Discurso durante a 101ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao centenário da imigração japonesa para o Brasil.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário da imigração japonesa para o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2008 - Página 19635
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, IMIGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, BRASIL, REGISTRO, HISTORIA, TRANSFORMAÇÃO, PAIS, AGRADECIMENTO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONCENTRAÇÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, DESCENDENTE, ANALISE, INTERCAMBIO, CULTURA, AGRICULTURA, ATUALIDADE, EMIGRAÇÃO, BRASILEIROS, ELOGIO, ARTISTA, ARQUITETO, DIRETOR, CINEMA, DIVULGAÇÃO, DIVERSIDADE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Garibaldi Alves Filho; Senador Aloizio Mercadante, proponente desta sessão de homenagem aos cem anos de imigração japonesa no Brasil; Embaixador do Japão no Brasil, Sr. Ken Shimanouchi; Deputado Takayama, que preside o Grupo Parlamentar Brasil-Japão; meu caro ex-aluno, Deputado Walter Ihoshi; Sr. Maçao Tadano; Brigadeiro-de-Infantaria, Agostinho Shibata, representante do Comando da Aeronáutica; Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, que nos representará no Japão em breve; Deputado Willian Woo, descendente de japonês em nosso País; membros do corpo diplomático; senhoras e senhores.

Há cem anos, quando o Kassatu Maru partiu do porto de Kobe, trazendo os primeiros imigrantes japoneses, Brasil e Japão eram países muito diferentes do que são hoje - e a história que hoje comemoramos é parte importante da nossa compreensão, tanto dessa diferença quanto do que vieram a tornar-se os dois países.

Em 1905, o Japão vence a guerra contra a Rússia. Ao voltar para seu país, os soldados japoneses não conseguem emprego. A corrente migratória para o Brasil - o primeiro fluxo foi para o Hawai e depois Peru, dez anos antes - no início do século XX, foi uma das saídas encontradas, então, para lidar com essa situação.

O Brasil, por sua vez, ao receber os primeiros imigrantes japoneses, lutava ainda para encontrar algum equilíbrio depois do fim da escravatura, que implicou também transformação significativa na sociedade brasileira. A chegada dos japoneses - como a dos italianos, alemães, libaneses e outros imigrantes anteriormente - foi um ingrediente essencial nessa transformação.

A história da imigração japonesa para o Brasil se insere nesse contexto de grandes transformações nos dois países. Para ambos, representou um evento marcante na evolução recente das respectivas sociedades.

Temos hoje possivelmente 1,8 milhão de descentes daqueles imigrantes que chegaram ao Brasil entre 1908 e 1973, quando o navio Nippon Maru trouxe a última leva de trabalhadores japoneses - 1,5 milhão de pessoas -, cuja contribuição em todas as áreas da vida social, econômica, cultural e política foi fundamental para o enriquecimento de nosso País.

É possível que seja mais de 1,5 milhão; talvez 1,8 milhão. O Embaixador Castro Neves estava me dizendo que possivelmente o numero é maior ainda se considerarmos todos os descendentes, que hoje nem sempre levam mais o nome de ascendência japonesa.

São Paulo, em particular, que concentra mais de três quartos dessas pessoas, é particularmente grato a essa inestimável contribuição dos japoneses e de seus descendentes. Difícil imaginar como seriam hoje nossa grande cidade e nosso Estado sem o elemento nipônico, parte de nossa identidade. Com certeza, seria bem mais pobre.

Acredito que o mais marcante em todo esse vasto movimento migratório é o exemplo do encontro de duas culturas muito diferentes, muito distintas e distantes entre si - encontro que, é preciso reconhecer, teve no início seus momentos difíceis, duros mesmo, ásperos, pontilhados de incompreensões mútuas, de preconceitos e de prevenções, sem falar em percalços como a Segunda Guerra Mundial, que distanciou, durante algum tempo, Brasil e Japão, lutando em lados opostos. A cultura japonesa - a começar pela própria língua japonesa, aliás - tem uma singularidade, uma peculiaridade que vai bem além da singularidade e da peculiaridade que tem toda e qualquer cultura.

Essas dificuldades, inclusive, são retratadas num livro muito bem feito, muito bem escrito por Fernando Moraes, que nos fala da dificuldade de algumas pessoas que, tendo vindo do Japão, não sabiam exatamente qual havia sido o resultado da guerra e tiveram muita dificuldade em saber que havia o Japão perdido a Segunda Grande Guerra Mundial.

A evolução social e cultural do Japão, mais do que a de qualquer outro país do mundo, seguiu uma trajetória sui generis - e não há nenhuma dúvida de que isso é um dos ingredientes fundamentais do espantoso sucesso japonês, desde a assimilação do budismo e da cultura chinesa e coreana, há mais de um milênio, até a incorporação e a transformação da influência ocidental, no último século e meio, com uma aceleração depois do final da Segunda Guerra Mundial.

A transposição dessa cultura fortíssima e singular para o Brasil não poderia deixar de provocar efeitos interessantes. Se, inicialmente, os imigrantes tenderam a manter-se impermeáveis, aos poucos a contaminação mútua das culturas criou gerações de nikkeis capazes de estabelecer diálogos ricos entre as duas tradições.

Hoje vivemos uma nova fase da história que une Japão e Brasil por meio da emigração. Desde o final dos anos 80, com uma intensificação na década de 90, milhares de brasileiros, descentes de japoneses, voltaram à terra de seus ascendentes, em busca daquilo que seus avós e bisavós vieram procurar no Brasil: prosperidade. Estima-se que sejam cerca de 320 mil decasséguis, como são chamados, vivendo no Japão, experimentando muito do que experimentaram seus antepassados, quando deixaram seu país e vieram tentar a sorte no Brasil.

Hoje, quando comemoramos o centenário dessa história da emigração entre Japão e Brasil, o que deveríamos efetivamente celebrar é esse encontro entre culturas, que se manifesta às vezes como choque, às vezes como abraço, mas que sempre se traduz, no final das contas, pelo surgimento de novas identidades, de novas formas de ver e de sentir o mundo - e isso é o que faz nossa existência mais rica.

Eu mesmo dou testemunho. Walter Ihoshi é um representante daquilo que tenho visto como professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. É interessante que, se hoje temos um número tão significativo de imigrantes japoneses em São Paulo, ali nos bancos da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV por vezes é muito maior a proporção. Com freqüência, tenho observado que pelo menos 20% de classes de 40, 50 alunos são de imigrações japonesas - e o Deputado Ihoshi sabe disso muito bem.

Em 1908, os primeiros japoneses chegaram no Brasil. Muitos se concentraram no Estado de São Paulo. Inicialmente nas fazendas de café, e depois na produção de café do norte do Paraná - como salientaram os Senadores Aloizio Mercadante e Alvaro Dias -, de juta no Amazonas e de pimenta do reino no Pará. Também formaram importantes comunidades em outras localidades do território nacional, como a de Campo Grande e a de Brasília, sendo que essa última se constituiu para produzir parte dos alimentos consumidos pelos operários da construção da capital.

Eles aos poucos foram se tornando pequenos e médios proprietários rurais e, ainda hoje, vários permanecem nas atividades rurais, prestando uma extraordinária contribuição, inclusive, para o recorde notável de produção de cereais e de alimentos no Brasil. Entretanto, graças ao seu empreendedorismo e criatividade, diversificaram a produção de hortifrutigranjeiros do Estado de São Paulo, assim como de todo o Brasil.

A partir de 1912, os emigrantes japoneses começaram a fixar residência na capital paulista, na região hoje conhecida como Bairro da Liberdade, um lugar central de onde poderiam chegar ao local de trabalho. Já nessa época, começaram a surgir as atividades comerciais: uma hospedaria, um empório, uma casa que fabricava tofu (queijo de soja), outra que fabricava manju (doce japonês) e também firmas agenciadoras de emprego, formando assim a “rua dos japoneses”. Não foi à toa que lá se desenvolveram restaurantes de extraordinária qualidade, que fazem de São Paulo hoje um dos melhores centros de restaurantes japoneses de todas as cidades do mundo.

Em 1915, eram aproximadamente trezentas pessoas; em 1932, São Paulo já tinha cerca de dois mil japoneses. A vida não era fácil para os imigrantes japoneses que viviam em São Paulo, mas encontravam trabalho, comida, moradia e, principalmente, davam exemplos extraordinários a nós, brasileiros de outras origens. Nos anos 20 e 30, eles já estavam integrados à vida da cidade.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, o Governo de Getúlio Vargas rompeu relações diplomáticas com o Japão. Foram anos sombrios para os imigrantes japoneses, sem poderem falar sua língua ou externar sua cultura. Mas, em 1945, a vida começou a voltar à normalidade.

Em 1967, a Liberdade recebeu a visita do então Príncipe herdeiro Akihito e da Princesa Michiko, hoje o Casal Imperial do Japão, e a Liberdade passou a ser local de visita obrigatória para todos os visitantes da cidade. Também vale lembrar que o calendário de atividades culturais da Liberdade faz parte do calendário anual da cidade de São Paulo, compreendendo festivais e campeonatos. Informações mais completas podem ser encontradas no sítio: www.culturajaponesa.com.br.

Quero também destacar, como merecidamente o fez o caro Senador Aloizio Mercadante, o trabalho extraordinário da premiada diretora de cinema e televisão japonesa Tizuka Yamasaki, que em 1980 desenvolveu o roteiro de “Gaijin - Caminhos da Liberdade”, seu primeiro longa-metragem como diretora. O filme, que conta a história comovente de uma família de japoneses que veio para o Brasil trabalhar na lavoura e passou todas as dificuldades no começo do século, conquistou inúmeros prêmios, inclusive o de melhor filme no Festival de Gramado, e uma menção especial do júri no Festival de Cannes.

Essa saga continuou em 2005, quando Tizuka nos brinda com a obra “Gaijin - Ama-me como sou.” Ambientado em 1908, o filme conta a história de imigrantes japoneses que chegam para trabalhar numa fazenda de café. Lá, precisam se adaptar às condições e à exploração dos donos da fazenda. Assim como o primeiro Gaijin, esse também foi muito premiado, tendo conquistado os Kikitos de Melhor Filme, Direção, Atriz Coadjuvante (Aya Ono) e Música (Egberto Gismonti).

Tizuka Yamasaki continua sua carreira como cineasta, realizando um filme sobre a Amazônia, sobre a história dos caboclos da Amazônia, que muito promete.

Brasil e Japão, ao longo desse século, sem dúvida, contribuíram de forma importante para a diversidade mundial. E essa história ainda não acabou.

A todos os imigrantes que, enfrentando as mais duras dificuldades, ajudaram, com seu trabalho incansável, a dar forma ao Brasil moderno, e também, como bem aqui salientou o Senador Aloizio Mercadante, à artista plástica Tomie Ohtake e a seus filhos, Ruy e Ricardo, a Manabu Mabe, ao Ministro Massami Ueda, do STJ, a Fernando Ono, do Tribunal Superior do Trabalho, e a tantos outros, quero externar meu mais sincero agradecimento, porque somos um Brasil muito melhor, graças a esses amigos e amigas que do Japão vieram viver conosco.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2008 - Página 19635