, estive em uma região chamada Baixo Araguaia, em meu Estado, onde se encontram dezessete cidades. A cidade onde fizemos o encontro chama-se Confresa, de 25 mil habitantes. Dos 25 mil habitantes que moram ali, acho que 15 mil são de famílias assentadas. Ninguém tem acesso ao título da terra. Há o maior clamor. Levantaram dez brasileiros, daqueles de mão calosa, vermelha, com o sol da Amazônia, fazendo um apelo: “Senador Jayme Campos, nos ajude a ter acesso ao documento da terra.” É isso que precisamos mudar. No dia em que o Governo fizer a sua parte, com certeza o cidadão que está ali - como bem disse o Senador Augusto, ele não quer ser nenhum desmatador de forma irregular - vai preservar a nossa fauna, a nossa flora. Agora...

            (Interrupção do som.)

            O SR. JAYME CAMPOS (DEM - MT) - ...precisamos de uma política definida, clara, com marco regulatório, com segurança jurídica. Aí, sim, teremos, com certeza, homens, mulheres e jovens preocupados com a preservação. Caso contrário... O senhor tem acompanhado e visto, porque é homem sábio, inteligente, bem informado; semana passada, foram presas em Mato Grosso 43 pessoas que estavam comprando madeira de reservas indígenas - os próprios índios vendendo para os madeireiros. Então, o que acontece? Existe o corrupto e o corruptor. Nesse caso, o Governo Federal tem a responsabilidade, através da Funai, de fazer uma política de proteção às nossas reservas indígenas.

            Agradeço, Sr. Presidente, a sua bondade, na certeza absoluta de que a nossa voz terá de ser ouvida aqui no plenário desta Casa.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2008 - Página 19517