Discurso durante a 101ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao centenário da imigração japonesa para o Brasil.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário da imigração japonesa para o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2008 - Página 19632
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, CRISE, DESEMPREGO, ZONA RURAL, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, PROVOCAÇÃO, IMIGRAÇÃO, BRASIL, ATENDIMENTO, DEMANDA, CAFEICULTOR, POSTERIORIDADE, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, DATA, CHEGADA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EMBARCAÇÃO, PIONEIRO, IMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, ELOGIO, HISTORIA, ESFORÇO, ADAPTAÇÃO, CULTURA, AGRICULTURA, BRASIL, SUPERIORIDADE, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, REGISTRO, DADOS, INTEGRAÇÃO, SOCIEDADE, ECONOMIA, AGRADECIMENTO, AUXILIO, CONSTRUÇÃO, NACIONALIDADE.
  • COMENTARIO, EMIGRAÇÃO, BRASILEIROS, DESTINO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, CONTINUAÇÃO, VINCULAÇÃO.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves; Sr. Embaixador, Exmº Sr. Ken Shimanouchi; o Sr. Takayama, Deputado Federal e Presidente do Grupo Brasil-Japão do Congresso Nacional; o Sr. Agostinho Shibata, a quem agradeço a presença, aqui representando as Forças Armadas; todos os demais presentes, convidados, Senadores e Senadoras, numa cálida manhã, no dia 28 de abril de 1908, no Porto de Kobe, o mesmo que viria a ser destruído por um terremoto quase cem anos mais tarde, uma multidão balançava os braços e acenava adeus a um grupo de japoneses heróicos que, bravamente, havia escolhido um outro “lar” para tentar a sorte e construir a vida. O destino: desbravar o mar para o desconhecido e exótico Brasil.

Fugiam eles da crise econômica do período da reestruturação da Era Meeji, no qual a rápida modernização econômica provocou vasto desemprego na área rural. O solo fértil do Brasil, necessitado de mão-de-obra com o fim da escravidão e a força da expansão da cafeicultura, era uma boa opção, apesar de estar do outro lado do mundo.

É bom lembrar que fomos descobertos e colonizados pelos portugueses, que também estiveram durante alguns séculos no Japão. O português é a língua que mais expressões do idioma japonês incorporou. Ao longo desse processo de aproximação cultural, imagino que, por ser um País de língua portuguesa, a proximidade com a cultura, com a presença portuguesa na história do Japão, tenha diminuído um pouco a imensa distância que existia geograficamente entre estas duas Nações.

Foram 52 dias no mar, 21 mil milhas náuticas, com duas únicas paradas, em Cingapura e na África do Sul. Em 18 de junho de 1908, aportou em Santos, minha terra natal, o navio japonês Kasato Maru, uma embarcação de apenas seis toneladas, trazendo, pela primeira vez, 165 famílias nipônicas, num total de 781 pessoas, que foram encaminhadas às fazendas do café, na zona mogiana, próxima à capital de São Paulo, onde permanecem até hoje - é uma área de forte presença e influência japonesa -, para trabalharem como colonos, que era o contrato de trabalho que se estabelecia nessas condições.

Iniciou-se, dessa forma, a brilhante e heróica saga da imigração nipônica no Brasil.

Mas, naquele velho e pequeno navio, não vinham apenas pessoas, vinham também muitos sonhos de um recomeço de vida numa terra estranha. E como disse Akira Kurosawa, o grande diretor japonês, “o homem é um gênio quando sonha”. Assim, esses sonhos, sem dúvida alguma, inspiraram esses imigrantes a se inserir, de forma tão exitosa, em seu novo país e a contribuir, de forma tão decisiva, para o desenvolvimento do Brasil.

E sonhar, além de navegar, era necessário, pois os desafios eram imensos. Tudo era radicalmente diferente. O idioma e o alfabeto, o clima, a culinária, os hábitos e costumes, o modo de vestir, a arquitetura, as relações de trabalho; enfim, todas as coisas provocavam estranheza e demandavam enorme esforço de adaptação.

Com disse Tumoo Handa, em um artigo de 1968:

Desde o dia da chegada, teve de morar numa casa sem tatami, tirar o quimono, jogar fora a tigela e o hashi, beber café ao invés de chá. Ainda, arcando com o epíteto de povo inassimilável, foi o imigrante japonês obrigado a se desfazer de quase tudo do modus vivendi japonês.

Porém, com os sonhos, que tornam os homens gênios, vinha também a determinação, que o torna capazes de, como afirmou o Imperador Hirohito, ”suportar o insuportável”.

Creio que essa amálgama do sonho com a determinação e o senso prático, de Quixote com Sancho Pança, de Kurosawa com Yukio Mishima, explica por que uma imigração numericamente pequena teve e tem influência tão grande no Brasil.

No primeiro período, entre 1910 e 1914, chegaram do Japão cerca de 14.200 imigrantes. Embora a maioria tivesse vindo para trabalhar nas fazendas de café, uma vez findos os contratos de trabalho, boa parte desses imigrantes, demonstrando iniciativa e vontade férrea de vencer a nova terra, procurou sua independência econômico-financeira dirigindo-se para o interior do Estado de São Paulo ou para a periferia da capital, formando núcleos rurais de grande dinamismo econômico.

Entre 1925 e 1935, chegou ao auge o processo de imigração, com o impressionante número de 140 mil imigrantes. Nesse período, consolidam-se os núcleos de imigrantes japoneses, especialmente no Estado de São Paulo, e a imigração nipônica passa a ter grande importância econômica para o País, notadamente na nossa agricultura.

Contribuiu muito para esse êxito econômico japonês no Brasil a construção da noção de colônia japonesa, isto é, a formação de fortes e extensos vínculos de solidariedade entre migrantes, que resultavam em empreendimentos comuns.

Ao longo da Segunda Guerra Mundial houve, por motivos óbvios, interrupção do fluxo migratório do Japão para o Brasil. Desse conflito surge um período difícil para os imigrantes japoneses, que têm suas empresas sob intervenção econômica do Estado autoritário do governo Getúlio Vargas.

No entanto, a partir de 1959, restabeleceu-se a imigração, mas já em escala bastante reduzida, em virtude da forte recuperação econômica do Japão. Ao todo, no século passado, chegaram ao Brasil cerca de 260.000 migrantes japoneses.

Atualmente, estima-se que a comunidade nipo-brasileira congregue aproximadamente 1.500.000 pessoas. É a maior população de descendentes nipônicos fora do Japão. As maiores concentrações se encontram no meu Estado, São Paulo, estimadas em 73% do total, seguidas pelo Paraná, com cerca de 20%; o Mato Grosso, com 2,5%; e o Pará, com 1,5%. Contudo, há presença japonesa em vários Estados do Nordeste, do Norte, do Centro-Oeste e do Sul do País.

Quanto às atividades exercidas pelos japoneses, metade ainda trabalha no campo e na agricultura, inovando-os, modernizando-os, impulsionando-os. Há técnicos formados nas melhores escolas de agronomia do País, para as quais eles deram uma contribuição imensa a tudo o que é a produção agrícola.

O Brasil, hoje, é um grande produtor de alimentos; é o País que mais aumentou a exportação de alimentos no mundo, apesar da crise de oferta de alimentos que a economia mundial atravessa. Se o Brasil, hoje, é o maior produtor e exportador mundial de carne, de aves, de soja, de açúcar, de café, de suco de laranja, devemos também à imensa contribuição que a colônia japonesa deu ao agronegócio, à agricultura familiar e à modernização da agricultura brasileira.

Os dados ainda apontam que 35% da comunidade trabalha no comércio e 15%, na indústria. E destaco que, neste último setor econômico, houve forte presença de empresas japonesas em todas as áreas: indústria automotiva, autopeças, eletroeletrônico. Hoje há forte presença da indústria japonesa na economia brasileira.

Esses migrantes, que chegaram ao País em condições tão difíceis, estão hoje solidamente integrados à Nação brasileira e deram, e continuam a dar, contribuição inestimável ao desenvolvimento do Brasil.

Com efeito, hoje, a influência desses imigrantes está presente em todas as esferas da vida da sociedade brasileira. No cinema, há obras primorosas, como Gaijin, de Tizuka Yamasaki; nas artes plásticas, a figura tão carismática e tão prestigiada e querida de Tomie Ohtake e a de Manabu Mabe, que nos legaram exemplos de rara beleza e fina sensibilidade. Lembro que Tomie Ohtake começou a pintar depois dos 40 anos de idade, já com dois filhos, e, hoje, é artista das mais renomadas, uma grande arquiteta, uma grande pintora, inovando também na atitude da mulher na nossa sociedade. Na arquitetura, Ruy Ohtake destacou-se entre tantos outros importantes arquitetos da comunidade. Nos esportes, mesatenistas como Hugo Oyama. Os judocas já viraram uma prática. O Brasil já foi campeão mundial de judô, e, evidentemente, a presença da comunidade foi fundamental para termos nos destacado no karatê e no judô. Destaco a judoca Vânia Ishii, que ganhou medalha de ouro para o Brasil. Na área militar, temos aqui o Coronel Shibata; o Brigadeiro Juniti Saito, que é o Comandante-Geral da Aeronáutica do Brasil. No Judiciário, tive a honra, inclusive, de ser Relator da aprovação do nome do Dr. Fernando Eizo Ono para ocupar o cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. No Parlamento, houve figuras ilustres, como Luiz Gushiken e Sigeaki Ueki, entre tantos outros que passaram e que estão na vida pública do Brasil.

Não vou falar da culinária. Quem não comeu um sushi, um sashimi ou um missoshiro, quem ainda não aprendeu a usar um hashi não sabe o que está perdendo. Pelo menos para minha família, é um hábito regular e é um prazer único a sabedoria culinária da comunidade. Por sinal, “tempero”, em português, vem de tempura. O tempero já é influência da culinária, inclusive nas nossas expressões.

Entretanto, essa saga migratória, que uniu de forma indissolúvel povos tão distantes geográfica e culturalmente, não se encerrou por aqui. Com efeito, as circunstâncias econômicas e sociais, sempre mutáveis, fazem com que hoje sejam brasileiros de origem nipônica que estejam no Japão, contribuindo para o desenvolvimento daquele país. Trata-se dos cerca de 300.000 decasséguis, que lutam por uma vida melhor do outro lado do mundo, mandando renda para o Brasil, ajudando as famílias e, evidentemente, ajudando também o desenvolvimento do Japão. A ampla maioria quer voltar, e volta, com uma série de sonhos novos de renovação da vida do Brasil.

Mas, talvez, Brasil e Japão não sejam, no fim das contas, tão distantes assim. Curiosamente, as bandeiras dos dois países têm um círculo no meio - por sinal, é o símbolo que vários hoje aqui estão utilizando, que o nosso Embaixador deu ao nosso Presidente do Senado Federal. Os círculos, tanto do Japão quanto do Brasil, representam astros do céu. No Japão, é o sol; no Brasil, o Cruzeiro do Sul; as estrelas representam nossa Federação. Se tivessem de ser desenhadas, teriam de sê-lo ao mesmo tempo, pois os dois países estão em lados opostos do planeta. E o céu, em qualquer cultura, representa o desejo de transcendência e a esperança no futuro.

Assim, Japão e Brasil, talvez sem sabê-lo, sempre estiveram simbolicamente ligados pelo destino comum de um futuro próspero e transcendente. E, graças a esses migrantes, hoje, em ambos os lados do planeta, esse futuro comum se constrói, e os símbolos se tornam realidade.

Portanto, quero dizer, em nome do povo brasileiro: muito obrigado à colônia japonesa por tudo o que ajudaram a construir nesta Nação, pelos valores que trouxeram para todas as áreas mais importantes da nossa cultura. Essa comunidade é fator de orgulho para o Brasil.

Saibam que são tantos amigos ao longo da vida que eu não poderia citar todos. Mas quero aqui dizer que eles estão presentes não só na memória de cada um de nós, mas na memória coletiva do Brasil.

Muito obrigado. Arigatou. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2008 - Página 19632